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segunda-feira, 25 de julho de 2022

quando Fiama deixou cair no chão a «Poesia Toda» de Herberto Helder

 


AUTOR FRAGMENTO

 

Da metáfora e veracidade do chão recolho a poesia toda; herberto ou autor, no túnel

do universo pensa no exemplar bilingue de celan ou na vontade

de morrer sensivelmente sem a escrita, no esmalte. Este é a figura

de estilística da mesa ou do ciclo, de lamentos, na corola negra.

Esta é o símbolo da tempestade ou a realidade traduzida

do diálogo sobre a estrela entre os tópicos.

Livros lívidos! Palavra suicídio entre números dígitos de anos, autor! ignorando

como recomeçar o uniforme, o verso e o reverso. Dedica o livro,

levanta-se sobre o verídico1 e desaparece nos precipícios que são os textos,

as estrelas negras na descrição de Autor.

 

1 O chão.

Fiama Hasse Pais Brandão in O Texto de João [sic] Zorro, 1974. 

Apud Herberto Helder, Poesia Toda. Lisboa, Assírio & Alvim, 19812

 

 


 

O retrato do autor quando leitor da nova poesia portuguesa pode ser lido na epígrafe à primeira edição de Poesia toda para a Assírio & Alvim, a de 1981. Trata-se de «Autor  fragmento», de Fiama Hasse Pais Brandão, publicado em O texto de Joao Zorro, de 1974. Em nenhuma das contínuas e mudadas reedições da poesia reunida se encontra de novo o poema.

À maneira de pórtico no livro de cordel de quatro nós ou do embrulho cor-de-rosa-velho de Manuel Rosa (design contemporâneo ao Cartucho Joaquim Manuel Magalhães & Cia 76), os dez versos do poema de Fiama, se divididos em duas metades imperfeitas, podem dar matéria à hipótese de que nos seis primeiros a proposição de uma verdadeira teoria da leitura e escrita fundada na correspondência entre o acidental e o conceptual.

Insistindo nas palavras de Eduardo Prado Coelho, «trata-se de formular uma conceção topológica do texto como lugar onde o sentido se produz». Em termos objetivos, estão dispostos de maneira contígua, mas não necessariamente complementar, os conjuntos binários que movem o discurso: «Autor fragmento» e «poesia toda», «metáfora e veracidade». No primeiro, como em conhecida versão camoniana das teorias aristotélica e platónica do Amor, «Transforma-se o amador na cousa amada», há o registro do acidente que atira literalmente no chão, despencando-o ou desfolhando-o, um volume, a «poesia toda», que remete ao título do poema, o qual regista, contudo, não o todo fragmentado, mas sim o «Autor fragmento», sintagma que surpreende pela unidade não dividida dos dois termos lado a lado em equilíbrio tão estável quanto instável, haja vista que a ausência de pontuação entre eles impõe-lhes a um tempo a circunstância de serem sujeitos de e/ou de estarem sujeitos a inumeráveis transformações. Parodiando Luiza Neto Jorge, o poema ensina o sentido da queda3. O segundo conjunto binário, «metáfora e veracidade», forma de conceito à força acidental que levou «herberto ou autor» ao chão. está rigorosamente na passagem do movimento contínuo para o alternativo a ideia de que a identidade pública conhecida pelo nome Autor é uma categoria em estado permanente de alternância entre o seu nome civil e o trabalho de autoria de um objeto que o distingue. É, pois, na passagem, interativa e/ou alternativa, entre a metáfora e a veracidade é interessante notar a ordem em que Fiama coloca as palavras, indo da representação à natureza do acontecimento que emerge a criação da imagem como um efeito de verosimilhança. Na topologia do texto, o verosímil é o acidente imagético a ser buscado, que entre significações «pensa sensivelmente» o lugar «onde o sen- tido se produz». Ler é isto: colher (por vontade) ou recolher (por obra do acaso) um «exemplar bilingue de celan» ou outro autor de dupla identidade, não obrigatoriamente por escrever numa língua outra à sua nacional, mas sim por absoluta compreensão de que do concetual ao metafórico o transporte da palavra de um lugar social e culturalmente instável para outro igualmente em mudança na linguagem poética (Celan)4. Este deslocamento, ou «realidade traduzida», em primeiro lugar, conduz ao conceito de «figura» 5, que, segundo a definição no poema, se inscreve num repertório pertinente ao campo «de estilística» das metáforas de Herberto Helder: «da mesa ou do ciclo, de lamentos na corola negra»; em segundo lugar, é nesse centro de floração absoluta, «uniforme», porque negra (com donaire à Baudelaire), como em poço profundo ou caverna escura («no túnel do universo»), que se misturam as forças que dão forma às metáforas, às figuras, numa palavra, ao «símbolo», ou seja, aquilo que estruturado por um regime de leituras se reconhece como próprio do universo simbólico do poeta, por exemplo, de Herberto Helder, poeta obscuro 6. Sabe-o bem Fiama Hasse Pais Brandão, como prova a sua configuração de versos no limite da transferência especular entre o claro e o escuro, o obscuro, portanto, o «símbolo da tempestade ou a realidade traduzida», ou mudada, ou sublimada, o entrelugar (in)tenso porque vacilante, alternativo, à beira de ato falho, caso não pareça demasiadamente absurda a ideia de que «do diálogo sobre as estrelas entre os tópicos», de linguagem, pois, pode-se chegar à experiência dos trópicos (nada mais que um tropo afinal), no que neles de luminosa sabedoria inerente à natureza do simbólico em poesia, que por meio de formas no nível do significante alcança inúmeras representações da realidade:  a sua força 7.

Neste ponto da leitura, Eduardo Prado Coelho, num ensaio de A noite do mundo, de 1988, tem importante notícia do dia em que Herberto Helder de uma queda foi ao chão da mão de Fiama Hasse Pais Brandão. A história do acidente que motivou a escrita de «Autor fragmento» está no primeiro parágrafo de «Fiama: o poema como abreviatura total»:

 

Fiama gosta de contar uma história: foi quando passava no Saldanha e levava consigo aquele grande volume de poemas de Herberto Helder que (mentirosamente) se chama Poesia Toda, e, de repente, o deixou cair no chão. Desse acontecimento ficou um verso num livro de Fiama: «Da metáfora e veracidade do chão recolho a poesia toda [sic].» O leitor colocado diante do poema tenderá a interpretá-lo como a dicção de um sentido múltiplo que está para além do que as palavras dizem. A história de Fiama contém uma lição onde se condensa uma pedagogia da leitura dos seus textos: aquelas palavras apenas dizem o que dizem, são para ser recolhidas ao rés-do-chão, literalmente e de uma maneira. Por isso, no que poderíamos obliquamente designar como «o campo da teoria», Fiama combate incessantemente o pendor plural da leitura moderna. (Eduardo Prado Coelho, A noite do mundo. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1988: 144).

Assim sendo, com mais uma razão do crítico a favor da sua paradigmática noção topológica do texto para a leitura dos Poetas 61, a segunda metade imperfeita de «Autor fragmento», os quatro últimos versos, é uma apurada invocação, um fino grito que com exclamados is chama de volta à vida o «autor» 8, levantando-o do chão, num gesto tão largo de escrita sobre folhas dispersas e números de páginas e datas de livros e de poemas ao direito e ao avesso, que lidos em voz alta 9 reescrevem ao final o A de Autor em maiúscula, posto em sossego desde o título: «(...) ignorando/ como recomeçar o uniforme, o verso e o reverso», como se à maneira de Camões entre a (sen)tença de Amor ditada por Platão e Aristóteles 10. Recolhido, porém, de novo sobre a mesa de onde caíra ou se suicidara, o autor, ou o livro, no mesmo, é uma coisa sabidamente ignorante, delicada, repete a dedicatória e silencia e diz adeus e vai-se embora até que a mão desconcertada o chame outra vez às falas 11.

Desconcertada mão, como a dessa criança tão brusca, que de tão brusca destrói e aumenta o coração do Poeta.

Criança aqui antecipada, e dolorosa e necessariamente fragmen- tada, de outro ciclo, «O poema do mesmo A colher na boca

 

(...)

Ah, não se deve dizer que um rosto perde

as suas brasas, porque se inclina sobre a penumbra

de uma fonte ou um instrumento rápido.

Porque o rumor ressalta na noite parada, e pode-se

enlouquecer eternamente. Ou porque a colher

pode ligar a terra à violência do espírito.

(...)

eu abaixava-me e tomava como nos braços

essa criança ignota.

(...)

Herberto Helder, Poesia Toda. Lisboa, Assírio & Alvim, 1981, p. 52

 

No fundo, «Autor fragmento» é uma homenagem de Fiama Hasse Pais Brandão a Herberto Helder, ou melhor, é uma leitura comovida da autora de Homenagem à literatura ao autor de A colher na boca. E ele o sabe, como prova a solitária e única epígrafe à Poesia toda de 1981, a primeira una, dando-lhe os ares de pássaro prefaciador 12.

Em literatura nada se prova, mas um sabor especial ao verbo usá-lo em título tão apurado como esta Colher, de ouro já, experimentando as suas muitas e variadas ementas.

Como, e é Fiama mais uma vez, em «A minha vida, a mais hermética», de Novas visões do passado, 1975, na sua iluminada interpretação de verso justamente celebrado de «As musas cegas», o VII poema, mais precisamente.

Vale a pena reler os dois poemas, que não serão, entretanto, detidamente interpretados. Postos lado a lado (força de expressão, na verdade, um após o outro), Herberto Helder e Fiama Hasse Pais Brandão reiteram a metodologia aplicada em sala de aula no ensino da leitura de poesia e neste ensaio, em que a relação dual se quer compreendida no espaço vivo da interlocução prazerosa entre textos de literatura 13. Cabe ao leitor considerar se é justa a hipótese de que afirmações, como as de Fiama a seguir («Nada se opõe, tudo difere, este sistema simbólico/ inclui os gritos, com mais numerosas referências.»), são uma maneira legítima de explicar o que ela dissera ao escrever em versos os seus conceitos de figura e de símbolo sobre o «Autor fragmento», decadente, quer dizer, em modo verídico e metafórico de uma queda ao chão, suspenso entre o literal e o hermético («o símbolo da tempestade ou a realidade traduzida»). Ou se os versos de Herberto («essa criança tem os pés na minha boca / dolorosa») dão mais clareza ao sentido de «Livros lívidos! Palavra suicídio entre números dígitos de anos, autor! ignorando / como recomeçar o uniforme, o verso e o reverso.», lidos pouco, diz-se agora, como uma maneira de meter os pés pelas mãos, quer dizer, de pôr os pés ao invés de a colher na boca. O que, mais objetivamente, quer dizer: a cada (de verso), a cada novo passo em volta de uma obra continuada e obsessivamente dobrada e desdobrada sobre si mesmo, Herberto Helder mais clareza e sentido à sua vida dita cada vez mais hermética 14.

 

AS MUSAS CEGAS VII (fragmento)

 

(...)

Essa criança é uma coisa que está nos meus dedos;

às vezes debruço-me sobre as cisternas, e as vertigens,

e as virilhas em chama.

É a minha vida. Mas essa criança

é tão brusca, tão brusca, ela destrói e aumenta

o meu coração.

No outono eu olhava as águas lentas,

ou as pistas deixadas na neve

de fevereiro, ou a cor feroz,

ou a arcada do céu com um silêncio completo.

Misturava-se o vinho dentro de mim, misturava-se

a ciência da minha carne

atónita. escuta: cada vez a minha vida

é mais hermética.

essa criança tem os pés na minha boca

dolorosa.

(...)

(Herberto Helder, Poesia Toda. Lisboa, Assírio & Alvim, 1981, pp. 112-113)

 

 

A MINHA VIDA, A MAIS HERMÉTICA

 

Este amor literal, o pormenor dos lábios, a aproximação

da consciência é a situação mais nítida sobre a profundidade dos gritos.

Sobre a colina tradicional, sendo a tradição um único

momento, estou na mesma situação de blake e na situação

de mim mesma quando ouvia o infinito no grito das crianças

e quando era evidente. Porém não terminava o crepúsculo, nem os jogos

se estavam a tornar obscuros, nem junto à casa aparecera a fisionomia da imagem

de mãe. Nada se opõe, tudo difere, este sistema simbólico

inclui os gritos, com mais numerosas referências.

 

Tudo o que disse com literalidade deverá parecer,

agora, o aviso de que a minha vida é a mais hermética.

 

(Fiama Hasse Pais Brandão, Novas visões do passado. Lisboa: Assírio & Alvim, 1975, p. 65)

 

Notas:

2 «ignorando», verso 7, com i minúsculo, que Herberto Helder copia corretamente da primeira edição da poesia reunida em 1974. A partir de Obra breve (Teorema, 1991), «Ignorando».

 


3 «O poema ensina a cair» (Jorge, 2008: 64)

 

4 Michael Hamburger: «Celan começou por expressar a experiência extrema a de um poeta nascido numa comunidade judaica de língua alemã na Romênia, alimentado com o «leite negro» do terror sob as ocupações alemã e russa, e sobrevivendo a esse terror para passar a viver em França. Apesar de escrever em alemão, seu purismo artístico tem paralelos mais próximos na poesia francesa contemporânea do que na poesia da Alemanha Ocidental ou Oriental. esse purismo artístico não se contenta com nada menos que ‘ataques de surpresa ao inarticulado’. Seria impertinente especular sobre quanto da prática final de Celan se deve à experiência extrema, quanto se deve ao rigor artístico de um modernista impertinente. O que é certo sobre os últimos poemas de Celan é que exploram os limites da linguagem e os da consciência, tenteando o caminho rumo a uma comunhão que possa ser religiosa ou mística, de vez que seu ponto de par- tida é a solidão total e seu destino está ‘no outro lado da humanidade.’» (2007: 410-411).

 

5 Maria Gabriela Llansol: «(...) identifiquei progressivamente ‘nós construtivos’ do texto a que chamo figuras e que, na realidade, não são necessariamente pessoas mas módulos, contornos, delineamentos. Uma pessoa que historicamente existiu pode ser uma figura ao mesmo título que uma frase (‘este é o jardim que o pensamento permite’), um animal, ou uma quimera. O que mais tarde chamei cenas fulgor (2004: 139-140).

 

6 Título de livro pioneiro de Maria Estela Guedes sobre Herberto Helder.

 

7 eduardo Prado Coelho: «eis a palavra: força. Não estado, mas processo. Não imitação, mas devir. Não ergon, mas energeia. Não representação, mas força. Ao situar-se num espaço comunicacional, Mukarovsky vai desenvolver as categorias necessárias para incentivar o que, alguns anos depois, Barthes havia de considerar a tarefa mais urgente da semiótica: pensar as intensidades. Podemos dizer que, em Portugal, esse trabalho tem sido feito nos textos «teóricos» de Herberto Helder: em especial, Photomaton & Vox (1982: 387).

 

8 Maria Gabriela Llansol: « Um homem a morrer chama-se moribundo, e a um livro?» (2004: 138).

 

9 Herberto Helder: «(...) e eu adormecia e sonhava um homem em voz alta (...)» (1981: 95).

10 Maria de Lurdes Saraiva sobre o «Transforma-se o amador na cousa amada» de Camões, que atravessa toda esta leitura de «Autor fragmento»: «este soneto tem sido investigado por todos os estudiosos das conceções filosóficas de Camões, e é em geral considerado como uma confissão de platonismo. A densidade ideológica desafia a condensação de qualquer perífrase. O que Camões nos diz é que, à força de pensar na amada, acaba por fazer parte dela mesma. Não pode, portanto, querê-la, pois ela está dentro de si. As duas almas são uma. que pode, pois, o corpo desejar? Mas, desta identidade, passa imediatamente à teoria aristotélica de essência e acidente. A essência de Aristóteles é a matéria; mas a matéria é categoria anterior à realidade que, pela inteligência ou pela passagem do virtual ao real (o acidente), se concretiza e realiza. Assim é a situação do Poeta: ideia pura, tão pura com a matéria simples, que busca o acidente que a realize, acidente que é, obviamente, a posse da amada.» (1980: 265). A frase que leva à nota foi escrita sobre dois poemas de Sophia: «Soneto à maneira de Camões» e «Camões e a tença». Sem falar, é claro, nos dois versos iniciais do primeiro poema de «Tríptico», que na edição de 1981 de Poesia toda é um único poema sem título: «‘Transforma-se o amador na coisa amada’ com seu/ feroz sorriso, os dentes, (...)» (1981, 17)

 

11 Sobre a pertinente polêmica questão da «morte do Autor» (Barthes) Fiama tem um notável poema-manifesto, hoje expurgado da sua obra poética. Trata-se de «Prefácio» (mais uma «prova» do seu gosto por A colher na boca), texto em 49 versículos, publicado em Homenagem à literatura, 1976. Por exemplo, p. 9: «Reconsiderar: (...) 4. o aprofundamento da personagem literária ou  simbólica,/ 5. a absoluta unicidade do Autor,/ 6. a absoluta necessidade do Autor, (...)»

 

12 Fiama Hasse Pais Brandão, «A Hugo»: «Ardente, uma palavra itinerante devorada pela Colher / na boca, as elegias, as Folhas de outono. Cantores / oiço, com a plumagem mirífica de parecerem pássaros prefaciadores. (...)» (1974: 257).

 

13 Luis Maffei: «Se poetas podem-se irmanar, Fiama escreve: ‘(...) sendo a tradição um único / momento, estou na mesma situação de blake’: ‘na mesma situação’ de Herberto Helder que, na parte ‘VII’ de ‘As musas cegas’, cronologicamente, portanto, antes do poema de Fiama, escreveu, sem deixar de ter em conta a inocência blakeana: ‘(...) cada vez a minha vida / é mais hermética’. Nesta formidável conversa, o poema de Fiama estanca a progressão do poema herbertiano, pois, no caso de ‘As musas cegas’, um processo, a ‘vida» sendo ‘cada vez’ ‘mais hermética’; isto aponta para um burilamento do próprio fazer poético rumo a um rigor ‘cada vez’ maior, e não perco de vista que, sendo ‘As musas cegas’, originalmente, dos anos 60, havia muita poesia ainda a se escrever no poema contínuo. Por outro lado, ‘o aviso’ de Fiama diz de um hermetismo construído, pronto e posto em perspectiva: ‘a minha vida é a mais hermética’, se não entre todas, pelo menos ‘a mais hermética’ possível. (...)» (2007: 435)

 

14 Izabela Leal: «Muito se tem falado, por exemplo, a respeito do exercício de reescrita ao qual Herberto Helder submete seus poemas. Tal prática poderia dar a impressão, à primeira vista, de estar atrelada a uma busca de perfeição poética, de refi- namento e depuração do texto em direção a um material irredutível. Mas se lembrarmos das alterações às quais o autor submeteu os poemas de Cobra, que eram modificados de exemplar para exemplar sobre o próprio texto impresso, veremos que não se trata de uma simples «correção» dos poemas, mas que tal ato é quase uma performance que visa a mostrar que o poema não é nunca uma realidade em repouso, mas algo que está permanentemente em construção, em movimento. O ato transgressor do poeta sobre o livro impresso aponta, em última instância, para uma dessacralização do poema, ao mostrar que este o é algo definitivo e insubstituível, que o tem uma aura, no sentido benjaminiano. Tudo nele pode ser alterado, remanejado, montado e desmontado. (...)» (2008: 120).

 

Fonte: “Acolher na boca, depois no chão dos olhos: o poema. Ou o dia em que Herberto Helder de uma queda foi ao chão da mão de Fiama Hasse Pais Brandão”, Jorge Fernandes da Silveira. In: Diacrítica. Série Ciências da Literatura. [23:3, 2009], Universidade do Minho. Centro de Estudos Humanísticos, pp. 87-93

 



CARREIRO, José. “quando Fiama deixou cair no chão a «Poesia Toda» de Herberto Helder”. Portugal, Folha de Poesia, 25-07-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/07/quando-fiama-deixou-cair-no-chao-poesia.html