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quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

O Desejado - terceiro símbolo na Mensagem, de Fernando Pessoa

 

Mensagem, de Fernando Pessoa

Terceira Parte: O Encoberto

Pax in excelsis

I - Os Símbolos


Terceiro

O DESEJADO

 

Onde quer que, entre sombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-te sonhado,
E ergue-te do fundo de não-seres
Para teu novo fado!

Vem, Galaaz1 com pátria, erguer de novo,
Mas no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo
À Eucaristia2 Nova.

Mestre da Paz, ergue teu gládio3 ungido4,
Excalibur5 do Fim, em jeito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Gral6!
 

18-1-1934

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934

 

________________

(1) Galaaz: Galaaz é o herói da demanda do Santo Graal, o cavaleiro perfeito, eleito entre os melhores, predestinado a vencer. Tem a honra de ser o primeiro a aceder ao Santo Graal.

(2) Eucaristia: na teologia católica, sacramento que é Cristo sob as espécies do pão e do vinho consagrados;

ato litúrgico, com sentido de ação de graças e de sacrifício, durante o qual se realiza a consagração eucarística.

(3) Gládio: espada.

(4) Ungir: untar com óleo; dar posse ou investir de autoridade por meio de unção; sagrar.

(5) Excalibur: espada oferecida pelo Rei Artur a Galaaz para este ir em demanda do Santo Graal.

(6) Graal: copo ou cálice de que Jesus Cristo se teria servido na última ceia com os discípulos e no qual José de Arimateia teria recolhido o sangue e a água dimanados das chagas do Salvador na cruz; segundo lendas medievais bretãs, o Santo Graal teria sido levado para a Bretanha (atual Inglaterra) no ano 64 d. C. e depositado numa capela dentro de um bosque. A demanda (procura) do Santo Graal serviu de tema a uma série de lendas e romances do ciclo do rei Artur e dos seus cavaleiros da Távola Redonda.

 

 

I – Questionário sobre o poema “O Desejado”, de Fernando Pessoa

Apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Explique como, na primeira quadra, o sujeito poético perspetiva a figura de D. Sebastião.

2. Explicite o apelo a D. Sebastião, a partir da apóstrofe «Galaaz com pátria» (verso 5).

3. Interprete a figura do cavaleiro e a sua missão na estrofe final.

4. Considere o poema “O Desejado”, de Fernando Pessoa, e as estâncias 15-17 Do Canto I de Os Lusíadas, abaixo transcritas. Compare os dois textos, explicitando os significados neles construídos.

15

«E, enquanto eu estes canto, e a vós não posso,

Sublime Rei, que não me atrevo a tanto,

Tomai as rédeas vós do Reino vosso:

Dareis matéria a nunca ouvido canto.

Comecem a sentir o peso grosso

(Que polo mundo todo faça espanto)

De exércitos e feitos singulares

De África as terras e do Oriente os mares.

16

Em vós os olhos tem o Mouro frio,

Em quem vê seu exício afigurado;

Só com vos ver, o bárbaro Gentio

Mostra o pescoço ao jugo já inclinado;

(...)

17

Em vós esperam ver-se renovada

Sua memória e obras valerosas;

E lá vos tem lugar, no fim da idade,

No templo da suprema Eternidade.»

CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas – Canto I, est. 15-17

 

(Prova Escrita de Conhecimentos Específicos de Português, Instituto Politécnico de Leiria, 04-06-2016. Disponível em: https://www.ipleiria.pt/wp-content/uploads/2017/04/Portugu%C3%AAs_M23_2016.pdf)

 

https://purl.pt/13965/1/P111.html

 

II – Comentário de texto

Elabore um comentário global do poema “O Desejado”, de Fernando Pessoa, que integre os seguintes tópicos:

  • estrutura externa e interna do poema;
  • tom exortativo / apelativo
  • identificação e caracterização do invocado;
  • razões subjacentes à invocação;
  • integração do texto na estrutura da obra e sua justificação.

 

Proposta de correção:

O poema apresentado é constituído por três estrofes regulares de quatro versos cada (quadras), estendendo-se a regularidade à própria métrica, dado que os 3 primeiros versos de cada estrofe são decassílabos e os últimos hexassílabos (6 sílabas métricas).

A rima é cruzada, tal como se pelo esquema rimático (a b a b / c d c d / e f e f), pobre e consonântica.

A harmonia visível a nível formal perpassa a nível do conteúdo. Com efeito, o poema desenvolve-se de forma linear, dado que a primeira estrofe funciona como introdução, onde se inicia o apelo àquele que no momento jaz adormecido, inconsciente, ainda, do destino que lhe está reservado. Na segunda estrofe, o apelo continua e começam a desvendar-se as razões que subjazem ao pedido que é feito: a pátria espera queele” a venha erguer, isto é, o povo sofredor exige dele a “suprema prova”, que o fará atingir a “Eucaristia Nova”, ou seja, a glória de outrora, a projecção da nação. Na última estância, a exortação ao “Mestre da Paz” continua, mas aqui é perceptível a recompensa reservada ao “Galaaz” que usou a espada ungida, cujaluz” permitirá à nação revelar-se.

O tom exortativo estende-se por todo o poema, sugerindo a angústia e aflição do sujeito poético que, através das apóstrofes e do imperativo, reclama a presença do predestinado (D. Sebastião), de modo a que a glória do povo português possa ser restabelecida. Logo na primeira estrofe surge a forma verbal “ergue-te” que remete para o estado de inércia em que se encontrava o invocado; na segunda, temos novamente o uso do imperativo do verbo vir (“vem”) e o vocativo “Galaaz com pátria”; na terceira estrofe, apostrofa-se o “Mestre da Paz” e emprega-se, de novo, a forma verbal “ergue”, agora referindo-se à espada.

O apelo é, assim, sucessivamente feito a alguém que jaz “remoto” no “fundo do não-ser” e que vai, aos poucos, ser desvendado, ainda que metaforicamente, como sendo um “Galaaz com pátria”, o “Mestre da Paz”, caracterizado, primeiro, como alguém que foi esquecido, que deixou de ser, mas que ainda tem pátria e que, por isso, deve preparar-se para o seunovo fado”, o de ultrapassar a suprema prova. Para isso, pode contar com o “gládio ungido”, que na sua mão funcionará comoLuzpara o “mundo dividido”. Parece, pois, possível antever-se, neste Galaaz, a figura lendária de D. Sebastião, desaparecido em Alcácer-Quibir, mas em quem o povo depositava a sua , a sua esperança, vendo nele o salvador, o redentor da pátria adormecida, apenas envolta em glórias antigas que urgiam recuperar.

Se a nação portuguesa não se encontrasse num estado de marasmo e de estagnação, não teria havido a necessidade de ancoragem no mito sebastianista, vendo no rei desaparecido o guia, aquele que seria capaz de revitalizar a força espiritual dos portugueses, de modo a que a chama, que se ateara no tempo das descobertas, fosse novamente avivada e fizesse Portugal recuperar a fama outrora alcançada, através da construção do “Quinto Império”, que seria superior ao anterior, porque do domínio cultural e espiritual.

Pela temática que o poema encerra, é fácil ver-se aqui o mesmo tom que percorre os textos da terceira parte da Mensagem. Com efeito, é nesta parte (“O Encoberto”) que se refere o desfazer, a morte do império português, um império moribundo, que exige o lançamento do gérmen da ressurreição, ante- vendo-se, também, o nascimento, isto é, o despoletar para a vida, porque D. Sebastião viria, numa manhã de nevoeiro, comandar os portugueses, dando-lhes novo alento, fazendo-os acreditar na sua superioridade, na sua potencialidade para construir um novo império. 

(Dossier Exame ‑ Português A, 12º ano, Maria José Peixoto, Célia Fonseca, Edições ASA, 2003)

  

 

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Fernando Pessoa - Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro. 

 


O Desejado - terceiro símbolo na Mensagem, de Fernando Pessoa” in Folha de Poesia, José Carreiro. Portugal, 29-12-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/12/o-desejado-terceiro-simbolo-na-mensagem.html


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