Em toda a
noite o sono não veio. Agora
Raia do fundo
Do horizonte, encoberta e fria, a manhã.
Que faço eu no mundo?
Nada que a noite acalme ou levante a aurora,
Coisa séria ou vã.
Com olhos tontos da febre vã da vigília
Vejo com horror
O novo dia trazer-me o mesmo dia do fim
Do mundo e da dor –
Um dia igual aos outros, da eterna família
De serem assim.
Nem o símbolo ao menos vale, a significação
Da manhã que vem
Saindo lenta da própria essência da noite que era,
Para quem,
Por tantas vezes ter sempre ’sperado em vão,
Já nada ’spera.
Fernando Pessoa, Poesias,
15.ª ed., Lisboa, Ática, 1995
(1.ª publ. in Athena, nº 3. Lisboa: dezembro 1924)
Apresente, de forma bem estruturada, as
suas respostas aos itens que se seguem.
1. Caracterize os
momentos temporais representados na primeira estrofe do poema.
2. Refira um dos
sentidos produzidos pela interrogação «Que faço eu no mundo?» (v. 4).
3. Atente nos
três primeiros versos da terceira estrofe. Explicite, sucintamente, a relação
entre a «noite» e a «manhã» estabelecida nos versos 14 e 15.
4. Tendo em conta
todo o poema, identifique duas das razões do sentimento de «horror» referido no
verso 8.
Explicitação de cenários de resposta:
1. Os
momentos temporais representados são:
– a noite (passado recente), caracterizada como um
tempo longo, de vigília, de insónia – «Em toda a noite o sono não veio.» (v.
1);
– a madrugada (instante presente), descrita por
meio dos dois adjetivos «encoberta e fria» – «Agora / Raia do fundo / Do
horizonte, encoberta e fria, a manhã.» (vv. 1-3).
2. A
interrogação produz, entre outros, os seguintes sentidos:
– sublinha um dos temas centrais do poema – o
autoquestionamento do «eu» sobre o valor da sua existência;
– enfatiza o desespero e a angústia do sujeito
poético face ao seu lugar no mundo;
– acentua o estado de agitação interior do «eu»
(agravado pela insónia);
– …
Nota – Recorda-se que o enunciado do item requer a
explicitação de um dos sentidos produzidos pela interrogação.
3. Os
versos 14 e 15 representam a «noite» como o lugar de onde emerge a «manhã» ou,
de forma mais precisa, a «manhã» surge como uma realidade gerada na «noite» e
que, saindo lentamente de dentro desta, a anula.
4. As
razões do «horror» referido pelo sujeito poético no verso 8 são, entre outras,
as seguintes:
– a certeza de que cada novo dia lhe traz sempre a
mesma vivência decetiva («o mesmo dia do fim / Do mundo e da dor» – vv. 9-10);
– a consciência da indiferenciação do tempo, da
repetição incessante dos dias sempre iguais («Um dia igual aos outros, da
eterna família / De serem assim» – vv. 11-12);
– o cansaço de «tantas vezes ter sempre ’sperado
em vão» (v. 17), levando à desistência total de qualquer tipo de esperança
(«Para quem / [...] / Já nada ’spera» – vv. 16 e 18);
– …
Nota – Recorda-se que o enunciado do item requer a
explicitação de duas das razões.
Fonte: Exame Final
Nacional do Ensino Secundário n.º 639 (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março).
Prova Escrita de Português - 12.º Ano de Escolaridade. Portugal, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2007, 2.ª Fase
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- In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição)
- e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html
“Em toda a noite o sono não veio, Fernando Pessoa” in Folha de Poesia, José Carreiro. Portugal, 08-01-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/01/em-toda-noite-o-sono-nao-veio-fernando.html
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