terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Horizonte, Fernando Pessoa

 Fernando Pessoa, Mensagem, Segunda Parte: Mar Português, II: Horizonte


HORIZONTE

 





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Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração1,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério2
Esplendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esperança e da vontade,
Buscar na linha fria3 do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte —
Os beijos4 merecidos da Verdade5.

 

s.d.

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).  - 58.

Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/2380

_________

1 Cerração: nevoeiro denso; escuridão; trevas. 
2 Sidério: sidéreo; sideral, astral, celeste. 
3 “aquela fria / luz que precede a madrugada, / E é já o ir a haver o dia / Na antemanhã, confuso nada” (in “Viriato”) – fronteira entre o desconhecido e o conhecido. 
4 Beijos – recompensa. 
5 Verdade – conhecimento.

 

 

Texto de apoio

O termo Horizonte prende-se à demanda eterna desse «porto sempre por achar» e à ideia de descoberta de que a febre de navegar dos heróis se alimenta. O Horizonte torna-se, por isso, metáfora de toda a procura, pelo irrecusável da Distância a conquistar e caminho para o conhecimento. Desvendar o mistério que ele encerra é reencontrar a verdade perdida do que somos (ou o Graal de ser português) e redescobrir o gesto criador que lhe dá sentido.
     O sonho, a vontade ou a esperança são os ventos que empurram as «naus da iniciação». É  a viagem de um iniciado em busca da Verdade que, simbolicamente, o poema «Horizonte» celebra. (Dicionário da Mensagem, Artur Veríssimo, Porto, Areal Ed., 2000, p. 61)
     O mar na Mensagem é metáfora de todo o navegar, isto é, mais do que um pretexto para exaltar o que foi feito, o mar é, porque se cumpriu, o exemplo do fazer, do como partir à descoberta de nós mesmos e de Portugal. Não é do passado que se trata, mas do futuro que esse passado deixa adivinhar, desde que «outra vez conquistemos a Distância», desde que, uma vez mais, sejamos tocados pelo sonho e pela esperança, sabendo «Buscar na linha fria do horizonte / A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte - / Os beijos merecidos da Verdade.»
     O que a «Distância», como a «linha fria do horizonte», sugere é, em suma, essa possibilidade de passarmos do desconhecido ao conhecimento de nós mesmos e colhermos disso a recompensa merecida – o prazer da procura e da descoberta, onde a verdade concreta do que somos reside. (ibidem, pp. 33-34)

 

Questionário sobre o poema “Horizonte”, de Fernando Pessoa 

1. Indique o tema do texto e relacione-o com o seu título.

2. Apresente as partes em que se estrutura o poema quanto ao sentido. Justifique.

3. "Desvendadas a noite e a cerração"... (v. 3)

3.1. Explicite o significado das palavras noite e cerração, integradas nesta expressão.

3.2. Transforme-a numa oração subordinada conjuncional, sem alterar o sentido da frase.

4. "Abria em flor o Longe"... (v. 5)

4.1. Refira um recurso estilístico utilizado, comentando a sua expressividade.

5. "se aproxima" (v. 8) - "mais perto" (v. 10) - "no desembarcar" (v. 11)

5.1. Comente o efeito estilístico produzido por esta gradação.

6. "O sonho é ver as formas invisíveis" (v. 13)

6.1. Selecione, neste verso, as duas palavras cujos sentidos se opõem.

6.1.1. Indique o elemento, constitutivo de uma delas, responsável por essa oposição. Classifique-o.

7. Há no poema a evocação de uma época histórica.

7.1. Transcreva duas expressões que se referem a aspetos dessa época, identificando-a.

7.2. Aponte as razões da integração do poema na segunda parte da Mensagem.

8. Situe a Mensagem no universo poético pessoano.

 

 

Sugestões de correção:

1. O descobrir e contactar com mares e terras longínquos e desconhecidos, que é tema do texto, está presente na interpretação do título como projeto de ir mais longe.

2. O desenvolvimento temático, no poema, estrutura-se em três partes:

1.a parte: O caminho (a viagem) - 1.a estrofe;

2.a parte: A visão de um mundo novo - 2.a estrofe;

3.a parte: interpretação simbólica do descobrir - impulso para o conhecer - 3.a estrofe.

3.1. "Noite" e "cerração" significam o desconhecimento e o desconhecido.

3.2. Por exemplo: Depois que foram desvendadas a noite e a cerração.

4.1. Por exemplo: Imagem. Esta imagem sugere o momento feliz da revelação do desconhecido.

5.1. Esta gradação traduz o movimento de aproximação progressiva.

6.1. "Ver" e "Invisíveis".

6.1.1. Prefixo de negação in-

7.1. A época histórica dos Descobrimentos é evocada, por exemplo, em:

"As tormentas passadas e o mistério" (v. 4);

"Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta" (v. 8);

"E, no desembarcar, há aves, flores," (V. 11).

7.2. A avaliar pelas diversas referências à expansão marítima, presentes no poema, pode concluir-se pela sua integração da segunda parte da Mensagem - "Mar Português".

8. A Mensagem representa, no universo poético pessoano, uma linha temática do nacionalismo, sebastianismo, e uma linha estética simbolista.

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 139. 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de agosto). Cursos de Carácter Geral e Cursos Tecnológicos. Prova Escrita de Português B. Portugal, GAVE, 1997, 1.ª fase, 1.ª chamada

 

 

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“Horizonte, Fernando Pessoa” in Folha de Poesia, José Carreiro. Portugal, 20-12-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/12/horizonte-fernando-pessoa.html


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