sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Esplêndida, Cesário Verde


 

ESPLÊNDIDA






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Ei-la! Como vai bela! Os esplendores
Do lúbrico1 Versailles do Rei-Sol
Aumenta-os com retoques sedutores.
É como o refulgir dum arrebol2
     Em sedas multicores.

Deita-se com languor3 no azul celeste
Do seu landau4 forrado de cetim;
E os seus negros corcéis5 que a espuma veste,
Sobem a trote a rua do Alecrim,
     Velozes como a peste.

É fidalga e soberba. As incensadas6
Dubarry, Montespan e Maintenon
Se a vissem ficariam ofuscadas
Tem a altivez magnética e o bom-tom
     Das cortes depravadas.

É clara como os pós à marechala,
E as mãos, que o Jock Club embalsemou,
Entre peles de tigres as regala;
De tigres que por ela apunhalou,
     Um amante, em Bengala.

É ducalmente7 esplêndida! A carruagem
Vai agora subindo devagar;
Ela, no brilhantismo da equipagem,
Ela, de olhos cerrados, a cismar
     Atrai, como a voragem!

Os lacaios8, vão firmes na almofada;
E a doce brisa dá-lhes de través
Nas capas de borracha esbranquiçada,
Nos chapéus com roseta, e nas librés9
     De forma aprimorada.

E eu vou acompanhando-a, corcovado,
No trottoir10, como um doido, em convulsões,
Febril, de colarinho amarrotado,
Desejando o lugar dos seus truões11,
     Sinistro e mal trajado.

E daria, contente e voluntário,
A minha independência e o meu porvir,
Para ser, eu poeta solitário,
Para ser, ó princesa sem sorrir,
     Teu pobre trintanário12.

E aos almoços magníficos do Mata
Preferiria ir, fardado, aí,
Ostentando galões13 de velha prata,
E de costas voltadas para ti,
     Formosa aristocrata!

 

Cesário Verde

Lisboa, Diário de Notícias, 22 de março de 1874

Edição utilizada: Obra completa de Cesário Verde, 4.ª edição organizada, prefaciada e anotada por Joel Serrão. Lisboa, Livros Horizonte, 1983

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[1] Sensual; luxurioso.

[2] Cor de fogo que às vezes o horizonte toma ao nascer e ao pôr do Sol; arrebique, artifício, adorno.

[3] Langor: estado de lânguido; definhamento; moleza; doçura; desfalecimento.

[4] Antiga carruagem de tração animal, de quatro rodas, com dois bancos frente a frente.

[5] Cavalos velozes.

[6] Incensar: Defumar com incenso; (fig.) adular, enganar.

[7] De duque ou a ele referente.

[8] Criados que acompanhavam o amo nos seus passeios ou viagens.

[9] Espécie de uniformes de lacaios e cocheiros de casa rica.

[10] Passeio (de rua).

[11] Truão: bobo; palhaço; saltimbanco.

[12] Lacaio que se senta ao lado do cocheiro, na almofada da carruagem.

[13] Marca; distintivo; emblema; tira, fita, linha, faixa.

 

 

I - Das hipóteses apresentadas (A, B, C e D), sobre o poema "Esplêndida", assinala a correta.

1 - De que movimento literário está Cesário Verde mais próximo?

A) Do Romantismo.

B) Do Neoclassicismo.

C) Do Parnasianismo.

D) Do Ultrarromantismo.

 

2 - A modernidade na poesia começa com Cesário. Porquê?

A) Porque valoriza os sentimentos.

B) Porque endeusa a Razão.

C) Porque o eu dá lugar aos outros.

D) Porque rejeita a rima.

 

3 - Na obra poética deste autor, qual o binómio que ressalta?

A) Terra/Céu.

B) Sentimento/Razão.

C) Corpo/Alma.

D) Cidade/Campo.

 

4 - No poema transcrito, que atitude manifesta o sujeito lírico em relação ao tu?

A) Reconhecimento.

B) Desprezo.

C) Aceitação.

D) Fascínio.

 

5 - Do ponto de vista psicológico, como poderemos caracterizar o tu?

A) Sedutor.

B) Frágil.

C) Sentimental.

D) Racional.

 

6 - "Ei-la!" A interjeição a itálico o que traduz?

A) Receio.

B) Inquietação.

C) Admiração.

D) Dúvida.

 

7 - Qual o processo de formação presente na palavra Rei-Sol?

A) Conversão (ou derivação imprópria).

B) Composição morfológica (ou composição por radicais).

C) Composição morfossintática (ou composição por palavras).

D) Derivação não-afixal.

 

8 - O que significa a palavra arrebol?

A) Estrela.

B) Pedra preciosa.

C) Diamante.

D) Nascer do sol.

 

9 - A caracterização da velocidade do landau é dada através de que recurso de estilo?

A) Hipérbole.

B) Perífrase.

C) Comparação.

D) Personificação.

 

10 - Na 3.ª estrofe, o movimento da carruagem é traduzido pela expressão verbal vai subindo. A que tipo de conjugação pertence essa expressão verbal?

A) Conjugação passiva.

B) Conjugação ativa.

C) Conjugação simples.

D) Conjugação perifrástica.

 

11 - A mulher retratada torna-se, na 3.ª estrofe, ainda mais distante. Porquê?

A) Porque é ducalmente esplêndida.

B) Porque se distingue no brilhantismo da equipagem.

C) Porque vai de olhos cerrados a cismar.

D) Porque atrai como a voragem.

 

12 - Qual o recurso de estilo presente no 2.º verso da 4.ª estrofe?

A) Hipérbole.

B) Sinestesia.

C) Perífrase.

D) Personificação.

 

13 - Na 5.ª estrofe, o sujeito poético exprime de forma patética os seus sentimentos. Porquê?

A) Porque se enaltece.

B) Porque se arrepende.

C) Porque se desespera.

D) Porque implora.

 

14 - "E eu vou acompanhando-a ..." Indique a função sintática da forma pronominal sublinhada.

A) Sujeito.

B) Complemento indireto.

C) Modificador.

D) Complemento direto.

 

15 - "Para ser, ó princesa sem sorrir,". Que função sintática exerce a expressão sublinhada?

A) Sujeito.

B) Vocativo.

C) Modificador.

D) Complemento direto.

 

16 - Que processo de formação está presente na palavra sorrir? (Ver, p.f., expressão sublinhada na questão anterior).

A) Conversão (ou derivação imprópria).

B) Neologismo.

C) Afixação.

D) Derivação não-afixal.

 

17 - Na penúltima estrofe, o sujeito poético reforça o seu desejo de dependência em relação ao tu através de que recurso de estilo?

A) Metáfora.

B) Apóstrofe.

C) Sinédoque.

D) Anáfora.

 

18 - O que é um trintanário?

A) Namorado.

B) Pretendente.

C) Amo.

D) Lacaio.

 

19 - A referência aos galões de velha prata que poderá querer significar?

A) A superioridade do eu.

B) A sua riqueza.

C) O seu passado ilustre.

D) A sua tentativa de aproximação.

 

20 - Que sentido expressa a exclamação final?

A) Cansaço.

B) Desapontamento.

C) Desespero.

D) Admiração.

 

Chave de correção: 1-C; 2-C; 3-D; 4-D; 5-A; 6-C; 7-C; 8-D; 9-C; 10-D; 11-C; 12-B; 13-C; 14-D; 15-B; 16-A; 17-D; 18-D; 19-D; 20-D.

Questionário com itens de seleção adaptado de: http://www.profareal.pt/testes/doc.asp?tema_id=775 (consultado em 2006-05-10).

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II – Questionário sobre as estrofes 1-2 e 5-9 do poema “Esplêndida”, de Cesário Verde:

1. «Esplêndida» é como que um monólogo dramático, no qual o eu lírico manifesta uma certa atitude perante uma figura feminina.

1.1. Faça o levantamento de expressões que revelam a artificialidade deste tipo citadino de mulher.

1.2. Enuncie as características gerais da figura feminina descrita no poema.

1.3. Analise a imagem que o sujeito poético dá de si próprio, fundamentando com expressões do texto.

1.4. Caracterize a relação que se estabelece entre o sujeito poético e a «esplêndida».

2. Proceda ao levantamento dos recursos estilísticos mais sugestivos do poema.

(Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 537. Cursos Complementares Noturnos - Liceal e Técnicos. Prova Escrita de Português (Índole Científica). Portugal, 1997, 2.ª fase)

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III - Elabore um comentário do poema, integrando o tratamento dos seguintes tópicos:

- tema e seu desenvolvimento;

- imagem da figura feminina;

- imagem do sujeito poético;

- relação entre o sujeito poético e a «esplêndida»;

- linguagem e recursos estéticos que servem a mensagem poética.

 

Explicitação de cenários de resposta:

INTRODUÇÃO:

ENQUADRAMENTO DO POEMA NA OBRA E ÉPOCA A QUE PERTENCE

  • Trata-se de um poema da primeira fase (1873-74) de Cesário verde (1855-1886) caracterizada por um idealismo romântico (com o tema da mulher e do amor) moderado, senão anulado, pela ironia. 
  • Na sua obra encontram-se não só elementos característicos do realismo e parnasianismo, como também do impressionismo.

A ESTRUTURA EXTERNA:

  • 7 quintilhas. 
  • Os 4 primeiros versos de cada estrofe são decassílabos e o último é hexassílabo. 
  • Esquema rimático: ababa – rima cruzada.

 

TRATAMENTO DOS TÓPICOS DE ANÁLISE

O TEMA

  • A humilhação sentimental do sujeito poético tentando aproximar-se da figura feminina.

DESENVOLVIMENTO DO TEMA / ESTRUTURA INTERNA

Há dois momentos no poema:

  • 1.º momento - vv. 1-20: parece haver um desdém no modo como se pinta o «langor» e altivez com que a mulher se reclina no seu «landau», a lentidão solene da carruagem e os lacaios vestidos a rigor. Assim, a temática da humilhação do sujeito (poeta solitário) perante a «formosa aristocrata» determina que, nesta 1ª parte, se procure acentuar os elementos caracterizadores da mulher «esplêndida» que serão factor de opressão. 
  • 2.º momento - vv. 21-35: o sujeito está disposto a renunciar à sua «independência» e ao seu «porvir» para conseguir aproximar-se da «formosa aristocrata». Humilhação do sujeito face ao esplendor daquela deusa distante e altiva. 

A IMAGEM DA FIGURA FEMININA

  • Trata-se da caracterização da mulher fatal da época, citadina, autêntica personagem plana artificial.
  • Expressões que revelam a artificialidade deste tipo citadino de mulher: «os esplendores do lúbrico Versailles do rei-Sol», «retoques sedutores», «ducalmente esplêndida», «refulgir dum arrebol / em sedas multicolores», «altivez magnética e bom tom», «clara como os pés à marechala» (IV)
  • Características gerais da figura feminina: bela, sedutora, esplêndida, atraente, formosa, aristocrática.

A IMAGEM DO SUJEITO POÉTICO

  • Sinistro e mal trajado, solitário (VIII), corcovado, doido, febril, de colarinho amarrotado. Desejo de ser, pobre trintanário, seu criado de mesa – auto-humilhação, sente-se inferiorizado.

A RELAÇÃO ENTRE O SUJEITO POÉTICO E A «ESPLÊNDIDA»

  • Não há relação social entre ambos; tudo se passa na mente do sujeito que chega ao ponto de querer ser criado de mesa, mas «de costas viradas para ti» – desprezo pela sua aristocracia. O sujeito encara a «esplêndida» de forma violentamente irónica.

A LINGUAGEM E OS RECURSOS ESTÉTICOS QUE SERVEM A MENSAGEM POÉTICA

  • Marcas de narratividade: espaço – rua do Alecrim; personagens…
  • Função expressiva da linguagem: o sujeito traduz a sua admiração pela interjeição «eis», pelas frases do tipo exclamativo, pelas formas verbais de 1.ª pessoa e pela caracterização do Eu com expressivos adjetivos.

1.ª parte:

  • A 1ª estrofe abre com 2 exclamações («Ei-la! Como vai bela!»), que imediatamente nos dão conta da postura extasiada do sujeito. 
  • Hipérbole encomiástica  em que se salientam as referências à luz e cor e, sobretudo, as sugestões de sensualidade («altivez magnética», «lúbrico Versailles», « retoques sedutores», «sedas multicores»).
  • Sinestesia: «sedas multicores».
  • Adjetivação expressiva: «sedutores», «esplêndida». 
  • Comparação: «É como o refulgir dum arrebol», «velozes como a peste» (o poeta vale-se do fenómeno da peste que progride vertiginosamente no meio das pessoas, manifestando assim a velocidade dos corcéis), «atrai como a voragem». 
  • Uso expressivo do advérbio: «ducalmente esplêndida» 
  • Anáfora: vv. 13-14: «Ela» 
  • Sinestesia: «a doce brisa».

2.ª Parte:

  • Valor expressivo do Vocativo («a princesa sem sorrir», «formosa aristocrata») respeitante a uma atitude que implica ainda desmesurado enaltecimento da mulher. 
  • Adjetivação cuidada de conotação negativa: «corcovado», «febril», «amarrotado», «sinistro e mal trajado», «contente e voluntário», «solitário», «pobre» -
  • Comparação: «como um doido».
  • Anáfora: vv. 28-29: «Para ser» .
  • A exclamação da última estrofe serve para criar o clima de sofisticação mundana que atrai o sujeito.

CONCLUSÃO

Atração, humilhação e repulsa que a mulher fatal, aristocrática e citadina provoca no sujeito poético.

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IV – Texto expositivo

Leia atentamente a afirmação seguinte: 

Na história da poesia da cidade os poemas típicos de Cesário Verde são algo inteiramente novo, pelo amor juvenil e constante à realidade concreta, vista com olhos de artista plástico, transposta em séries de instantâneos claros, exatos, flagrantes. Em «Cristalizações», «Num Bairro Moderno», «O Sentimento dum Ocidental» descobrimos a figura integral de Lisboa.

Jacinto do Prado Coelho, Problemática da História Literária. Lisboa, Ed. Ática, 1961

 

Elabore um texto expositivo-argumentativo em que aborde de forma fundamentada as afirmações sobre a poesia de Cesário Verde acima transcritas.

 

Tópicos de correção:

  • Em «Num Bairro Moderno», «Cristalizações» e «O Sentimento dum Ocidental» há o gosto pelo exterior, nomeadamente pela cidade, por Lisboa, em que o Eu poético deambula.

  • Nestes poemas há o aprofundamento da oposição entre a cidade e o campo, sendo este um contraste idealizado daquela.

  • O flagrante realismo incorporando nos poemas:

- realidade concreta: cenas de exterior, quadros e figuras citadinos;

- prosaísmo poético.


  • Há uma obsessão pelas sensações físicas e psíquicas que Lisboa provoca transmitidas através de uma visão plástica – visão do real de modo impressionista e, por vezes, quase surrealista (fuga ao realismo):

- a recriação poética com grande nitidez, numa atitude de captação do real pelos sentidos, com predominância dos dados da visão (a cor, a luz, o recorte, o movimento);

- os processos estilísticos utilizados, como a sinestesia e a harmonia imitativa, que tornam a palavra matéria plástica da transposição poética do real concreto.


  • O poema «Num Bairro Moderno» dramatiza a invasão simbólica da cidade pelo campo, através de uma vendedeira de frutas e legumes. A transfiguração surrealística dos frutos e legumes num «ser humano» vem emprestar ao campo, que representam, uma maior profundidade.

  • O narrador observa incomodado o «conchego e vida fácil» do «bairro moderno», em contrates com a luz e o calor da «larga rua macadamizada» e a azáfama da vendedeira de hortaliça que tenta sobreviver.


  • Linguagem nova de raiz burguesa e popular, rica em termos concretos a sugerir mistura de sensações, impressões físicas e anímicas. Linguagem impressionista e fantasista.

 

  • No poema «Cristalizações» o sujeito é um burguês que se move na cidade e tudo encontra «alegremente exato» até que a tomada de consciência da dureza da vida dos calceteiros e dos trabalhadores de um modo geral o surpreende e fere, a ponto de denunciar a injustiça de que são vítimas. E a sua vida dura, a sua crucifixão diária ao serviço da cidade, merecem a simpatia do sujeito: o campo seria a vítima da exploração da cidade.


  • Poema prosaico pelo uso de termos concretos. O poeta visiona a realidade nua e crua, mas visioná-la é vê-la à sua maneira, é elevá-la ao campo da fantasia, é criar relações mentais entre essas realidades.

 

  • No poema «O Sentimento dum Ocidental» há a revolta perante as desigualdades sociais e um desencanto para com a cidade-prisão. A cidade, neste poema, é um pretexto para se fugir dela. Tudo se apresenta nitidamente nestas imagens: as ruas, a iluminação a gás, os quartéis, as tipoias, os militares, as peixeiras, os padeiros e os dentistas

 



 V - Texto de apoio

[Receção do poema “Esplêndida” pelos coetâneos de Cesário Verde]

Ao publicar o poema “Esplêndida”, em 22 de março de 1874, no Diário de Notícias, de Lisboa, Cesário talvez não tenha (ou tenha?) se dado conta de que o seu estado agônico e experiência trágica naquele momento se iniciavam. A incompreensão de seus pares evidencia-se na crítica de Ramalho Ortigão, que acusa o poeta de imitar Baudelaire naquilo que ele tem de satânico, também na de Teófilo Braga15, ao não compreender a irónica  sensualidade do poema, e por isso o censura com severas reprimendas, quando diz “que um homem para captar as simpatias de uma mulher desça ao lugar dos lacaios: um poeta amante e moderno devia ser trabalhador, forte e digno, e não se devia rebaixar assim” (Apud Helder Macedo, em O Romântico e o Feroz, 1988, p. 16).

A publicação de “Esplêndida”, em verdade, instaura conflito entre o Poeta e seus contemporâneos, talvez porque apresenta o novo que incomoda, rompe e desconstrói. O poema dá a lume uma nova representação da mulher citadina, agora com características de “mulher fatal”, que o sujeito encara de forma veementemente irônica. Trata-se de retrato de mulher “ducalmente esplêndida” que esmaga e fascina o sujeito, e que também carrega consigo toda a artificialidade e violência da vida urbana, podendo conduzi-lo à alienação e à perda da identidade de cidadão. É percetível, nos versos que se seguem, o conflito entre Mulher (“Esplêndida”) e Homem (“poeta solitário”), numa clara demonstração a partir do binómio Opressão-Humilhação:

E eu vou acompanhando-a, corcovado,

No trottoir, como um doido, em convulsões,

Febril, de colarinho amarrotado,

Desejando o lugar dos seus truões,

Sinistro e mal trajado.

E daria, contente e voluntário,

A minha independência e o meu porvir,

Para ser, eu poeta solitário,

Para ser, ó princesa sem sorrir,

Teu pobre trintanário

A temática da humilhação do sujeito ou de sua humilhação sentimental (“poeta solitário”) ganha relevo em “Esplêndida”, na medida em que apresenta dois polos que se contradizem, e por isso mesmo provocam, nesse “poeta solitário”, a agonia trágica, i.e., um conflito decorrente da opressão: de um lado, a existência de um clima de sofisticação mundana que atrai o sujeito; de outro, a humilhação que o faz passar como seu “pobre trintanário”. Janet E. Carter (1989, p. 151), ao empreender análise do poema sob a ótica da variação pessoal entre o “Eu” e sua relação diádica com a figura feminina, tece o seguinte comentário: «Em contraste com o esplendor do retrato de “ela”, o retrato do “eu” é um de miséria e abatimento, visível até fisicamente, pois ele vai “corcovado”. Esta posição indica homenagem perante a dama que o excita e perturba de tal maneira que ela fica exaltada, tal “como um doido, em convulsões, / Febril”».

Valci Santos, Tragicidade nas poéticas de Cesário Verde e Cruz e Sousa. Niterói – RJ, UFF, 2013

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15 De acordo com informação de Joel Serrão (1999, p. 201), Cesário teria mostrado estranheza pelo comentário de Teófilo: “Que diabo!, logo o Teófilo e o Ramalho que tanto considerava...” E pede ao seu mais dileto amigo, que também o é de Teófilo, que lhe explique este paradoxo: esperava aplauso dos revolucionários e, afinal, pedradas é que recebe...


Vogue britânica de janeiro de 1927


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CARREIRO, José. “Esplêndida, Cesário Verde”. Portugal, Folha de Poesia, 25-11-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/11/esplendida-cesario-verde.html


 

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