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quinta-feira, 23 de junho de 2022

PETRARCA: Se amor não é, qual é meu sentimento? CAMÕES: Amor é um fogo que arde sem se ver


 


Grande parte da obra do poeta italiano Francesco Petrarca (1304-1374) é dedicada a Laura, uma jovem casada por quem se apaixonou e amou à distância.

 

Soneto 132

 

Se amor não é, qual é meu sentimento?

mas se é amor, por Deus, que cousa e qual?

se boa, que é do efeito ásp’ro e mortal?

se é má, o que é que adoça tal tormento?

 

Se ardo a bom grado1, onde é pranto e lamento?

e se a mau grado2, o lamentar que val’?

Ó viva morte, ó deleitoso3 mal,

tanto em mim podes sem consentimento?

 

E em sem razão me queixo, se o tolero.

E em tão contrários ventos, frágil barca

me leva em alto mar e sem governo,

 

tão cheia de erros, de saber tão parca4,

que eu mesmo nem sequer sei o que quero,

e a tremer no estio5, ardo de inverno.

 

As Rimas de Petrarca, trad. Vasco Graça Moura, Lisboa, Bertrand, 2003, p. 397

 

NOTAS: 1 Bom grado: por vontade. 2 Mau grado: contra vontade. 3 Deleitoso: aprazível. 4 Parca: escassa, modesta, pouco abundante. 5 Estio: verão.

 






1. Associa cada afirmação (coluna B) a uma passagem do poema que a exemplifique (coluna A).

COLUNA A

a)     «Se amor não é, qual é meu sentimento?» (v. 1)

b)     Versos 2 a 6.

c)      «tanto em mim podes sem consentimento?/ E em sem razão me queixo, se o tolero.» (vv. 8-9)

d)     «E em tão contrários ventos, frágil barca / me leva em alto mar e sem governo,/ tão cheia de erros, de saber tão parca». (vv. 10-12)

e) «que eu mesmo nem sequer sei o que quero, / e a tremer no estio, ardo de inverno.». /vv. 13-14)

 

COLUNA B

  1. O sujeito poético não consegue controlar racionalmente os efeitos do amor.
  2. O sujeito poético não sabe se quer sentir-se assim perdido, limitando-se a reconhecer a contradição dos seus sentimentos, que lhe provocam frio no verão e calor no inverno.
  3. O sujeito poético mostra-se perplexo perante os sentimentos contraditórios, bons e maus, provocados pelo amor.
  4. Incapaz de perceber o que sente, o sujeito poético vê-se como uma embarcação desgovernada, que se arrisca por perigosos mares.
  5. O sujeito poético tem dificuldades em definir aquilo que sente como sendo amor. 

 


2. A poesia de Petrarca influenciou muitos poetas europeus, incluindo Camões. Procede a uma leitura comparativa entre o soneto de Petrarca «Se amor não é, qual é meu sentimento?» e o soneto de Camões «Amor é um fogo que arde sem se ver» (analisado aqui).

 

Amor é um fogo que arde sem se ver,

é ferida que dói, e não se sente;

é um contentamento descontente;

é dor que desatina sem doer.

 

É um não querer mais que bem querer;

é um andar solitário entre a gente;

é nunca contentar-se de contente;

é um cuidar que ganha em se perder.

 

É querer estar preso por vontade;

é servir a quem vence, o vencedor;

é ter, com quem nos mata, lealdade.

 

Mas como causar pode seu favor

nos corações humanos amizade,

se tão contrário a si é o mesmo amor?

 


Amor é  fogo que arde sem se ver (Luís Represas & João Gil


2.1. Classifica como verdadeiras (V) ou falsas (F) as afirmações. Corrige as falsas.

a)     O amor é um sentimento complexo, segundo Camões, mas fácil de entender, segundo Petrarca.

 

b)     Ambos os sonetos apresentam uma reflexão sobre o amor e evidenciam o seu caráter contraditório.

 

c)      Existe uma relação de intertextualidade entre os dois textos, pois ambos abordam o tema do amor, a dificuldade dos poetas em caracterizarem devidamente este sentimento e os efeitos contraditórios que ele tem em quem ama.

 

d)     O soneto de Petrarca inicia-se com interrogações sobre o amor, tal como o de Camões.

 

e)     Enquanto no soneto de Camões o sujeito poético procura definir o amor, no de Petrarca faz uma reflexão sobre o seu próprio sentimento, mediante a utilização de perguntas retóricas. 

 

f)       O sentido do verbo «desatina» no verso 4 do soneto de Camões é oposto ao significado da expressão «sem razão» que ocorre no v. 9 do soneto de Petrarca.

 

g)     No poema de Camões, a reflexão sobre o amor é feita de forma intensa, mas distanciada. O sujeito poético usa sempre a 3.ª pessoa do singular, procurando encontrar uma definição assente nas respetivas contradições. 

 

h)     Realçando essas essas mesmas contradições e a dificuldade em definir o amor, o sujeito poético do soneto de Petrarca usa a 1.ª pessoa, refere-se, por isso, à sua experiência pessoal e aos efeitos que esse sentimento tem em si próprio.

 

i)       No seu soneto, o poeta italiano mostra de que modo o amor se manifesta em si próprio, generaliza, enquanto Luís de Camões reflete sobre os efeitos do sentimento nas pessoas, em geral.

 

 

3. Associa cada soneto a uma das seguintes citações, justificando.

a) «O amor não é só um estado absoluto. Porque se o fosse tantos de nós não o perseguíamos como se fosse atingível.» (Luís Osório, Amor, Alfragide, Oficina do Livro, 2016)

b) «Só há um tipo de amor que dura, o não correspondido.» (Woody Allen)

 

 

Chave de correção:

1. a-5; b-3; c-1; d-4; e-2.

 

2. a) F - O amor é um sentimento complexo, segundo Camões e Petrarca.

b) V

c) V

d) F - O soneto de Petrarca inicia-se com interrogações sobre o amor, mas no de Camões a interrogação é apresentada na conclusão.

e) V

f) F - Há uma coincidência entre o significado do verbo «desatina» (v. 4, soneto de Camões) e a expressão «sem razão» (v. 9, soneto de Petrarca).

g) V

h) V

i) F - No seu soneto, o poeta italiano mostra de que modo o amor se manifesta em si próprio, particulariza, enquanto Luís de Camões reflete sobre os efeitos do sentimento nas pessoas, em geral.

 

3. Sugestões de interpretação das frases citadas:

a) «O amor não é só um estado absoluto» - portanto, não é simples.

«Porque se o fosse tantos de nós não o perseguíamos como se fosse atingível.» -isto é, a verdade é que ele não é simples, não é um estado absoluto, é algo que se vai conquistando e, por isso, é que vamos tendo esta convicção de que o podemos atingir, porque vamos por fases: temos estádios de paixão, de amor, e vamos atingindo essas fases gradualmente. É, portanto, um sentimento complexo. É isso que Camões nos diz no soneto «Amor é um fogo que arde sem se ver»…

 

b) O único amor que perdura é aquele que não é correspondido, porque é aquele que continuamos a perseguir e que não conseguimos atingir, portanto, prolonga-se. E foi exatamente isto que viveu Petrarca com a sua amada Laura. Então, como pôde suportar o peso de um amor impossível? Através da arte, é a resposta.

 

 

Bibliografia:

«Amor é fogo», linhas de leitura sobre o poema «Amor é um fogo que arde sem se ver», de Luís de Camões, por José Carreiro. In: Folha de Poesia, 2016-07-22 <https://folhadepoesia.blogspot.com/2016/07/amor-e-fogo.html>

 

«Se amor não é, qual é meu sentimento?» in P8, Lisboa, Ana Santiago e Sofia Paixão. Lisboa, Texto Editores, 2014 (2.ª ed.).


«Se amor não é, qual é meu sentimento?» in Conto Contigo 8, Conceição Monteiro Neto... [et al.]; rev. cient. e pedag. Sónia Valente Rodrigues. - [1ª ed., 1ª reimp.]. – Porto, Areal, 2013.

 

Projeto #ESTUDOEMCASA, aula 52 de Português - 7.º e 8.º anos, sobre "Amor é fogo que arde sem se ver", de Luís de Camões, e "Se amor não é, qual é o meu sentimento?", de Petrarca, disponível em https://www.rtp.pt/play/estudoemcasa/p7828/e545683/portugues-7-e-8-anos, 2021-05-21:





CARREIRO, José. “PETRARCA: Se amor não é, qual é meu sentimento? CAMÕES: Amor é um fogo que arde sem se ver”. Portugal, Folha de Poesia, 23-06-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/06/petrarca-se-amor-nao-e-qual-e-meu.html



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