PARA UMA SÍNTESE DA OBRA DE
CESÁRIO VERDE
Poeta do final do século XIX
Aproximação da poética de Cesário às escolas literárias
Tendência romântica:
- idealismo romântico (com o tema da mulher e do amor) moderado, senão anulado, pela ironia (crise romanesca). Ver: «Esplêndida».
Tendência parnasiana:
- reacção contra o intimismo romântico;
- objectividade nos temas;
- expressão literária correcta e exacta, na forma: vocabulário concreto com recurso a termos pertencentes a um nível familiar ou técnico; regularidade métrica e estrófica (na métrica a preferência pelo verso decassilábico e pelo alexandrino; na organização estrófica, a preferência pela quadra que lhe permitia registar as observações e saltar com facilidade para outro motivo).
Tendência realista/naturalista:
- movimento deambulatório do poeta pelas ruas da cidade;
- descrições do real, donde se destacam os quadros do quotidiano em que as humildes profissões surgem poetizadas;
- a questão social (a poesia intervém criticamente);
- o meio é determinante no comportamento do indivíduo («Determinismo», segundo Taine);
- método analítico/crítico de Taine «que não condena nem perdoa, mas que constata e explica».
Tendência impressionista:
- valoriza a impressão pura, imediata, não intelectualizada, com o seu carácter fragmentário e fugaz;
- apresenta primeiro a sensação (a cor, a luz, o movimento) e só depois se refere ao objecto;
- técnica descritiva assente na adjectivação expressiva, nas imagens e comparações originais, nas sinestesias, nas hipálages, no uso expressivo do advérbio.
Tendência surrealista:
- a sua «visão de artista» leva-o a transfigurar a realidade surgindo Cesário como um poeta-pintor que, «Num Bairro Moderno», transforma metaforicamente a cesta de legumes e frutos num corpo humano.
Conteúdos temáticos da poesia de Cesário Verde
Poetização do real – objectividade/subjectividade
Em Cesário
assiste-se constantemente à passagem do objectivo para o subjectivo, de modo
que ele capta as impressões do quotidiano:
- quer com objectividade e pormenor;
- quer com subjectividade, porque:
- a expressão da realidade objectiva é profundamente conotativa, com um discurso entrecortado por frases exclamativas, ricas de subjectivismo, com uma linguagem a relatar as impressões pessoais das realidades objectivas e observadas;
- as sensações transformam-se em imagens, tendo Cesário o poder fazer brotar poesia do que há de mais trivial e menos poético;
- a sua imaginação transfiguradora transpõe a realidade numa outra.
Dimensão social
- denúncia das circunstâncias sociais injustas («Contrariedades»);
- crítica às acentuadas desigualdades sociais («O sentimento dum ocidental»);
- tomada de posição do sujeito poético pelos desfavorecidos, vítimas da opressão social da cidade;
- algum anticlericalismo;
- algum sentimento de decadência e vencidismo colectivo.
Binómio cidade/campo
Cidade (Lisboa) |
Campo (Linda-a-Pastora) |
Espaço tecnizado e artificializado pelo Homem,
simboliza:
A cidade é um espaço soturno, opressor, onde tudo
sufoca e reflecte a dor humana. |
Espaço natural e puro, simboliza:
É do campo que Cesário recebe força e vitalidade
(mito de Anteu); fora dele, o poeta sente-se fraco e doente. |
Imagética feminina
Há uma sexualização da cidade e do campo que incorpora as alegorias da morte e da vida. Assim:
a mulher fatal |
a mulher angélica |
|
|
A humilhação
A humilhação sentimental:
- a mulher formosa, fria, distante e altiva («Esplêndida; «Deslumbramentos», «Frígida»);
- a mulher fatal da época / a humilhação do sujeito poético tentando a aproximação («Esplêndida»);
- a mulher burguesa, rica, distante e altiva / a humilhação do sujeito poético que não ousa aproximar-se devido à sua baixa condição social («Humilhações»);
- a mulher fatal, bela e artificial, poderosa e desumana / a consequente humilhação do poeta («Deslumbramentos»);
- a mulher fatal, pálida e bela, fria, distante e impassível que o poeta deseja e receia / a humilhação e a necessidade de controlar os impulsos amorosos («Frígida»).
A humilhação estética:
- a revolta pela incompreensão que os outros manifestam em relação à sua poesia e pela recusa de publicação por alguns jornais («Contrariedades»).
A humilhação social:
- o povo comum oprimido pelos poderosos («Humilhações»; «Deslumbramentos»);
- o abandono a que são votados os doentes («Contrariedades»);
- o povo dominado por uma oligarquia[1] poderosa («Deslumbramentos»).
[1] governo político em que o
poder está concentrado nas mãos de pequeno número de indivíduos ou de poucas
famílias; predomínio político de pequeno
número de pessoas.
“Cesário
Verde”, Fernando Pessoa. Fundo da Biblioteca Nacional de Portugal - Cota: BNP/E3,
14E – 41. Disponível em: https://modernismo.pt/index.php/archive-fernando-pessoa-en/details/33/3825 |
Leitura orientada de poemas de Cesário Verde
Poema |
Incipit |
Eu, que sou
feio, sólido, leal, |
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Se a minha amada um longo olhar me desse |
|
[Setentrional] |
Talvez já te
não lembres, triste Helena, [Talvez já te esquecesses, ó bonina,] |
Eu hoje estou cruel, frenético, exigente; |
|
Faz frio.
Mas depois de uns dias de aguaceiros |
|
Naquele «pic-nic» de burguesas, |
|
Milady, é
perigoso contemplá-la, |
|
Mais morta do que viva, a minha companheira |
|
Ei-la! Como
vai bela! Os esplendores |
|
Esta aborrece quem é pobre. Eu, quase Job |
|
Aquela, cujo
amor me causa tanta pena |
|
O mundo é velha cena ensanguentada, |
|
Rosto
comprido, airosa, angelical, macia, |
|
Dez horas da manhã; os transparentes |
|
Dizem que tu
és pura como um lírio |
|
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Poderá também gostar de:
- “Cesário Verde - o homem e o seu tempo”, Folha de Poesia, 2021-09-08
- “Sobre a edição da poesia de Cesário Verde”, Folha de Poesia, 2021-09-08
“Para uma síntese da obra de Cesário Verde”, - apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da lírica de Cesário Verde, por José Carreiro. Folha de Poesia, 2018-04-22. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/04/cesario-verde.html (1.ª edição: http://lusofonia.com.sapo.pt/literatura_portuguesa/cesario_verde.htm, 2007-01-08)
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