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domingo, 8 de janeiro de 2023

Em toda a noite o sono não veio, Fernando Pessoa


 

Em toda a noite o sono não veio. Agora
                   Raia do fundo
Do horizonte, encoberta e fria, a manhã.
                   Que faço eu no mundo?
Nada que a noite acalme ou levante a aurora,
                   Coisa séria ou vã.

Com olhos tontos da febre vã da vigília
                   Vejo com horror
O novo dia trazer-me o mesmo dia do fim
                   Do mundo e da dor –
Um dia igual aos outros, da eterna família
                   De serem assim.

Nem o símbolo ao menos vale, a significação
                   Da manhã que vem
Saindo lenta da própria essência da noite que era,
                   Para quem,
Por tantas vezes ter sempre ’sperado em vão,
                   Já nada ’spera.

 

Fernando Pessoa, Poesias, 15.ª ed., Lisboa, Ática, 1995

(1.ª publ. in Athena, nº 3. Lisboa: dezembro 1924)

 

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Caracterize os momentos temporais representados na primeira estrofe do poema.

2. Refira um dos sentidos produzidos pela interrogação «Que faço eu no mundo?» (v. 4).

3. Atente nos três primeiros versos da terceira estrofe. Explicite, sucintamente, a relação entre a «noite» e a «manhã» estabelecida nos versos 14 e 15.

4. Tendo em conta todo o poema, identifique duas das razões do sentimento de «horror» referido no verso 8.

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. Os momentos temporais representados são:

– a noite (passado recente), caracterizada como um tempo longo, de vigília, de insónia – «Em toda a noite o sono não veio.» (v. 1);

– a madrugada (instante presente), descrita por meio dos dois adjetivos «encoberta e fria» – «Agora / Raia do fundo / Do horizonte, encoberta e fria, a manhã.» (vv. 1-3).

2. A interrogação produz, entre outros, os seguintes sentidos:

– sublinha um dos temas centrais do poema – o autoquestionamento do «eu» sobre o valor da sua existência;

– enfatiza o desespero e a angústia do sujeito poético face ao seu lugar no mundo;

– acentua o estado de agitação interior do «eu» (agravado pela insónia);

– …

Nota – Recorda-se que o enunciado do item requer a explicitação de um dos sentidos produzidos pela interrogação.

3. Os versos 14 e 15 representam a «noite» como o lugar de onde emerge a «manhã» ou, de forma mais precisa, a «manhã» surge como uma realidade gerada na «noite» e que, saindo lentamente de dentro desta, a anula.

4. As razões do «horror» referido pelo sujeito poético no verso 8 são, entre outras, as seguintes:

– a certeza de que cada novo dia lhe traz sempre a mesma vivência decetiva («o mesmo dia do fim / Do mundo e da dor» – vv. 9-10);

– a consciência da indiferenciação do tempo, da repetição incessante dos dias sempre iguais («Um dia igual aos outros, da eterna família / De serem assim» – vv. 11-12);

– o cansaço de «tantas vezes ter sempre ’sperado em vão» (v. 17), levando à desistência total de qualquer tipo de esperança («Para quem / [...] / Já nada ’spera» – vv. 16 e 18);

– …

Nota – Recorda-se que o enunciado do item requer a explicitação de duas das razões.

 

Fonte: Exame Final Nacional do Ensino Secundário n.º 639 (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Português - 12.º Ano de Escolaridade. Portugal, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2007, 2.ª Fase

 

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Em toda a noite o sono não veio, Fernando Pessoa” in Folha de Poesia, José Carreiro. Portugal, 08-01-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/01/em-toda-noite-o-sono-nao-veio-fernando.html


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