FANTASIAS DO IMPOSSÍVEL
ARROJOS1
|
Se a minha amada
um longo olhar me desse |
Cesário Verde
Lisboa, Diário de
Notícias, 22 de março de 1874
Obra Completa (org. Joel Serrão),
Lisboa, Livros Horizonte, 1988
___________
[1] extático: em
êxtase; maravilhado.
[2] mignonnes (palavra
francesa): delicadas; graciosas; pequenas.
[3] taciturnos:
calados; tristes.
[4] Laura: a mulher
celebrada pelo poeta italiano Petrarca, apresentada como amada inacessível.
[5] soberba: altiva;
arrogante.
[6] róseos: da cor das
rosas; rosados.
[7] cítaras:
instrumentos musicais de cordas.
[8] arminho: animal
das regiões polares, de pêlo macio e, no Inverno, muito branco.
[9] Martinho: café
lisboeta.
Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas ao questionário sobre o poema “Arrojos”, de Cesário Verde.
1. «Arrojos» foi publicado em conjunto com
dois outros poemas de Cesário sob o antetítulo comum «Fantasias do Impossível».
Explicite as relações de sentido que este
antetítulo estabelece com o texto.
2. Identifique quatro dos traços que
caracterizam a figura feminina, documentando-os com elementos do texto.
3. Indique um dos efeitos de sentido da
hipérbole presente nos versos: «Eu com um sopro enorme, um sopro imenso
/Apagaria o lume das estrelas» (vv. 7-8).
4. Refira a importância dos dois últimos
versos para a interpretação do poema.
5. Analise a relação do «eu» com a «amada»,
tal como é expressa no discurso poético.
Explicitação de cenários de resposta:
1.
Através dos dois primeiros versos de cada uma das quadras do poema, vai-se
tecendo a fantasia de uma paixão feliz (ele fantasia aquilo que faria com a
amada se esta o permitisse): as sucessivas orações condicionais assinalam o
carácter hipotético, não real, dessa felicidade. Assim se sugere uma série de
«Fantasias do Impossível», anunciadas no antetítulo e depois desenvolvidas nos
dois últimos versos de cada quadra, em que se projetam as ações sobre-humanas
com que o «eu» celebraria a plenitude de tal paixão (se ela fosse real).
2.
Afigura feminina apresenta os seguintes traços caracterizadores:
- sedutora, olhar cortante (glacial):
«olhos que ferem como espadas» (v. 2);
- delicada, mãos pequenas e graciosas:
«mãos mignonnes» (v. 6);
- amada inacessível: «a Laura» (v. 17);
- influência perversa sobre o «eu»: «a
Laura dos meus loucos desvarios» (v. 17);
- arrogância e vaidade: «soberba» (v. 18);
- insensibilidade e indiferença: «fria» (v.
18);
- distância e irrealidade: «aquela visão da
fantasia» (v. 29);
- pele muito branca (e macia): «peito alvo
como arminho» (v. 30);
- …
Nota - Recorda-se que o enunciado da pergunta
requer a apresentação de quatro traços caracterizadores.
3.
A hipérbole, presente nos versos «Eu com um sopro enorme, um sopro imenso
/Apagaria o lume das estrelas», produz, entre outros, os seguintes efeitos de
sentido:
- exprime a intensidade da paixão;
- representa a força da paixão feliz, capaz
de conferir os poderes sobre-humanos que permitem ao sujeito dominar as forças
da Natureza;
- sugere, pelo desmesurado excesso da
expressão (que se mantém, ao longo do poema, pelo menos até à penúltima
estrofe), a presença de auto-ironia na atitude do «eu»;
- …
Nota - Recorda-se que o enunciado da pergunta
requer a apresentação de um dos efeitos de sentido.
4.
Os dois versos finais têm um marcado cunho irónico, porque apresentam como a
mais ousada das audácias (dos «Arrojes») do «eu», apaixonado e feliz, aquela
que não passa do corte com um hábito, próprio do quotidiano citadino: ir a um
determinado café. Desta forma, estes versos evidenciam o carácter lúdico e
irónico da composição (já enunciado ou sugerido pelo empolamento da linguagem
hiperbólica presente ao longo do poema).
5.
A relação do «eu» com a «amada» é marcada pelo desequilíbrio: à paixão do «eu»
(«aquela que amo mais que a luz do dia» - v. 9) correspondem a distância e a
inacessibilidade do seu objeto, só transponíveis pela fantasia, pelos «Arrojos»
da imaginação.
O poema é a expressão dessa fantasia. Nessa
relação sonhada, o «eu», formulando de diferentes modos o desejo de que a «amada»
corresponda aos seus votos de amor, representa-se expectante e suspenso,
manifestando, por um lado, a consciência da impossibilidade da realização dos
seus desejos e sugerindo, por outro lado, a atitude do «eu» enlevado na sua
própria fantasia (que, a realizar-se, o transfiguraria em sujeito de ações
sobre-humanas).
Poderá também gostar de:
- Comentário do poema “Arrojos”, de Cesário Verde, por Maria Figueiredo e Maria Belo, em Comentar um texto literário. Lisboa, Editorial Presença, 1999 (6.ª ed.), pp. 76.85
- “Para uma síntese da obra de Cesário Verde” - apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da lírica de Cesário Verde, por José Carreiro. In: Folha de Poesia, 2018-04-22. Disponível em https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/04/cesario-verde.html
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