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segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

D. Dinis, na noite escreve um seu Cantar de Amigo (Mensagem, Fernando Pessoa)

 

Mensagem, de Fernando Pessoa

Primeira Parte – Brasão

II - Os Castelos

 

 


 

Sexto

D. DINIS

 

Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.

Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.

9-2-1934

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934

 

____________

1 Arroio: regato.

2 Marulho: mar + barulho; agitação das ondas

 

 

Leitura orientada do poema “D. Dinis”, de Fernando Pessoa:

Camões consagrara a D. Dinis três estrofes do canto III, em que pusera em relevo a sua faceta de povoador, de reconstrutor de cidades e fortalezas, de fundador da universidade, esquecendo, curiosamente, a sua faceta de poeta. (Amélia Pinto Pais, Para compreender Fernando Pessoa, Porto, Areal Editores, 1999).

Nada do que foi o reinado sereno e de consolidação nacional de D. Dinis merece referência na Mensagem. Privilegia-se antes o seu gesto criador que, investido de intuição poética (“instinto”), preparou as condições para as navegações.

Elementos textuais que identificam D. Dinis: o Cantar de Amigo; o plantador de naus. Caracterizado, portanto, como poeta e como lavrador.

Como poeta, D. Dinis é o visionário de um futuro brilhante, isto é, do destino mítico de Portugal: no silêncio da noite, ouve, na imaginação, o ruído dos pinhais. Como lavrador, age impulsionado pelo futuro.

 

  noite

                               

    

presente

futuro

plantador

naus a haver

rumor dos pinhais

trigo/de Império

Arroio

Oceano

fala dos pinhais

marulho obscuro

som presente

mar futuro

voz da terra

ânsia do mar

Cantar de Amigo

gesto criador

 

Tudo ainda é baixo, infante, nascituro, tudo ainda não é: a noite ainda não é dia; os pinhais ainda não são naus; a messe3 ainda não é imperial; o arroio ainda não é oceano; o marulho ainda não é o som; a terra ainda não é o mar e, no entanto, em movimento refluente4, tudo já foi: as naus já foram pinheiros; o oceano já foi arroio; o mar já foi terra, porque em D. Dinis estão, de forma clarividente, o antes e o depois. Esta visão transcendental da História apresenta-nos a figura histórica como a potencial capaz de escutar a voz dos deuses.

A noite e o dia estão em D. Dinis. D. Dinis, à noite, escreve e, no silêncio da noite, ouve o significado das acções do dia futuro. (Mª Almira Soares, Para uma leitura de MENSAGEM de Fernando Pessoa. Lisboa, Editorial Presença, 2000).

 

Há o apelo às forças do inconsciente, numa recriação que privilegia o mito em detrimento do dado histórico concreto. A noite, o ondular invisível dos pinhais, o «marulho obscuro» da sua fala, a voz da terra são forças primeiras e impalpáveis de um passado que já foi futuro no mar que se cumpriu e que pode voltar a sê-lo no Portugal imperial a haver. (Artur Veríssimo, Dicionário da Mensagem. Porto, Areal Editores, 2000, p. 33)

 

______________

3 seara madura; colheita; ceifa.

4 que reflui; que volta ao seu ponto de origem; que corre para trás.

 

 

Questionário sobre o poema “D. Dinis”, de Fernando Pessoa:

1. O poema que acaba de ler é dedicado a D. Dinis.

1.1. Que elementos nos permitem identificar que o eu poético se refere a essa figura histórica?

1.2. Explique a utilização de cada um desses elementos caracterizadores.

2. Explicite o valor simbólico dos seguintes elementos de valor profético: noite, pinheiro, trigo, vento.

3.O poeta, imbuído de espírito épico, reflete a posteriori sobre a empresa dos Descobrimentos.

Identifique e exemplifique duas figuras de estilo diferentes cujo significado remete para o cumprimento desse destino.

4. No texto, D. Dinis é um herói voluntário ou involuntário? Justifique.

Adaptado do Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 139. 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de agosto). Cursos Gerais e Cursos Tecnológicos. Prova Escrita de Português B. Portugal, GAVE, 1996, 2.ª fase

 

Sugestão de correção:

1.1. Elementos textuais que identificam D. Dinis: o Cantar de Amigo; o plantador de naus.

1.2. O primeiro elemento caracterizador (o Cantar de Amigo) reporta-se ao Rei trovador/poeta que compôs Cantigas de Amigo e de Amor, na época trovadoresca. Quanto ao segundo elemento, permite caracterizar o sujeito poético como lavrador.

2. Explicitação do valor simbólico dos seguintes elementos de valor profético:

NOITE: símbolo da preparação do dia e da fermentação do futuro, a noite é o tempo da purificação do intelecto. É o reino do inconsciente que, no sono e no sonho, se liberta.

PINHEIRO – na mitologia grega, o pinheiro surge como um símbolo da exaltação da força vital e da glorificação da fecundidade. Para os japoneses é, tradicionalmente, um sinal de bom augúrio e, na literatura, a sua presença evoca a espera.

TRIGO – prenúncio de felicidade e de abundância.

VENTO («rumor dos pinhais»; «fala dos pinhais»; «voz da terra») – na sua figuração positiva, o vento é o sopro espiritual de origem celeste, um instrumento do poder divino. É, como os anjos, um portador de mensagens: nos sonhos, prediz a mudança. É, em suma, a presença silenciosa e invisível de Deus.

3. O poeta, imbuído de espírito épico, reflete a posteriori sobre a empresa dos Descobrimentos.

Identificação e exemplificação de duas figuras de estilo diferentes cujo significado remete para o cumprimento da empresa expansionista:

ANIMISMO: «E a fala dos pinhais»;

METÁFORA: «marulho obscuro» e ««Arroio, esse cantar»;

COMPARAÇÃO: «como um trigo / De Império».

4. No texto, D. Dinis integra a linha do herói involuntário que age por instinto patriótico; é a eterna Pátria do dia antes, a reserva da nacionalidade, que a alma recorda para (se) conhecer. É, pois, como Castelo da alma coletiva que D. Dinis habita o ainda não do Ser português (ou o não-Ser) e, ao mesmo tempo, o no entanto já que deixa pressentir o futuro (ou o Ser-em-promessa).

 

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 Intertextualidade entre o poema “Praia” de Sophia de Mello Breyner Andresen e os poemas “Horizonte” e “D. Dinis” de Fernando Pessoa. In: Folha de Poesia, José Carreiro, 2024-07-05



D. Dinis, na noite escreve um seu Cantar de Amigo (Mensagem, Fernando Pessoa)” in Folha de Poesia, José Carreiro. Portugal, 12-12-2019. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/12/d-dinis-na-noite-escreve-um-seu-cantar.html


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