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quarta-feira, 3 de julho de 2024

Bucólica (A vida é feita de nadas), Miguel Torga


 

BUCÓLICA

A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;

De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;
De sombra duma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.

 

Miguel Torga, Diário I, Coimbra, 1941.
Poesia Completa, Círculo de Leitores, 2002

 

 

Comentário literário

Miguel Torga, conhecido pela sua poesia ligada à terra, oferece-nos em "Bucólica" uma reflexão sobre a essência da vida e os seus detalhes aparentemente insignificantes. O poema, publicado no Diário I em 1941, convida-nos a valorizar os pequenos momentos e a encontrar beleza nas coisas simples.

Desde o início, o sujeito poético afirma que "A vida é feita de nadas" (v. 1), um verso que contém a filosofia subjacente ao poema. Os "nadas" aos quais se refere são descritos ao longo das estrofes: as "grandes serras paradas", as "searas onduladas pelo vento", as "casas de moradia caídas", a "poeira", a "sombra de uma figueira", e o momento sublime de "ver esta maravilha: / Meu pai a erguer uma videira" (vv. 12-13). Estes elementos, aparentemente simples e despretensiosos, ganham vida através da poesia de Torga, que os eleva à condição de símbolos poéticos.

Os "sinais/ De ninhos que outrora havia/ Nos beirais" (vv. 7-9) assumem uma importância particular dentro do poema. Representam não apenas um passado físico, mas também um passado emocional, relembrando espaços habitados e memórias que persistem no presente do sujeito poético.

O clímax emocional do poema surge no verso 13, onde o eu poético expressa admiração ao observar o pai a cuidar da videira. Este momento é carregado de ternura e reverência, destacando a figura paterna não apenas como um agricultor, mas como um ser profundamente conectado à terra e à vida que ela sustenta.

A figura de estilo presente no último verso, uma comparação entre o ato do pai e a ação maternal de trançar o cabelo de uma filha, revela a habilidade de Torga em unir o natural com o humano, sublinhando a relação íntima entre o homem e a natureza. Esta comparação não só enriquece o poema com um sentido de familiaridade e afeto, mas também ressalta a importância do trabalho árduo e do amor no ciclo da vida.

 

Proposta de escrita

Num texto bem estruturado, reflete sobre os ‘nadas’ de que a tua vida é feita, ou seja, os pequenos detalhes aparentemente insignificantes que carregam um significado profundo.

 


Poderá também gostar de:

  •  A poética torguiana”, Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da poesia de Miguel Torga, por José Carreiro. In Folha de Poesia, 09-08-2013

 


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