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segunda-feira, 15 de julho de 2024

Requiem pela velha ameixieira, Manuel Alegre

“Old Plum”, Kano Sansetsu, 1646.
https://www.metmuseum.org/art/collection/search/44858


REQUIEM PELA VELHA AMEIXIEIRA

Crepita a madeira na lareira
crepita a velha ameixieira
seus veios são as minhas próprias veias
vejo arder as ameixas e o verão
crepita aquela que deu sombra e agora dá calor
crepita o melro o verdilhão o rouxinol
e em cada tronco palpita
o próprio sol.
Crepita o sumo que escorria
pelo seu rosto onde o tempo também ardeu
crepita a velha ameixieira
e quem com ela crepita
sou eu.

 

Águeda, Natal, 2001

Manuel Alegre, Doze Naus. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2007




Leitura

"Requiem pela velha ameixieira" é uma elegia que celebra a vida e a morte da velha ameixieira, a árvore que em vida proporcionou sombra e frutos e que agora aquece a casa com o seu fogo, e, no seu crepitar, o sujeito poético encontra reflexões sobre a sua própria existência e a passagem do tempo.

O poema inicia com a imagem da madeira a crepitar na lareira, estabelecendo um ritmo constante e evocativo. A repetição da palavra “crepita” nos versos 1, 2, 5, 6, 9 e 11 cria uma musicalidade que imita o som do fogo, reforçando a sensação de inevitabilidade e continuidade. Além disso, a rima no final dos versos como "lareira" com "ameixieira" e "rouxinol" com "sol", assim como a rima interna no verso "Crepita a madeira na lareira", contribui para a harmonia e fluidez do poema, tornando a leitura uma experiência quase auditiva.

A ligação entre a árvore e o sujeito poético é explicitada no verso "seus veios são as minhas próprias veias". Esta metáfora indica uma interdependência entre a vida da árvore e a do sujeito poético, sugerindo que a morte da ameixieira representa a morte de parte do próprio poeta. De igual modo, a referência ao sumo que escorria pelo rosto da árvore sugere uma ligação íntima, quase como se a árvore fosse uma extensão do próprio poeta. A árvore é um símbolo da sua juventude, dos verões passados, das experiências e momentos que jamais se repetirão.

Observe-se ainda a simbologia do verão da vida, que também arde, e da entrada numa fase de declínio - o outono. Esta estação, tradicionalmente associada ao auge da vitalidade e do crescimento, transforma-se em combustível para o fogo que aquece o presente, simbolizando a entrada do poeta numa fase de declínio, o outono de sua vida.

O poema é uma oração pelo passado, uma aceitação do presente e uma contemplação do inevitável futuro, convidando o leitor a refletir sobre a passagem do tempo e a inevitabilidade da mudança.

  


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