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domingo, 22 de abril de 2018

Para uma síntese da obra de Cesário Verde


PARA UMA SÍNTESE DA OBRA DE CESÁRIO VERDE

Poeta do final do século XIX


Aproximação da poética de Cesário às escolas literárias  

Tendência romântica: 

  • idealismo romântico (com o tema da mulher e do amor) moderado, senão anulado, pela ironia (crise romanesca). Ver: «Esplêndida».

 

Tendência parnasiana: 

  • reacção contra o intimismo romântico;
  • objectividade nos temas;
  • expressão literária correcta e exacta, na forma: vocabulário concreto com recurso a termos pertencentes a um nível familiar ou técnico; regularidade métrica e estrófica (na métrica a preferência pelo verso decassilábico e pelo alexandrino; na organização estrófica, a preferência pela quadra que lhe permitia registar as observações e saltar com facilidade para outro motivo).

 

Tendência realista/naturalista: 

  • movimento deambulatório do poeta pelas ruas da cidade;
  • descrições do real, donde se destacam os quadros do quotidiano em que as humildes profissões surgem poetizadas;
  • a questão social (a poesia intervém criticamente);
  • o meio é determinante no comportamento do indivíduo («Determinismo», segundo Taine);
  • método analítico/crítico de Taine «que não condena nem perdoa, mas que constata e explica».

 

Tendência impressionista: 

  • valoriza a impressão pura, imediata, não intelectualizada, com o seu carácter fragmentário e fugaz;
  • apresenta primeiro a sensação (a cor, a luz, o movimento) e só depois se refere ao objecto;
  • técnica descritiva assente na adjectivação expressiva, nas imagens e comparações originais, nas sinestesias, nas hipálages, no uso expressivo do advérbio.

 

Tendência surrealista: 

  • a sua «visão de artista» leva-o a transfigurar a realidade surgindo Cesário como um poeta-pintor que, «Num Bairro Moderno», transforma metaforicamente a cesta de legumes e frutos num corpo humano.

 

 

Conteúdos temáticos da poesia de Cesário Verde 

Poetização do real – objectividade/subjectividade 

Em Cesário assiste-se constantemente à passagem do objectivo para o subjectivo, de modo que ele capta as impressões do quotidiano:

  • quer com objectividade e pormenor;
  • quer com subjectividade, porque:

- a expressão da realidade objectiva é profundamente conotativa, com um discurso entrecortado por frases exclamativas, ricas de subjectivismo, com uma linguagem a relatar as impressões pessoais das realidades objectivas e observadas;

- as sensações transformam-se em imagens, tendo Cesário o poder fazer brotar poesia do que há de mais trivial e menos poético;

- a sua imaginação transfiguradora transpõe a realidade numa outra.

 

Dimensão social

  • denúncia das circunstâncias sociais injustas («Contrariedades»);
  • crítica às acentuadas desigualdades sociais («O sentimento dum ocidental»);
  • tomada de posição do sujeito poético pelos desfavorecidos, vítimas da opressão social da cidade;
  • algum anticlericalismo;
  • algum sentimento de decadência e vencidismo colectivo.

 

Binómio cidade/campo 

Cidade  (Lisboa)

Campo  (Linda-a-Pastora)

Espaço tecnizado e artificializado pelo Homem, simboliza:

  • aprisionamento
  • injustiça
  • humilhação
  • impossibilidade do amor
  • morte, doença

A cidade é um espaço soturno, opressor, onde tudo sufoca e reflecte a dor humana.

Espaço natural e puro, simboliza:

  • recusa da opressão e possibilidade do exercício da liberdade
  • plenitude
  • expressão idílica do amor
  • tranquilidade
  • vida, fertilidade, força, vigor

É do campo que Cesário recebe força e vitalidade (mito de Anteu); fora dele, o poeta sente-se fraco e doente.

 

Imagética feminina 

Há uma sexualização da cidade e do campo que incorpora as alegorias da morte e da vida. Assim: 

a mulher fatal

a mulher angélica

  • surge associada à cidade;
  • é frígida,
  • frívola,
  • calculista,
  • madura,
  • destrutiva,
  • dominadora,
  • sem sentimentos;
  • desperta o desejo e, simultaneamente, arrasta para a destruição (humilhação sentimental).

  • surge associada ao campo;
  • é frágil,
  • terna,
  • ingénua,
  • despretensiosa;
  • desperta o amor puro, a vida e o desejo de protecção.

 

A humilhação 

A humilhação sentimental:

  • a mulher formosa, fria, distante e altiva («Esplêndida; «Deslumbramentos», «Frígida»);
  • a mulher fatal da época / a humilhação do sujeito poético tentando a aproximação («Esplêndida»);
  • a mulher burguesa, rica, distante e altiva / a humilhação do sujeito poético que não ousa aproximar-se devido à sua baixa condição social («Humilhações»);
  • a mulher fatal, bela e artificial, poderosa e desumana / a consequente humilhação do poeta («Deslumbramentos»);
  • a mulher fatal, pálida e bela, fria, distante e impassível que o poeta deseja e receia / a humilhação e a necessidade de controlar os impulsos amorosos («Frígida»).

 

A humilhação estética:

  • a revolta pela incompreensão que os outros manifestam em relação à sua poesia e pela recusa de publicação por alguns jornais («Contrariedades»).

 

A humilhação social:

  • o povo comum oprimido pelos poderosos («Humilhações»; «Deslumbramentos»);
  • o abandono a que são votados os doentes («Contrariedades»);
  • o povo dominado por uma oligarquia[1] poderosa («Deslumbramentos»).



[1] governo político em que o poder está concentrado nas mãos de pequeno número de indivíduos ou de poucas famílias;  predomínio político de pequeno número de pessoas.



“Cesário Verde”, Fernando Pessoa. Fundo da Biblioteca Nacional de Portugal - Cota: BNP/E3, 14E – 41.  
Disponível em: https://modernismo.pt/index.php/archive-fernando-pessoa-en/details/33/3825


  Leitura orientada de poemas de Cesário Verde

 

Poema

Incipit

A débil

Eu, que sou feio, sólido, leal,

Arrojos

Se a minha amada um longo olhar me desse

Cantos da tristeza

[Setentrional]

Talvez já te não lembres, triste Helena,

[Talvez já te esquecesses, ó bonina,]

Contrariedades

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;

Cristalizações

Faz frio. Mas depois de uns dias de aguaceiros

De tarde

Naquele «pic-nic» de burguesas,

Deslumbramentos

Milady, é perigoso contemplá-la,

Em Petiz I - De tarde

Mais morta do que viva, a minha companheira

Esplêndida

Ei-la! Como vai bela! Os esplendores

Humilhações

Esta aborrece quem é pobre. Eu, quase Job

Manhãs brumosas

Aquela, cujo amor me causa tanta pena

Manias

O mundo é velha cena ensanguentada,

Merina

Rosto comprido, airosa, angelical, macia,

Num bairro moderno

Dez horas da manhã; os transparentes

Vaidosa

Dizem que tu és pura como um lírio

 

 



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“Para uma síntese da obra de Cesário Verde”, - apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da lírica de Cesário Verde, por José Carreiro. Folha de Poesia, 2018-04-22. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/04/cesario-verde.html (1.ª edição: http://lusofonia.com.sapo.pt/literatura_portuguesa/cesario_verde.htm, 2007-01-08)


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