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quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

O Quinto Império (Mensagem, Fernando Pessoa)

Mensagem, Fernando Pessoa

Terceira Parte - O Encoberto

I - Os Símbolos

 



 

Segundo

O QUINTO IMPÉRIO

 





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Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz -
Ter por vida a sepultura.

Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!

E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.

Grécia, Roma, Cristandade,
Europa - os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?

21-2-1933

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).  - 82. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/96

 

 

Linhas de leitura do poema “O Quinto Império”, de Fernando Pessoa:

Trata-se de um poema que afirma uma filosofia sobre o homem e o viver.

 

Da Terceira Parte/O Encoberto (D. Sebastião), este é o segundo símbolo, o do Quinto Império que iluminará a alma nacional revelando-lhe grandeza futura.

 

O poema divide-se em três partes:

1.ª parte, estrofes I e II (vv. 1-10) - Para o poeta, e retomando o que vinha dizendo desde a 1ª parte, a única coisa que faz sentido na vida é o sonho - «Triste de quem vive em casa/ Contente com o seu lar[reparaste, certamente, no oxímoro] / Sem que um sonho, no erguer de asa,/ Faça até mais rubra a brasa / Da lareira a abandonar.» Ou seja: sem o sonho, capaz de remover montanhas, a vida é triste, ainda que no conforto sensato do lar. Prosseguindo, nesta espécie de introdução, constituída pelas 2 primeiras quintilhas, o poeta reincide no oxímoro, ao afirmar: «Triste de quem é feliz!»

Naturalmente que tal afirmação paradoxal necessitaria de explicação: é que quem é feliz limita-se a viver por viver, «porque a vida dura» e enquanto dura - como se dizia no poema D. Sebastião (da 1ªparte-Brasão), «sem a loucura que é o homem / mais que a besta sadia /cadáver adiado que procria?» E nós já sabemos que para Pessoa, loucura é o sonho que impele a ir mais além. O que distingue o homem do animal é a capacidade de sonhar e de partir nas asas ou nas naus do sonho, para que a obra nasça. (Pais: 2001, 141-142)

 

Em síntese: o poeta faz a apologia do sonho, que evita a mediocridade de viver e favorece a grandeza da alma, que possibilita os grandes feitos. (Guerra: 1999)

 

2ª parte, estrofe III (vv. 11-15) - O poema prossegue, com uma breve visão da História e do que faz a História: «Eras sobre eras se somem /No tempo que em eras vem./ Ser descontente é ser homem.» A História faz-se de descontentes e ser descontente, como diz, é próprio do homem, capaz de ter como força condutora a «visão que a alma tem.» (Pais: 2001, 141-142)

 

Portanto, reflectindo sobre a História, a passagem do tempo, o poeta volta a salientar que a insatisfação constante é o motor do impulso que conduz à felicidade, entendida como uma vida plenamente realizada.

 

3ª parte, estrofes IV e V (vv. 16-25) - O poeta sonhador, que já leu a história do passado, volta-se para o futuro.  Assim, passando a antever o futuro - a profecia -, a partir do olhar sobre o passado dos quatro impérios /tempos – o grego, o romano, o cristão, o europeu, e em tempos de «erma noite»,– o poeta afirma que virá o dia em que «a terra será teatro / Do dia claro» – o dia em que alguém virá «viver a verdade /Que morreu D. Sebastião».[1]

 

Aqui a lição da História é a vitória do homem sobre o tempo:

«E assim» (v.16), conclui, «A terra será...», profetiza. Finalmente chama o ator a que venha ocupar o seu lugar, o lugar que o tempo domi­nado lhe destinou.

 

Passados os quatro impérios que a tradição estabeleceu, com base no sonho de Nabucodonosor, que se transcreve em texto próprio, e da qual Fernando Pessoa diverge, surgirá o Quinto Império: a Idade Perfeita, a Eterna Luz, a Paz Universal. É clara a influência da Bíblia sobre Fernando Pessoa.

 

O advento do Quinto Império apenas se concretizará com o regresso de D. Sebastião; qual Fénix, fará surgir das cinzas o Império Universal, cuja cabeça será a Pátria Lusitana. Retoma o poema "O dos Castelos", fortificando assim a unidade da obra.

 

Fernando Pessoa conhecia a Bíblia e, por isso, apresenta D. Sebastião como um símile de Cristo, morto e ressuscitado. (Guerra: 1999) 

Mas atenção ao seguinte equívoco sobre o Quinto Império:

Entre as leituras equívocas que o Quinto Império suscita, estão aquelas que o fazem convergir para um império ecuménico de inspiração cristã, no sentido estrito da profecia tradicional. Esse império, profetizado pelo Bandarra e trabalhado intelectualmente por António Vieira, inspira o de Pessoa, mas não é por este reproduzido nos mesmos termos. A cristianização do Quinto Império, na Mensagem, de todo, insustentável. (Artur Veríssimo, Dicionário da Mensagem. Porto, Areal Editores, 2000).

 

É da morte de D. Sebastião que nasce o «sonho» que faz a «brasa» «mais rubra».

 

Da visão profunda que, na escuridão, vê já a luz, brota a certeza profética de um novo domínio, de um quinto império: «[] o dia claro, que no atro/ Da erma noite começou.».

 

Desperta-se a evidência de estar no intervalo entre os impérios que já foram e o «quinto império» que há de vir e há de ser português, animado pelo «sonho» (3), pelo «erguer da asa» (3), «pela visão que a alma tem» (15), um império espiritual, «dia claro» (19) a inventar.

 

Formalmente o poema apresenta-se como uma despretensiosa série de quatro quintilhas, aparentemente simples, mas densas de significado, a fazer lembrar as quintilhas de Sá de Miranda ao seu rei D. João III. Fernando Pessoa não tem rei a quem as enviar. Escreve-as para fazer nascer um império. Lança um pregão, um desafio a um povo que tem de reencontrar o seu domínio: «Quem vem? [...] que morreu D. Sebastião.» O ritmo do verso, a tradicional redondilha maior, integra-se perfeitamente nesta intencionalidade.

 

A imagística («vive em casa»; «contente com o seu lar»; «a brasa da lareira»; «a lição da raiz») traduz a percepção da rusticidade, da domesticidade de um destinatário — povo, adormecido, domado, cego, imerso na «erma noite».

 

«quem»; «Quem?» — é o pronome que, no seu mistério, concentra o nome que não desvenda: ninguém e todos. Este é o sujeito que o enunciado encobre: não o escolhe e não o indica. Chamamento envolto em mistério, destinado a quem seja capaz do «sonho», do «erguer da asa».

 

O discurso, no seu tecido verbal, vai poetizando o pregão:

- «rubra a brasa», em que as sonoridades combinadas da labial e da vibrante sopram e explodem, acendendo plasticamente a imagem;

- «triste e feliz», em que o oxímoro, ao confundir, aviva o engano, desmascara a ilusão;

- a ordem sintática buscada na expressão popular: triste de mim, triste de ti, «triste de quem...», onde a implantação idiomática do «de» torna a toada lamentosa, afadistada, de cantiga da rua;

- as palavras repetem-se, enleiam-se em jogos que as sublinham («vive/vida/vida»; «eras/eras/eras»), ganham o recorte da expressão feita do falar popular: «eras sobre eras».

 

A linguagem é entretecida de jogos («ser é ser»; «o dia claro» e «erma noite») que, pelo seu poder encantatório, garantem verdade poética, atração, fascínio para os ouvidos para que preparam o repto final: «Quem vem...?» (Soares: 2000, 51-52)



[1] Nesta última quintilha e nos dois últimos versos, novo dizer diferentemente as coisas. Pessoa 'infringe' as normas sintácticas, considerando o verbo morrer como transitivo – assim, e em simetria com a expressão: viver a verdade –surge um: morrer a verdade.

O «que» de «Que morreu D. Sebastião» é, assim, pronome relativo, referindo-se a ' verdade' e desempenhando a função de complemento directo de «morreu». Se há infracção sintáctica em relação à norma, é evidente que tal vai trazer consigo um reforço da atitude, do modo como actuou D. Sebastião: morrer a verdade é bem mais, sentimo-lo, que viver a verdade. (Pais: 2001, 141-142) 

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Homem enterrado vivo, Antoine Wiertz, 1838

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Sugestãovisiona o Módulo de Português do 12.º Ano respeitante à análise e interpretação do poema “O Quinto Império”, de Fernando Pessoa: 





 

In: Projeto #ESTUDOEMCASA. O sebastianismo na Mensagem. Os poemas "O Quinto Império" e "Nevoeiro" -Aula 23 de Português do 12.º Ano, 08-02-2021. Disponível em: https://www.rtp.pt/play/estudoemcasa/p7907/e522879/portugues-12-ano

 

 

Poderá também gostar de:

  •  Texto & Pretexto – “O Quinto Império – Fernando Pessoa em linguagem matemática”, por João Ribeiro (colaboração na revisão e edição: professora de Matemática Fátima Delgado):

Na sequência de uma atividade realizada no âmbito do estudo da obra Mensagem de Fernando Pessoa, o aluno João Ribeiro, do 12.º F, turma da professora de Português Dulce Sousa, associou a proposição inscrita na imagem ao lado, sobre o conceito de Quinto Império, à linguagem matemática, da forma que abaixo se apresenta, com o intuito de representar uma afirmação de cariz literário sob a forma de um raciocínio lógico-matemático.

Biblioteca da Escola Secundária Daniel Sampaio. Disponível em: https://bibliblogue.wordpress.com/2015/05/29/texto-pretexto-o-quinto-imperio-fernando-pessoa-em-linguagem-matematica-por-joao-ribeiro/, 29-05-2015
 

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O Quinto Império (Mensagem, Fernando Pessoa)” in Folha de Poesia, José Carreiro. Portugal, 28-12-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/12/o-quinto-imperio-mensagem-fernando.html



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