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sexta-feira, 5 de julho de 2024

Praia (Os pinheiros gemem quando passa o vento), Sophia de Mello Breyner Andresen


 

 

PRAIA

 

Os pinheiros gemem quando passa o vento
O sol bate no chão e as pedras ardem.

Longe caminham os deuses fantásticos do mar
Brancos de sal e brilhantes como peixes.

Pássaros selvagens de repente,
Atirados contra a luz como pedradas,
Sobem e morrem no céu verticalmente
E o seu corpo é tomado nos espaços.

As ondas marram quebrando contra a luz
A sua fronte ornada de colunas.

E uma antiquíssima nostalgia de ser mastro
Baloiça nos pinheiros.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, Coral, 1.ª ed., 1950, Porto, Livraria Simões Lopes; 2.ª ed., s/d [c. 1979], Lisboa, Portugália Editora; 3.ª ed., s/d [c. 1980], Lisboa, Portugália Editora, ilustrações de José Escada; 4.ª ed., revista, 2003, Lisboa, Editorial Caminho; 5.ª ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho. 1.ª edição na Assírio & Alvim (6.ª ed.), Lisboa, 2013, prefácio de Manuel Gusmão.

 

 

Intertextualidade

O poema “Praia”, de Sophia Andresen, estabelece um diálogo intertextual com os poemas “Horizonte” e “D.Dinis”, de Fernando Pessoa, ambos presentes na Mensagem. 

 

D. DINIS 

Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.

Arroio1, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho2 obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.

9-2-1934
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934

 

HORIZONTE 

Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração3,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério4
Esplendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstrata linha.

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esperança e da vontade,
Buscar na linha fria5 do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte —
Os beijos6 merecidos da Verdade7.

s.d.
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).  - 58. Disponível em:
http://arquivopessoa.net/textos/2380

 

____________

Notas: 1 Arroio: regato. 2 Marulho: mar + barulho; agitação das ondas. 3 Cerração: nevoeiro denso; escuridão; trevas. 4 Sidério: sidéreo; sideral, astral, celeste. 5 “aquela fria / luz que precede a madrugada, / E é já o ir a haver o dia / Na antemanhã, confuso nada” (in “Viriato”) – fronteira entre o desconhecido e o conhecido. 6 Beijos – recompensa. 7 Verdade – conhecimento.

 

 

Para identificar as imagens no poema “Praia” de Sophia de Mello Breyner Andresen que parecem ter sido inspiradas pelos poemas “Horizonte” e “D. Dinis” de Fernando Pessoa, é importante analisar os temas e as metáforas partilhadas entre os textos.

A "antiquíssima nostalgia de ser mastro" (v. 11) que baloiça nos pinheiros sugere uma ligação com o passado marítimo de Portugal, evocando a era dos Descobrimentos e a exploração dos mares. Esta linha de pensamento liga-se com os poemas “D. Dinis” e “Horizonte”.

No poema “D. Dinis”, Pessoa explora a ligação entre a terra e o mar, simbolizada pelos pinhais que "ondulam sem se poder ver". A imagem dos pinhais, presente em ambos os poemas, serve como um ponto de conexão. Em “Praia”, os pinheiros baloiçam com nostalgia, enquanto em “D. Dinis”, eles são a voz da terra ansiando pelo mar. Ambos os textos utilizam a natureza para meditar sobre a história e a identidade nacional, evocando um sentimento de saudade em “Praia” e o desejo de exploração em “D. Dinis”.

Horizonte” também reflete um desejo de descoberta e transcendência. A ideia de um mar mítico e ancestral presente em ambos os poemas sugere uma intertextualidade. Pessoa escreve sobre o mar como um espaço anterior a nós, cheio de medos e mistérios que, uma vez desvendados, revelam uma beleza sublime. A descrição da linha severa da costa que se revela em árvores, aves e flores quando a nau se aproxima reflete um processo de revelação e desvendamento. Os pássaros de Sophia, apesar de terem uma conotação mais trágica, ainda se relacionam com a descoberta e a revelação, semelhante ao desembarque descrito por Pessoa. As ondas de Sophia (vv. 9-10) quebram contra a luz, criando uma imagem forte e arquitetónica, enquanto Pessoa descreve a revelação da paisagem à medida que a nau se aproxima (vv. 8-10). Em ambos os casos, há uma transformação visual da natureza com a proximidade e a luz.

 

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