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sábado, 8 de outubro de 2022

A forma justa, Sophia Andresen


 

A FORMA JUSTA

 

Sei que seria possível construir o mundo justo

As cidades poderiam ser claras e lavadas

Pelo canto dos espaços e das fontes

O céu o mar e a terra estão prontos

A saciar a nossa fome do terrestre

A terra onde estamos – se ninguém atraiçoasse – proporia

Cada dia a cada um a liberdade e o reino

– Na concha na flor no homem e no fruto

Se nada adoecer a própria forma é justa

E no todo se integra como palavra em verso

Sei que seria possível construir a forma justa

De uma cidade humana que fosse

Fiel à perfeição do universo

 

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco

E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

O NOME DAS COISAS, 1.ª ed., 1977, Lisboa, Moraes Editores; 2.ª ed., 1986, Lisboa, Edições Salamandra; 3.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho; 4.ª ed., revista, 2006, Lisboa, Editorial Caminho.

 



 

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas ao questionário.

1. Transcreva os elementos do texto em que se prefigura o «mundo justo».

2. Explicite os sentidos produzidos pelas formas verbais «seria» (vv. 1 e 11), «poderiam ser» (v. 2) e «proporia» (v. 6).

3. Indique uma interpretação possível para a frase: «se ninguém atraiçoasse» (v. 6).

4. Explique em que se fundamenta a convicção do sujeito poético de que «seria possível construir o mundo justo».

5. Caracterize o papel que o «eu» atribui a si próprio «para a reconstrução do mundo».

 

 

Explicitação de cenários de resposta

1. Os elementos do texto pelos quais se prefigura o «mundo justo» a «construir» são os seguintes:

– «cidades [...] claras e lavadas/ Pelo canto dos espaços e das fontes» (vv. 2-3);

– «O céu o mar e a terra estão prontos/ A saciar a nossa fome do terrestre» (vv. 4-5);

– «A terra onde estamos [...] proporia / Cada dia a cada um a liberdade e o reino» (vv. 6-7);

– «uma cidade humana [...]/ Fiel à perfeição do universo» (vv. 12-13).

– ...

 

2. As formas verbais – «seria», «poderiam ser», «proporia» – encontram-se no condicional e, em correlação com a oração condicional «se ninguém atraiçoasse», bem como com a afirmação reiterada «sei» (vv. 1 e 11), produzem no poema um duplo efeito de sentido: por um lado, exprimem a convicção do «eu» de que o «mundo justo» é uma possibilidade ao alcance do homem; por outro, atribuem a esse «mundo justo» um carácter utópico, talvez inelutável, pois a sua construção depende de uma condição radical («se ninguém atraiçoasse»).

 

3. A frase «se ninguém atraiçoasse» pode ser interpretada dos seguintes modos:

– se ninguém pervertesse a harmonia primordial da natureza;

– se ninguém alienasse a verdadeira natureza;

– se ninguém quebrasse a ligação com a natureza, com a harmonia, evidente na «forma justa»

das coisas e dos seres;

– ...

 

4. A convicção, expressa na anáfora «Sei que seria possível» (vv. 1 e 11), fundamenta-se na perceção lúcida que o «eu» tem da natureza. Assim, o sujeito poético sabe que a natureza está pronta «A saciar a nossa fome do terrestre» e a proporcionar diariamente «a cada um» a liberdade e a plena realização; sabe que a forma primordial das coisas e dos seres é «justa» e harmoniosamente se integra no «todo», desde que a traição ou a doença não afetem essa comunhão e essa «forma justa». Por isso, «o mundo justo» seria possível com o regresso do homem à sua forma primordial de ser da natureza, com a construção de uma «cidade humana» segundo a harmonia que rege a «perfeição do universo».

 

5. O papel do sujeito poético «para a reconstrução do mundo» cumpre-se no seu «ofício de poeta». O «verso» é parte do «universo», é a imagem da ordem primordial (cf. v. 10). Ao construí-lo incessantemente na «página em branco», o «eu» recria a harmonia do universo. Pelo seu «ofício de poeta», o sujeito lírico é, assim, o incessante mediador entre a natureza e o homem, mantendo viva a ideia do regresso deste à pureza das origens, à «perfeição do universo».

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 139. 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de agosto). Cursos Gerais e Cursos Tecnológicos. Prova Escrita de Português B. Prova modelo. Portugal, GAVE, 2001

 

"A Forma Justa", de Sophia Andresen, por Pedro Lamares. RTP2, 2018-03-21


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A forma justa, Sophia Andresen”, José Carreiro. Folha de Poesia, 2022-10-08. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/10/a-forma-justa-sophia-andresen.html


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