“Old Plum”, Kano Sansetsu, 1646. https://www.metmuseum.org/art/collection/search/44858 |
REQUIEM PELA VELHA AMEIXIEIRA
Crepita a madeira na lareira
crepita a velha ameixieira
seus veios são as minhas próprias veias
vejo arder as ameixas e o verão
crepita aquela que deu sombra e agora dá calor
crepita o melro o verdilhão o rouxinol
e em cada tronco palpita
o próprio sol.
Crepita o sumo que escorria
pelo seu rosto onde o tempo também ardeu
crepita a velha ameixieira
e quem com ela crepita
sou eu.
Águeda, Natal, 2001
Manuel
Alegre, Doze Naus. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2007
Leitura
"Requiem
pela velha ameixieira" é uma elegia que celebra a vida e a morte da velha
ameixieira, a árvore que em vida proporcionou sombra e frutos e que agora
aquece a casa com o seu fogo, e, no seu crepitar, o sujeito poético encontra
reflexões sobre a sua própria existência e a passagem do tempo.
O poema inicia com a imagem da
madeira a crepitar na lareira, estabelecendo um ritmo constante e evocativo. A
repetição da palavra “crepita” nos versos 1, 2, 5, 6, 9 e 11 cria uma musicalidade que imita o som
do fogo, reforçando a sensação de inevitabilidade e continuidade. Além
disso, a rima no final dos versos como "lareira"
com "ameixieira" e
"rouxinol"
com "sol",
assim como a rima interna no verso "Crepita a madeira na lareira",
contribui para a harmonia e fluidez do poema, tornando a leitura uma experiência quase auditiva.
A ligação
entre a árvore e o sujeito poético é explicitada no verso "seus veios são
as minhas próprias veias". Esta metáfora indica uma interdependência entre
a vida da árvore e a do sujeito poético, sugerindo que a morte da ameixieira
representa a morte de parte do próprio poeta. De igual modo, a referência ao sumo que escorria pelo
rosto da árvore sugere uma ligação íntima, quase como se a árvore fosse uma
extensão do próprio poeta. A árvore é um símbolo da sua juventude, dos
verões passados, das experiências e momentos que jamais se repetirão.
Observe-se ainda a simbologia
do verão da vida, que também arde, e da entrada numa fase de declínio - o outono.
Esta
estação, tradicionalmente associada ao auge da vitalidade e do crescimento,
transforma-se em combustível para o fogo que aquece o presente, simbolizando a
entrada do poeta numa fase de declínio, o outono de sua vida.
O poema é
uma oração pelo passado, uma aceitação do presente e uma contemplação do
inevitável futuro, convidando o leitor a refletir sobre a passagem do tempo e a
inevitabilidade da mudança.
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