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domingo, 19 de junho de 2022

O tema do sebastianismo no exame nacional de Português (OS LUSÍADAS, FREI LUÍS DE SOUSA e MENSAGEM)



 GRUPO I

PARTE A

D. Sebastião

 

‘Sperai! Caí no areal e na hora adversa

Que Deus concede aos seus

Para o intervalo em que esteja a alma imersa

Em sonhos que são Deus.

 

Que importa o areal e a morte e a desventura

Se com Deus me guardei?

É O que eu me sonhei que eterno dura,

É Esse que regressarei.

 

Fernando Pessoa, Mensagem e Outros Poemas sobre Portugal, edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith, Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, p. 102.

 

 

1. No poema, está presente um «eu», D. Sebastião, que se dirige a um «vós», os Portugueses.

Explicite o apelo feito na primeira estrofe e, com base nesse apelo, infira os sentimentos desse «eu» e desse «vós».

 

2. Evidencie a presença do herói histórico e a presença do herói mítico na segunda estrofe do poema, fundamentando a resposta com a referência a um elemento textual para cada um dos tipos de herói.

 

3. Selecione a opção de resposta adequada para completar a afirmação.

Na primeira estrofe, o uso do vocábulo «intervalo» remete para um antes e um depois, correspondendo a um tempo

(A) de desistência durante o qual a essência do sujeito poético perdura.

(B) de transição durante o qual a essência do sujeito poético esmorece.

(C) de desistência durante o qual a essência do sujeito poético esmorece.

(D) de transição durante o qual a essência do sujeito poético perdura.

 

PARTE B

     Leia o texto seguinte, constituído pelas estâncias 15 a 18 do Canto I de Os Lusíadas, e as notas.

 

Est. 15

E, enquanto eu estes canto – e a vós não posso,

Sublime Rei, que não me atrevo a tanto –,

Tomai as rédeas vós do Reino vosso:

Dareis matéria a nunca ouvido canto.

Comecem a sentir o peso grosso

(Que polo mundo todo faça espanto)

De exércitos e feitos singulares,

De África as terras e do Oriente os mares.

 

Est. 16

Em vós os olhos tem o Mouro frio,

Em quem vê seu exício1 afigurado;

Só com vos ver, o bárbaro Gentio

Mostra o pescoço ao jugo2 já inclinado;

Tétis todo o cerúleo senhorio3

Tem pera vós por dote aparelhado4,

Que, afeiçoada ao gesto5 belo e tenro,

Deseja de comprar-vos pera genro.

 

Est. 17

Em vós se vêm6, da Olímpica morada,

Dos dous avós7 as almas cá famosas;

Ũa, na paz angélica dourada,

Outra, pelas batalhas sanguinosas.

Em vós esperam ver-se renovada

Sua memória e obras valerosas;

E lá vos têm lugar, no fim da idade,

No templo da suprema Eternidade.

 

Est. 18

Mas, enquanto este tempo passa lento

De regerdes os povos, que o desejam,

Dai vós favor ao novo atrevimento,

Pera que estes meus versos vossos sejam,

E vereis ir cortando o salso argento8

Os vossos Argonautas9, por que vejam

Que são vistos de vós no mar irado,

E costumai-vos já a ser invocado.

 

Luís de Camões, Os Lusíadas, edição de A. J. da Costa Pimpão, 5.ª ed., Lisboa, MNE/IC, 2003, pp. 4-5.

 

NOTAS

1 exício – destruição; ruína; mortandade.

2 jugo – peça de madeira que une os bois de uma junta; domínio; força repressiva; sujeição.

3 cerúleo senhorio – domínio do mar de cor azul-celeste.

4 aparelhado – preparado.

5 gesto – aspeto; aparência; rosto.

6 vêm – veem.

7 dous avós – D. João III, pai do príncipe D. João, e Carlos V, pai da princesa D. Joana.

8 salso argento – mar da cor da prata.

9 Os vossos Argonautas – referência aos navegadores portugueses.

 

4. Releia a estância 15.

Explicite o modo como se desenvolve a estratégia argumentativa usada pelo poeta nessa estância para incitar o rei D. Sebastião à ação gloriosa.

 

5. Nas estâncias 16 e 17, o poeta confere ao rei D. Sebastião uma dimensão excecional.

Comprove esta afirmação, recorrendo a dois exemplos pertinentes mencionados nessas estâncias.

 

6. Selecione a opção de resposta adequada para completar a afirmação.

A par do louvor aos feitos dos navegadores cantados n’Os Lusíadas, na estância 18, está subjacente

(A) a crítica à ambição desmesurada que o rei manifesta.

(B) a alusão à demora na ação heroica que se espera do rei.

(C) o reconhecimento pelo rei da força guerreira dos povos que há de dominar.

(D) o elogio que o rei tece ao valor artístico dos versos escritos pelo poeta.

 

PARTE C

7. Baseando-se na sua experiência de leitura de Mensagem, de Fernando Pessoa, e de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, escreva uma breve exposição sobre o modo como o sebastianismo emerge em cada uma das obras.

A sua exposição deve incluir:

uma introdução ao tema;

um desenvolvimento no qual compare as duas obras, referindo uma manifestação significativa do sebastianismo em cada uma delas;

uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

 

GRUPO III

 

Para muitas pessoas, o heroísmo exige percorrer um caminho árduo, que implica renúncia e sofrimento.

Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a conceção de heroísmo apresentada.

No seu texto:

explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;

formule uma conclusão adequada à argumentação desenvolvida;

utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

 

CENÁRIOS DE RESPOSTAS

Nota prévia sobre o Grupo I: Nos tópicos de resposta de cada item, as expressões separadas por barras oblíquas à exceção das utilizadas no interior de cada uma das citações correspondem a exemplos de formulações possíveis, apresentadas em alternativa. As ideias apresentadas entre parênteses não têm de ser obrigatoriamente mobilizadas para que as respostas sejam consideradas adequadas.

 

1. Explicitação do apelo que D. Sebastião dirige aos portugueses: incita-os a aguardar o seu regresso messiânico (no pressuposto de que a morte física é um momento transitório em que os sonhos «são Deus» – v. 4).

Identificação dos sentimentos do «eu» e do «vós»: D. Sebastião revela confiança na concretização dos seus sonhos (apesar da sua morte); o apelo de D. Sebastião permite inferir que os portugueses manifestam desânimo/descrença, o que leva o rei a incutir-lhes um sentimento de esperança no seu regresso/naquilo de que ele é o símbolo.

 

2. Relativamente a cada uma das dimensões do herói, deve ser abordado um dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

Herói histórico

referência ao «areal» para identificar o local da batalha em Alcácer Quibir/no Norte de África;

referência à «morte» física de D. Sebastião no decurso da batalha;

referência à «desventura» que conduziu à morte do rei (e à desgraça do país).

 

Herói mítico

referência ao carácter transcendente de D. Sebastião, enquanto figura guardada por Deus/enquanto figura identificada através do uso de maiúsculas em «O» e «Esse»;

referência à permanência do sonho do rei, que é aquilo que «eterno dura» (v. 7);

referência à certeza do regresso do rei enquanto sonho criador.

 

3. (D)

 

4.Primeiramente, o poeta tece o elogio do rei – «Sublime Rei» –, dando a entender que ele está predestinado a cometer tão grandes feitos que o poeta afirma não ousar cantá-los.

Seguidamente, o poeta aconselha o rei D. Sebastião:

· a assumir o controlo e a responsabilidade da governação (o que dará assunto para um novo e singular canto épico);

· a dominar as terras de África e os mares do Oriente (vitórias que serão exaltadas e admiradas por todos).

 

5. Devem ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

· D. Sebastião assusta de tal modo os Mouros e os Gentios que os primeiros o veem como a causa da sua ruína futura e os segundos se mostram já predispostos a submeter-se-lhe;

· a própria Tétis deseja oferecer a filha em casamento a D. Sebastião e, como dote, o controlo dos mares;

· os feitos de D. Sebastião serão motivo de orgulho para os seus antepassados, que esperam dele a realização de feitos tão grandiosos como os do passado/de feitos que mereçam ser para sempre recordados.

 

6. (B)

 

7. Relativamente a cada obra, deve ser abordado um dos tópicos seguintes, ou outro igualmente relevante.

Mensagem

·  Séculos após a Batalha de Alcácer Quibir, não é mais a crença no regresso do rei vivo que está em causa, mas o que ele representa – o mito, fecundador da realidade/o Desejado, que surge como o Salvador.

· D. Sebastião surge na obra como o mito que exprime o drama nacional de um país decadente que precisa de acreditar nas suas capacidades para superar o presente de «nevoeiro» (recusa do presente e crença no futuro).

· O sebastianismo evidencia-se na crença no regresso messiânico do Salvador que conduzirá Portugal a nova conquista – o império espiritual e civilizacional («Senhor, falta cumprir-se Portugal!»).

· D. Sebastião é o símbolo da loucura positiva, da sede de infinito que caracteriza o ser humano que pretende ultrapassar a sua própria natureza («Louco, sim, louco, porque quis grandeza»).

 

Frei Luís de Sousa

· Num contexto em que Portugal está sob o domínio filipino, o sebastianismo evidencia-se na crença nacional de que D. Sebastião não morreu na batalha de Alcácer Quibir.

·  O sebastianismo evidencia-se na convicção de que o regresso de D. Sebastião devolverá a Portugal a independência e a liberdade perdidas.

· Existem na obra personagens fortemente sebastianistas: Telmo, vinte e um anos passados sobre a fatídica batalha, mantém a esperança de que o seu antigo amo esteja vivo e regresse, o que significaria que D. Sebastião poderia também regressar / Maria, porta-voz da ilusão popular de que D. Sebastião está vivo, acredita que o rei regressará a qualquer momento para salvar o seu povo do jugo castelhano.

·  A mensagem sebastianista não é absolutamente linear: se com a chegada do Romeiro, ou seja, de D. João, se verifica a destruição de quem ele ama (o seu regresso, em vez de ser uma graça, é uma des – graça), o hipotético regresso de D. Sebastião também poderia não ser a melhor solução para Portugal.

 

 Fonte: Exame Final Nacional de Português | Prova 639 | 1.ª Fase | Ensino Secundário | 2022 |12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho | Decreto-Lei n.º 27-B/2022, de 23 de março):

Prova – versão 1: https://iave.pt/wp-content/uploads/2022/06/EX-Port639-F1-2022-V1_net.pdf

Critérios de correção: https://iave.pt/wp-content/uploads/2022/06/EX-Port639-F1-2022-CC-VT_net.pdf


 

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Fernando Pessoa - Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro. In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição) e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html

 



CARREIRO, José. “O tema do sebastianismo no exame nacional de Português (Os Lusíadas, Frei Luís de Sousa e Mensagem)”. Portugal, Folha de Poesia, 19-06-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/06/o-mito-do-sebastianismo-em-os-lusiadas.html



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