A FORMA JUSTA
Sei que seria
possível construir o mundo justo
As cidades
poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos
espaços e das fontes
O céu o mar e a
terra estão prontos
A saciar a
nossa fome do terrestre
A terra onde
estamos – se ninguém atraiçoasse – proporia
Cada dia a cada
um a liberdade e o reino
– Na concha na
flor no homem e no fruto
Se nada adoecer
a própria forma é justa
E no todo se
integra como palavra em verso
Sei que seria
possível construir a forma justa
De uma cidade
humana que fosse
Fiel à
perfeição do universo
Por isso
recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu
ofício de poeta para a reconstrução do mundo
Sophia de Mello Breyner Andresen
O NOME DAS COISAS, 1.ª ed., 1977, Lisboa,
Moraes Editores; 2.ª ed., 1986, Lisboa, Edições Salamandra; 3.ª ed., revista,
2004, Lisboa, Editorial Caminho; 4.ª ed., revista, 2006, Lisboa, Editorial Caminho.
Apresente, de forma bem
estruturada, as suas respostas ao questionário.
1. Transcreva os
elementos do texto em que se prefigura o «mundo justo».
2. Explicite os
sentidos produzidos pelas formas verbais «seria» (vv. 1 e 11), «poderiam ser»
(v. 2) e «proporia» (v. 6).
3. Indique uma
interpretação possível para a frase: «se ninguém atraiçoasse» (v. 6).
4. Explique em que
se fundamenta a convicção do sujeito poético de que «seria possível construir o
mundo justo».
5. Caracterize o
papel que o «eu» atribui a si próprio «para a reconstrução do mundo».
Explicitação de cenários de resposta
1. Os elementos do texto pelos quais
se prefigura o «mundo justo» a «construir» são os seguintes:
– «cidades [...] claras e lavadas/ Pelo canto dos espaços e das fontes»
(vv. 2-3);
– «O céu o mar e a terra estão prontos/ A saciar a nossa fome do
terrestre» (vv. 4-5);
– «A terra onde estamos [...] proporia / Cada dia a cada um a liberdade
e o reino» (vv. 6-7);
– «uma cidade humana [...]/ Fiel à perfeição do universo» (vv. 12-13).
– ...
2. As formas verbais – «seria»,
«poderiam ser», «proporia» – encontram-se no condicional e, em correlação com a
oração condicional «se ninguém atraiçoasse», bem como com a afirmação reiterada
«sei» (vv. 1 e 11), produzem no poema um duplo efeito de sentido: por um lado, exprimem
a convicção do «eu» de que o «mundo justo» é uma possibilidade ao alcance do homem;
por outro, atribuem a esse «mundo justo» um carácter utópico, talvez
inelutável, pois a sua construção depende de uma condição radical («se ninguém
atraiçoasse»).
3. A frase «se ninguém atraiçoasse»
pode ser interpretada dos seguintes modos:
– se ninguém pervertesse a harmonia primordial da natureza;
– se ninguém alienasse a verdadeira natureza;
– se ninguém quebrasse a ligação com a natureza, com a harmonia,
evidente na «forma justa»
das coisas e dos seres;
– ...
4. A convicção, expressa na anáfora
«Sei que seria possível» (vv. 1 e 11), fundamenta-se na perceção lúcida que o
«eu» tem da natureza. Assim, o sujeito poético sabe que a natureza está pronta
«A saciar a nossa fome do terrestre» e a proporcionar diariamente «a cada um» a
liberdade e a plena realização; sabe que a forma primordial das coisas e dos
seres é «justa» e harmoniosamente se integra no «todo», desde que a traição ou
a doença não afetem essa comunhão e essa «forma justa». Por isso, «o mundo justo»
seria possível com o regresso do homem à sua forma primordial de ser da
natureza, com a construção de uma «cidade humana» segundo a harmonia que rege a
«perfeição do universo».
5. O papel do sujeito poético «para a reconstrução do mundo» cumpre-se no seu «ofício de poeta». O «verso» é parte do «universo», é a imagem da ordem primordial (cf. v. 10). Ao construí-lo incessantemente na «página em branco», o «eu» recria a harmonia do universo. Pelo seu «ofício de poeta», o sujeito lírico é, assim, o incessante mediador entre a natureza e o homem, mantendo viva a ideia do regresso deste à pureza das origens, à «perfeição do universo».
Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 139. 12.º Ano de
Escolaridade (Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de agosto). Cursos Gerais e Cursos
Tecnológicos. Prova Escrita de Português B. Prova modelo. Portugal, GAVE, 2001
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“A
forma justa, Sophia Andresen”, José Carreiro. Folha de Poesia,
2022-10-08. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/10/a-forma-justa-sophia-andresen.html
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