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domingo, 14 de julho de 2024

Surf, o poema, Manuel Alegre

Gabriel Medina, fotografado por Jerome Brouillet, 29-7-2024

O POEMA

O poema vai e vem. E se demora
não quer dizer que seja demorado
mas que tem como tudo a sua hora
e como tudo é sempre inesperado.

Por muito que se espere não se espera.
Por mais que se construa é acaso e sorte.
Às vezes quando vem já foi ou era.
Porque assim é a vida. E assim a morte.

Por isso mesmo quando distraído
ninguém como o poeta é tão atento.
Ele sabe que de súbito há um sentido.
Vem como o vento. E passa como o vento.

07-07-2005

Manuel Alegre, Doze Naus. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2007

 

De acordo com a leitura do poema de Manuel Alegre, classifica cada afirmação que se segue como verdadeira ou falsa. Procede à correção das afirmações falsas.

1. O poema afirma que a criação poética é algo previsível e controlado.

2. Segundo o poema, o poeta é alguém que se distrai facilmente e, por isso, não percebe quando um poema surge.

3. O verso "Por mais que se construa é acaso e sorte" sugere que, apesar do esforço e do planeamento na criação do poema, o resultado final pode depender de elementos imprevisíveis e fortuitos.

4. No poema, a morte é apresentada como um evento previsível, ao contrário da vida

5. O poeta, segundo o poema, sabe identificar os momentos em que um poema pode surgir, mesmo que esses momentos sejam súbitos e inesperados.

6. A expressão "O poema vai e vem" sugere a natureza efémera e transitória da criação poética.

7. De acordo com o poema, a espera ativa pelo surgimento do poema é sempre recompensada.

8. O papel do poeta na construção/criação do poema é estar atento para captar os sentidos que, sem aviso, podem passar como o vento e aproveitar essas oportunidades.

9. O poeta deve estar atento e sensível para perceber os momentos de inspiração e dar forma ao poema.

10. Manuel Alegre escreveu sobre si próprio: "Se soubesse pintar (mas não sei) faria o meu autorretrato a olhar para ontem, ou para dentro, ou para outro lado. Distraído-concentrado, presente-ausente, um não sei que." (in http.www.manuelalegre.com). Podemos afirmar que Manuel Alegre ao descrever-se como “distraído-concentrado, presente-ausente,” reflete a sensibilidade do poeta em relação aos sentidos e oportunidades que surgem inesperadamente.

11. A antítese é utilizada no poema para contrastar a criação poética com a distração do poeta.

 

CORREÇÃO

1. Falso. O poema diz que o ato da criação poética "é sempre inesperado."

2. Falso. O poema diz que "ninguém como o poeta é tão atento" mesmo quando está distraído.

3. Verdadeiro.

4. Falso. A morte é apresentada como sendo tão inesperada quanto a vida ("Porque assim é a vida. E assim a morte.").

5. Verdadeiro.

6. Verdadeiro.

7. Falso. O poema sugere que "Por muito que se espere não se espera."

8. Verdadeiro.

9. Verdadeiro.

10. Verdadeiro.

11. Verdadeiro (A antítese é usada para mostrar que "quando distraído / ninguém como o poeta é tão atento.")

 

Nazaré, © Jorge Leal

INTERTEXTUALIDADE

 

SURF

De pé na frágil tábua
onda a onda ele escrevia
poesia sobre a água.

Era uma escrita tão una
de tão perfeita harmonia
que o que ficava na espuma

não se podia apagar:
era a própria grafia
do poema do mar.

Foz do Arelho, agosto de 2001

Manuel Alegre, Doze Naus. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2007

 

Niterói, Luiz Bhering


Análise comparativa entre “Surf” e "O poema", de Manuel Alegre

O poema “Surf” de Manuel Alegre apresenta a figura do surfista como um criador que, de pé na sua frágil tábua, escreve poesia sobre a água. Este ato de criar, mesmo que efémero, resulta em algo harmonioso e perfeito, uma "grafia do poema do mar" que, apesar de ser escrita na espuma, não se pode apagar.

O poema “Surf” pode ser visto como o resultado de uma dessas visões inspiradoras que o sujeito poético em “O poema” descreve: "Por isso mesmo quando distraído / ninguém como o poeta é tão atento. / Ele sabe que de súbito há um sentido. / Vem como o vento. E passa como o vento."

Em “O poema”, o sujeito poético afirma que o poeta está atento ao que o rodeia porque sabe que “de súbito há um sentido”. Esta atenção ao momento presente e a abertura para a inspiração repentina é o que permite ao poeta captar e transformar uma visão ou experiência passageira em arte.

No caso de “Surf”, a visão do surfista escrevendo poesia sobre a água pode ter sido uma dessas inspirações súbitas. A imagem do surfista, em perfeita harmonia com o mar, criando algo belo e efémero, reflete a sensibilidade do poeta em captar e eternizar momentos fugazes. Assim como o poeta em “O poema” percebe que “de súbito há um sentido” e que a inspiração vem e passa como o vento, em “Surf” o ato de surfar torna-se uma metáfora para a criação poética, em que cada movimento na onda é uma linha de poesia escrita na espuma, uma manifestação momentânea de beleza e significado que o poeta eterniza em palavras.

Portanto, “Surf” pode ser entendido como uma concretização da ideia apresentada em “O poema”, onde o poeta, atento e inspirado por uma visão súbita, captura a essência do momento e a transforma em poesia.

A relação entre os dois poemas pode também estar na ideia de atenção e sensibilidade necessárias para captar e criar algo sublime e transitório. No poema “Surf”, o surfista representa essa figura atenta que, mesmo num meio instável e passageiro como a água e a espuma, consegue criar algo que transcende o tempo e o espaço, assim como o poeta em “O poema”, que está sempre atento, mesmo quando distraído, captando e dando sentido ao que é passageiro e efémero, como o vento. Neste sentido, ambos os poemas enfatizam a ideia de que a criação artística, seja na forma de poesia ou surf, é um ato de sensibilidade e atenção ao momento presente, capturando o efémero e transformando-o em algo duradouro e significativo. A transitoriedade do vento no poema “O poema” e a espuma no poema “Surf” simbolizam a natureza fugaz da inspiração e da criação, que o poeta ou o surfista consegue eternizar através da sua arte.

 

Nazaré, © Jorge Leal

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