Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.
Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.
E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!
s. d.
Poesias. Fernando Pessoa.
(Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática,
1942 (15ª ed. 1995). - 115.
1ª publ. in Notícias
Ilustrado , nº 29. Lisboa: 30-12-1928.
Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/2449
Linhas
de leitura do poema "Natal... Na província neva" de Fernando Pessoa
O
primeiro verso do poema, "Natal... Na província neva," estabelece um
cenário que combina um tempo específico, o Natal, com um espaço concreto, a
província. Este verso carrega uma expressividade rica em conotações afetivas: o
Natal, com as suas conotações de união e fraternidade, e a província, evocando a
ideia de tradições e cenários pitorescos típicos da época natalícia. A imagem
da neve reforça a atmosfera de um inverno típico, contrastando com o calor e
aconchego dos lares.
O verso
"Os sentimentos passados" refere-se à reemergência das emoções
associadas a experiências e memórias antigas, que se intensificam durante o
Natal. Esta época do ano, tradicionalmente ligada à família, desperta
sentimentos nostálgicos, reavivando laços afetivos que se fortalecem
com a proximidade dos entes queridos.
A frase
exclamativa "Como a família é verdade!" (v. 6) sugere uma afirmação
intensa e emocional sobre a importância e a autenticidade da família. Este tipo
de construção frásica sublinha o valor que o eu lírico atribui ao ambiente
familiar, visto como um refúgio verdadeiro e seguro, em contraste com o mundo
exterior, frequentemente percebido como hostil e falso.
A figura
de estilo presente no verso "’Stou só e sonho saudade" é a
aliteração, com a repetição dos sons sibilantes 's'. Esta repetição cria um
efeito sonoro que evoca a sensação de solidão e melancolia, intensificando o
sentimento de saudade. A escolha de palavras reforça a profundidade do
isolamento sentido pelo eu poético, que sonha com um passado perdido e
inacessível.
O último
verso, "Do lar que nunca terei!", resume a temática central do poema:
a nostalgia e o anseio por um ideal de felicidade familiar que parece
inalcançável. Esta expressão final evidencia a desilusão do eu poético, que
sonha com um lar acolhedor e uma plenitude de vida que ele acredita nunca
alcançar. Esta desesperança e a idealização de um passado feliz perdido são
características marcantes da obra de Pessoa.
Quanto à análise
formal, este poema é composto por três quadras, cada uma com versos de sete
sílabas métricas (redondilha maior), uma forma tradicionalmente ligada ao lirismo
popular português. A rima é cruzada (ABAB), conferindo ao poema uma
musicalidade suave. O uso do transporte, em que uma frase ou ideia se estende
para o verso seguinte, é observado nos versos 3-4, 9-10 e 11-12, contribuindo
para a fluidez e ritmo do poema.
O poema
exibe várias características temáticas e formais típicas da poesia de Fernando
Pessoa ortónimo:
Temáticas:
- Distância entre o sonho e a realidade: o desejo de um lar idealizado nunca alcançado.
- Evocação da infância: a
felicidade perdida que é rememorada com saudade.
- Solidão e melancolia: a
sensação de isolamento e a busca por um aconchego emocional.
- Desesperança: a consciência da
impossibilidade de reviver o passado ou atingir a plenitude desejada.
Formais:
- Aproximação ao lirismo
tradicional: uso da quadra, redondilha maior e rima cruzada.
- Linguagem simples e clara:
facilidade (aparente) de compreensão e espontaneidade.
- Uso do presente do indicativo:
a intensidade dos sentimentos é capturada no momento presente.
- Pontuação emotiva: utilização
de exclamações que enfatizam as emoções.
- Suavidade rítmica: aliterações,
ritmo cadenciado e transportes que contribuem para a musicalidade do poema.
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