BUCÓLICA
A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;
De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;
De poeira;
De sombra duma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.
Miguel Torga, Diário I, Coimbra, 1941.
Poesia Completa, Círculo de Leitores, 2002
Comentário literário
Miguel
Torga, conhecido pela sua poesia ligada à terra, oferece-nos em "Bucólica"
uma reflexão sobre a essência da vida e os seus detalhes aparentemente
insignificantes. O poema, publicado no Diário I em 1941, convida-nos a
valorizar os pequenos momentos e a encontrar beleza nas coisas simples.
Desde o
início, o sujeito poético afirma que "A vida é feita de nadas" (v.
1), um verso que contém a filosofia subjacente ao poema. Os "nadas"
aos quais se refere são descritos ao longo das estrofes: as "grandes
serras paradas", as "searas onduladas pelo vento", as
"casas de moradia caídas", a "poeira", a "sombra de
uma figueira", e o momento sublime de "ver esta maravilha: / Meu pai
a erguer uma videira" (vv. 12-13). Estes elementos, aparentemente simples
e despretensiosos, ganham vida através da poesia de Torga, que os eleva à
condição de símbolos poéticos.
Os
"sinais/ De ninhos que outrora havia/ Nos beirais" (vv. 7-9) assumem
uma importância particular dentro do poema. Representam não apenas um passado
físico, mas também um passado emocional, relembrando espaços habitados e
memórias que persistem no presente do sujeito poético.
O clímax
emocional do poema surge no verso 13, onde o eu poético expressa admiração ao
observar o pai a cuidar da videira. Este momento é carregado de ternura e
reverência, destacando a figura paterna não apenas como um agricultor, mas como
um ser profundamente conectado à terra e à vida que ela sustenta.
A figura
de estilo presente no último verso, uma comparação entre o ato do pai e a ação
maternal de trançar o cabelo de uma filha, revela a habilidade de Torga em unir
o natural com o humano, sublinhando a relação íntima entre o homem e a
natureza. Esta comparação não só enriquece o poema com um sentido de
familiaridade e afeto, mas também ressalta a importância do trabalho árduo e do
amor no ciclo da vida.
Proposta
de escrita
Num texto
bem estruturado, reflete sobre os ‘nadas’ de que a tua vida é feita, ou seja,
os pequenos detalhes aparentemente insignificantes que carregam um significado profundo.
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