Mensagem, Fernando Pessoa
Terceira Parte - O Encoberto
I - Os Símbolos
Segundo
O QUINTO IMPÉRIO
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Triste de quem
vive em casa, |
21-2-1933
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa:
Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). - 82. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/96
Linhas de leitura do poema “O Quinto Império”,
de Fernando Pessoa:
Trata-se
de um poema que afirma uma filosofia sobre o homem e o viver.
Da
Terceira Parte/O Encoberto (D. Sebastião), este é o segundo símbolo, o
do Quinto Império que iluminará a alma nacional revelando-lhe grandeza
futura.
O poema divide-se em três partes:
1.ª parte, estrofes I e II (vv. 1-10) - Para o poeta, e retomando o que vinha
dizendo desde a 1ª parte, a única coisa que faz sentido na vida é o sonho -
«Triste de quem vive em casa/ Contente com o seu lar[reparaste, certamente, no
oxímoro] / Sem que um sonho, no erguer de asa,/ Faça até mais rubra a brasa /
Da lareira a abandonar.» Ou seja: sem o sonho, capaz de remover montanhas, a
vida é triste, ainda que no conforto sensato do lar. Prosseguindo, nesta
espécie de introdução, constituída pelas 2 primeiras quintilhas, o poeta
reincide no oxímoro, ao afirmar: «Triste de quem é feliz!»
Naturalmente
que tal afirmação paradoxal necessitaria de explicação: é que quem é feliz
limita-se a viver por viver, «porque a vida dura» e enquanto dura - como se
dizia no poema D. Sebastião (da 1ªparte-Brasão), «sem a loucura que é o homem /
mais que a besta sadia /cadáver adiado que procria?» E nós já sabemos
que para Pessoa, loucura é o sonho que impele a ir mais além. O que distingue o
homem do animal é a capacidade de sonhar e de partir nas asas ou nas naus do
sonho, para que a obra nasça. (Pais: 2001, 141-142)
Em
síntese: o poeta faz a apologia do sonho, que evita a mediocridade de viver e
favorece a grandeza da alma, que possibilita os grandes feitos. (Guerra: 1999)
2ª parte, estrofe III (vv. 11-15) - O poema prossegue, com uma breve visão da
História e do que faz a História: «Eras sobre eras se somem /No tempo que em
eras vem./ Ser descontente é ser homem.» A História faz-se de
descontentes e ser descontente, como diz, é próprio do homem, capaz de ter como
força condutora a «visão que a alma tem.» (Pais: 2001, 141-142)
Portanto,
reflectindo sobre a História, a passagem do tempo, o poeta volta a salientar
que a insatisfação constante é o motor do impulso que conduz à felicidade,
entendida como uma vida plenamente realizada.
3ª parte, estrofes IV e V (vv. 16-25) - O poeta sonhador, que já leu a história do
passado, volta-se para o futuro. Assim,
passando a antever o futuro - a profecia -, a partir do olhar sobre o passado
dos quatro impérios /tempos – o grego, o romano, o cristão, o europeu, e em
tempos de «erma noite»,– o poeta afirma que virá o dia em que «a terra será
teatro / Do dia claro» – o dia em que alguém virá «viver a verdade /Que morreu
D. Sebastião».[1]
Aqui
a lição da História é a vitória do homem sobre o tempo:
«E
assim» (v.16), conclui, «A terra será...», profetiza. Finalmente chama o ator a
que venha ocupar o seu lugar, o lugar que o tempo dominado lhe destinou.
Passados
os quatro impérios que a tradição estabeleceu, com base no sonho de
Nabucodonosor, que se transcreve em texto próprio, e da qual Fernando Pessoa
diverge, surgirá o Quinto Império: a Idade Perfeita, a Eterna Luz, a Paz
Universal. É clara a influência da Bíblia sobre Fernando Pessoa.
O
advento do Quinto Império apenas se concretizará com o regresso de D.
Sebastião; qual Fénix, fará surgir das cinzas o Império Universal, cuja cabeça
será a Pátria Lusitana. Retoma o poema "O dos Castelos", fortificando
assim a unidade da obra.
Fernando Pessoa conhecia a Bíblia e, por isso, apresenta D. Sebastião como um símile de Cristo, morto e ressuscitado. (Guerra: 1999)
Mas atenção ao seguinte equívoco sobre
o Quinto Império:
Entre as leituras equívocas que o Quinto Império
suscita, estão aquelas que o fazem convergir para um império ecuménico de
inspiração cristã, no sentido estrito da profecia tradicional. Esse império,
profetizado pelo Bandarra e trabalhado intelectualmente por António Vieira, inspira
o de Pessoa, mas não é por este reproduzido nos mesmos termos. A cristianização
do Quinto Império, na Mensagem, de todo, insustentável. (Artur Veríssimo, Dicionário da
Mensagem. Porto, Areal Editores, 2000).
É
da morte de D. Sebastião que nasce o «sonho» que faz a «brasa» «mais rubra».
Da
visão profunda que, na escuridão, vê já a luz, brota a certeza profética de um
novo domínio, de um quinto império: «[…] o dia claro, que no atro/ Da erma noite
começou.».
Desperta-se
a evidência de estar no intervalo entre os impérios que já foram e o
«quinto império» que há de vir e há de ser português, animado pelo «sonho» (3),
pelo «erguer da asa» (3), «pela visão que a alma tem» (15), um império
espiritual, «dia claro» (19) a inventar.
Formalmente
o poema apresenta-se como uma despretensiosa série de quatro quintilhas,
aparentemente simples, mas densas de significado, a fazer lembrar as quintilhas
de Sá de Miranda ao seu rei D. João III. Fernando Pessoa não tem rei a quem as
enviar. Escreve-as para fazer nascer um império. Lança um pregão, um
desafio a um povo que tem de reencontrar o seu domínio: «Quem vem? [...] que morreu D. Sebastião.»
O ritmo do verso, a tradicional redondilha maior, integra-se perfeitamente
nesta intencionalidade.
A
imagística («vive em casa»; «contente com o seu lar»; «a brasa da lareira»; «a
lição da raiz») traduz a percepção da rusticidade, da domesticidade de um
destinatário — povo, adormecido, domado, cego, imerso na «erma noite».
«quem»;
«Quem?» — é o pronome que, no seu mistério, concentra o nome que não desvenda:
ninguém e todos. Este é o sujeito que o enunciado encobre: não o escolhe e não
o indica. Chamamento envolto em mistério, destinado a quem seja capaz do
«sonho», do «erguer da asa».
O
discurso, no seu tecido verbal, vai poetizando o pregão:
- «rubra a brasa», em que
as sonoridades combinadas da labial e da vibrante sopram e explodem, acendendo
plasticamente a imagem;
- «triste e feliz», em que
o oxímoro, ao confundir, aviva o engano, desmascara a ilusão;
- a ordem sintática
buscada na expressão popular: triste de mim, triste de ti, «triste de quem...»,
onde a implantação idiomática do «de» torna a toada lamentosa, afadistada, de
cantiga da rua;
- as palavras repetem-se,
enleiam-se em jogos que as sublinham («vive/vida/vida»; «eras/eras/eras»),
ganham o recorte da expressão feita do falar popular: «eras sobre eras».
A
linguagem é entretecida de jogos («ser é ser»; «o dia claro» e «erma noite»)
que, pelo seu poder encantatório, garantem verdade poética, atração, fascínio
para os ouvidos para que preparam o repto final: «Quem vem...?» (Soares: 2000,
51-52)
[1] Nesta última quintilha e nos dois últimos
versos, novo dizer diferentemente as coisas. Pessoa 'infringe' as normas
sintácticas, considerando o verbo morrer como transitivo – assim, e em simetria
com a expressão: viver a verdade –surge um: morrer a verdade.
O «que» de «Que morreu D. Sebastião» é, assim, pronome relativo, referindo-se a ' verdade' e desempenhando a função de complemento directo de «morreu». Se há infracção sintáctica em relação à norma, é evidente que tal vai trazer consigo um reforço da atitude, do modo como actuou D. Sebastião: morrer a verdade é bem mais, sentimo-lo, que viver a verdade. (Pais: 2001, 141-142)
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Homem enterrado vivo, Antoine Wiertz, 1838 |
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Sugestão: visiona o Módulo de Português do 12.º Ano respeitante à análise e interpretação do poema “O Quinto Império”, de Fernando Pessoa:
In: Projeto #ESTUDOEMCASA. O sebastianismo na Mensagem. Os poemas "O Quinto Império" e "Nevoeiro" -Aula 23 de Português do 12.º Ano, 08-02-2021. Disponível em: https://www.rtp.pt/play/estudoemcasa/p7907/e522879/portugues-12-ano
Poderá também gostar de:
- Texto & Pretexto – “O Quinto Império – Fernando Pessoa em linguagem matemática”, por João Ribeiro (colaboração na revisão e edição: professora de Matemática Fátima Delgado):
Na sequência de uma atividade realizada no âmbito do estudo da obra Mensagem de Fernando Pessoa, o aluno João Ribeiro, do 12.º F, turma da professora de Português Dulce Sousa, associou a proposição inscrita na imagem ao lado, sobre o conceito de Quinto Império, à linguagem matemática, da forma que abaixo se apresenta, com o intuito de representar uma afirmação de cariz literário sob a forma de um raciocínio lógico-matemático.
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- Fernando Pessoa - Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro. In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição) e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html
“O Quinto Império
(Mensagem, Fernando Pessoa)” in Folha de Poesia, José Carreiro.
Portugal, 28-12-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/12/o-quinto-imperio-mensagem-fernando.html
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