Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Estou
deitado na margem. Dois barcos, presos a um tronco de salgueiro cortado em
remotos tempos, oscilam ao jeito do vento, não da corrente, que é macia,
vagarosa, quase invisível. A paisagem em frente, conheço-a. Por uma aberta
entre as árvores, vejo as terras lisas da lezíria, ao fundo uma franja de
vegetação verde-escura, e depois, inevitavelmente, o céu onde boiam nuvens que
só não são brancas porque a tarde chega ao fim e há o tom de pérola que é o dia
que se extingue. Entretanto, o rio corre. Mais propriamente se diria: anda,
arrasta-se - mas não é costume.
Três
metros acima da minha cabeça estão presos nos ramos rolos de palha, canolhos de
milho, aglomerados de lodo seco. São os vestígios da cheia. À esquerda, na
outra margem, alinham-se os freixos que, a esta distância, por obra do vento
que lhes estremece as folhas numa vibração interminável, me fazem lembrar o
interior de uma colmeia. É o mesmo fervilhar, numa espécie de zumbido vegetal,
uma palpitação (é o que penso agora), como se dez mil aves tivessem brotado dos
ramos numa ansiedade de asas que não podem perder voo.
Entretanto,
enquanto vou pensando, o rio continua a passar, em silêncio. Vem agora no
vento, da aldeia que não está longe, um lamentoso toque de sinos: alguém
morreu, sei quem foi, mas de que serve dizê-lo? Muito alto, duas garças brancas
(ou talvez não sejam garças, não importa) desenham um bailado sem princípio nem
fim: vieram inscrever-se no meu tempo, irão depois continuar o seu, sem mim.
Olho
agora o rio que conheço tão bem. A cor das águas, a maneira como escorregam ao
longo das margens, as espadanas verdes, as plataformas de limos onde encontram
chão as rãs, onde as libélulas (também chamadas tira-olhos) pousam a
extremidade das pequenas garras – este rio é qualquer coisa que me corre no
sangue, a que estou preso desde sempre e para sempre. Naveguei nele, aprendi
nele a nadar, conheço-lhe os fundões e as locas onde os barbos pairam imóveis.
É mais do que um rio, é talvez um segredo.
E, contudo,
estas águas já não são as minhas águas. O tempo flui nelas, arrasta-as e vai
arrastando na corrente líquida, devagar, à velocidade (aqui, na terra) de
sessenta segundos por minuto. Quantos minutos passaram já desde que me deitei
na margem, sobre o feno seco e doirado? Quantos metros andou aquele tronco
apodrecido que flutua? O sino ainda toca, a tarde teve agora um arrepio, as
garças onde estão? Devagar, levanto-me, sacudo as palhas agarradas à roupa,
calço-me. Apanho uma pedra, um seixo redondo e denso, lanço-o pelo ar, num
gesto do passado. Cai no meio do rio, mergulha (não vejo, mas sei), atravessa
as águas opacas, assenta no lodo do fundo, enterra-se um pouco. Mudou de sítio,
talvez o inverno arraste para mais longe, o restitua à margem donde o tirei.
Talvez ali fique para sempre.
Desço até
à água, mergulho nela as mãos, e não as reconheço. Vêm-me da memória outras
mãos mergulhadas noutro rio. As minhas mãos de há trinta anos, o rio antigo de
águas que já se perderam no mar. Vejo passar o tempo. Tem a cor da água e vai
carregado de detritos, de pétalas arrancadas de flores, de um toque vagaroso de
sinos. Então uma ave cor de fogo passa como um relâmpago. O sino cala-se. E eu
sacudo as mãos molhadas de tempo, levando-as até aos olhos – as minhas mãos de
hoje, com que prendo a vida e a verdade desta hora.
SARAMAGO,
José. Deste mundo e do outro. Crónicas. Lisboa: Caminho, 1985
I
– Questionário sobre a crónica de José Saramago
1.
O
excerto abaixo que melhor justifica o título do texto é o seguinte:
A) “... o
céu onde boiam nuvens que só não são brancas porque a tarde chega ao fim e há o
tom de pérola que é o dia que se extingue.”
B) “À
esquerda, na outra margem, alinham-se os freixos que, a esta distância, por
obra do vento...”
C) “E,
contudo, estas águas já não são as minhas águas. O tempo flui nelas,
arrasta-as...”
D) “Cai
no meio do rio, mergulha (não vejo, mas sei) atravessa as águas opacas,...”
E) “Desço
até a água, mergulho nela as mãos, e não as reconheço.”
2.
Analise
as afirmações sobre as reflexões do narrador do texto e assinale a alternativa incorreta.
A) O
narrador compara o correr do rio ao passar do tempo. Assim como a água passa e
não volta, sempre fluindo na mesma direção, o tempo passa e não volta.
B) Como o
tempo passa rapidamente, as águas também fluem e mudam. Portanto, são as mesmas
águas de quando ele ali adormeceu.
C) O
narrador tenta reter com suas mãos, no presente, “a vida e a verdade” daquela
hora. Ele sabe que tudo vai passar, pois o tempo é efémero.
D) A “ave
cor de fogo”, que passa como um relâmpago, representa o despertar do narrador
que, depois de ver o passado a esvair-se e o sino calando-se, volta à
realidade, ao presente.
3.
Após
a leitura do texto, observa-se que se trata de:
A) Uma
descrição objetiva em que o observador apresenta o tema-núcleo de maneira
impessoal.
B) Uma
narração, pois o seu conteúdo está vinculado às ações ou acontecimentos
contados por um narrador.
C) Uma
fábula, em que o espaço é simplificado, não há variações de ambiente; as
personagens são animais personificados.
D) Uma
descrição subjetiva em que o observador apresenta o tema-núcleo de maneira
pessoal, externando as suas impressões pessoais.
E) Um
conto, apresenta um único conflito, tornado já próximo do seu desfecho.
4.
Selecione
a alternativa incorreta:
A) A
narrativa é narrada em primeira pessoa, instaurando o narrador personagem, que
é o responsável pelas reflexões no desenrolar da história, estas carregadas de
sentimentalismo.
B) A
personagem encontra-se no presente relembrando o passado, todavia, não se tem
uma localização temporal exata, ao contrário do espaço, que é claramente
definido, pois a história desenvolve-se nas margens de um rio.
C) Com a afirmação
“Estou deitado na margem” o narrador indica que observa o rio e o tempo como se
estivesse do lado de dentro, e não imerso no tempo.
D) À
medida que o narrador contempla o cenário à margem do rio, as águas continuam a
correr lentamente.
5.
Observe
os seguintes excertos: “Entretanto, o rio corre.”; “Vejo passar o tempo.”
Considerando os excertos destacados no contexto apresentado, pode afirmar-se
que:
A) O tempo é comparado a um rio
diante das observações do narrador.
B) O
tempo passa rapidamente.
C) Todos
nós temos um “rio” interior.
D) “O coração
não sente o quê os olhos não veem.”
E) “Os
olhos são o espelho da alma.”
6.
Através
de qual dos excertos abaixo, é possível perceber que há uma forte ligação entre
o narrador e o rio?
A)
“Entretanto, enquanto vou pensando, o rio continua a passar, em silêncio.”
B)
“Entretanto, o rio corre.”
C) “Este
rio é qualquer coisa que me corre no sangue, a que estou preso desde sempre e
para sempre.”
D) “Cai
no meio do rio, mergulha (não vejo, mas sei), atravessa as águas opacas,...”
E) “... o
rio atingido de águas que já se perderam no mar.”
7.
No
3.º parágrafo, o narrador-participante refere a inutilidade de anunciar quem
havia morrido, embora o soubesse. A leitura que se faz deste episódio aponta:
A) Na
verdade, o narrador não sabia quem havia morrido, é apenas uma simulação.
B) Para o
narrador a morte não importa, o que importa é o rio.
C) Diante
da sua preocupação com o rio, o narrador mostra-se egoísta e soberbo.
D) Alguém
superficial, que não dá atenção ao que realmente importa.
E) A
brevidade da vida, não o que fazer diante da morte.
8.
Assinale
a alternativa em que há uma associação entre o pronome e a palavra que ele
substitui no texto:
A) “A
paisagem em frente, conheço-a”. – corrente –
B) “...
por obra do vento que lhes estremece...” – freixos –
C) “...
mas de que serve dizê-lo?” – toque de sinos –
D) “...
conheço-lhe os fundões e as locas...” – locas –
E) “...
arrasta-as e vai arrastando na corrente...” – minhas –
9.
Assinale
a afirmação falsa:
A) À
languidez destas águas, que mansamente vão andando porque o excesso, o vestígio,
não lhes permite o curso natural, opõe-se um cenário fervente, uma ânsia de
algo por acontecer.
B) O
sujeito, que começa por nos informar estar deitado, ou seja, estar ali, no
presente deste lugar, apenas se apreendeu dele para memorizar, já que é num agora
que o pensa, que o vê.
C) Talvez
por isso, estremecer, fervilhar, oscilar, boiar, arrastar, brotar, zumbir,
palpitar, vibrar, verbos ricos de movimento e de ruído, necessitem coincidir com
a posição do sujeito e com a sua atividade silenciosa: pensar.
D) Este
cronista, esta testemunha, precisou suspender um tempo para trazer outro à sua
atualidade.
10.
Assinale
as duas afirmações verdadeiras:
A) Existe
uma ténue ligação entre o narrador e o rio, comprovada quando o observador
relata o seu profundo conhecimento sobre o rio, as suas características e a
paisagem que o cerca.
B) Dentro
do imaginário vivido pelo narrador, somando-se à passagem descrita, há o sino
que toca, anunciando a morte de alguém, e o bailado de garças que também se
vão. Nessa passagem, o que se percebe é o trabalho de Saramago em sugerir que com
o tempo superamos tudo.
C) A vida
é efémera ou passageira, assim como as águas do rio que passam rápida ou
lentamente, ou ainda como as garças que continuarão sua trajetória com o
narrador.
D) Assim
como as águas do passado fluíram para o mar e não são mais as mesmas, o
narrador percebe que o tempo se foi e que ele se modificou.
E) Percebemos
na expressão “e eu sacudo as mãos molhadas de tempo” que o narrador sacudindo
as mãos, metaforicamente, sacode a água e o tempo guardados ou contidos até
aquele momento.
Chave
de correção:
1-C;
2-B
(Correção: Como o tempo passa rapidamente, as águas também fluem e mudam.
Portanto, não são as mesmas águas de quando ele ali adormeceu.)
3-D;
4-C (Correção:
Com a afirmação “Estou deitado na margem” o narrador indica que observa o rio e
o tempo como se estivesse do lado de fora, e não imerso no tempo.)
5-A;
6-C;
7-E;
8-B;
9-C (Correção:
Talvez por isso, estremecer, fervilhar, oscilar, boiar, arrastar, brotar,
zumbir, palpitar, vibrar, verbos ricos de movimento e de ruído, necessitem contrastar
com a posição do sujeito e com a sua atividade silenciosa: pensar.
10-D, E
(Correção das afirmações falsas:
A - Existe uma forte ligação
entre o narrador e o rio, comprovada quando o observador relata o seu profundo
conhecimento sobre o rio, as suas características e a paisagem que o cerca.
B - Dentro do imaginário vivido
pelo narrador, somando-se à passagem descrita, há o sino que toca, anunciando a
morte de alguém, e o bailado de garças que também se vão. Nessa passagem, o que
se percebe é o trabalho de Saramago em sugerir que o tempo consome tudo.
C - A vida é efémera ou
passageira, assim como as águas do rio que passam rápida ou lentamente, ou
ainda como as garças que continuarão sua trajetória sem o narrador.)
(Adaptado de: “A Fugacidade do Tempo e a Efemeridade
das Coisas em José Saramago e Mia Couto” - Santos & Silva (2016). Saramago:
Escrever, Interromper. Narrativas breves de José Saramago: problemáticas de um
lugar discursivo. – Maria Roque (2016). https://www.questoesestrategicas.com.br/simulados/resolver/58336d5513fa8-if-ro-professor-superior.
https://www.cin.ufpe.br/~wsr/PORTUGUES.pdf)
II
- Textos de apoio
Notas nas margens de uma crónica de José
Saramago
Se a
natureza híbrida da crónica a remete, por vezes injustamente, para a margem da
paraliteratura, em Saramago, ela capta o tempo dos homens nos seus dias comuns
e responde, na sua concisão, à necessidade de deriva ou de ficcionalidade que o
olhar sobre o mundo (real ou seu alternativo) potencia. Excluo desta minha reflexão
as crónicas políticas e de atualidade histórica e penso em Deste Mundo e do
Outro (1971) e A Bagagem do Viajante (1973) que reúnem anotações de
instantes, depoimentos reflexivos, pequenas histórias filtradas por uma
primeira pessoa imersa no mundo. Com elas vêm também ecos literários e
artísticos que fazem a malha do texto; vêm gestos de memória ancorada na
paisagem, onde estão marcadas as suas idades e a presença dos seus habitantes.
Sigo, em
parte, a sugestão de José Saramago, apenas enunciando (não mais do que isso) numa
crónica o rasto de um ou outro dos muitos rumos que, entretanto, os seus
romances tomaram. Elejo, assim, um texto único de Deste Mundo e do Outro
em que o devir temporal vai preenchendo os movimentos espiralados da escrita, numa
lógica de caixas chinesas: sobre uma nota de paisagem constrói-se um autorretrato
íntimo, povoado de memória pessoal e literária, que fundamenta ilações sobre o
homem como ser de tempo. Em «Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio»,
o apontamento descritivo ganha a dimensão de uma pequena história, de uma
experiência existencial e, simultaneamente, um significado alegórico sobre o
tempo humano no fluxo do mundo, tópico aliás transversal à recolha de crónicas
de que esta é extraída.
Neste
texto, acompanharei, como um percurso exploratório, a construção da paisagem e
as principais figuras de retórica que a suportam, organizadas em torno da
metáfora condutora do conhecimento, o olhar. Não se trata, portanto, de um
cenário mas de um espaço semantizado pelos traços naturais e humanos, cuja aliança
se estreita até chegar à fusão plena na metáfora da historicidade humana, as
«mãos molhadas de tempo». Domina, por outro lado, a noção de caminho percorrido
no esforço de dar por palavras a noção de uma experiência, de desvelar o que está
para lá da epiderme do espaço físico e de pensar cada um desses atos, a partir
da frase inaugural «Estou deitado na margem.»:
«Estou
deitado na margem. Dois barcos, presos a um tronco de salgueiro cortado em
remotos tempos, oscilam ao jeito do vento, não da corrente, que é macia,
vagarosa, quase invisível. A paisagem em frente, conheço-a. Por uma aberta
entre as árvores, vejo as terras lisas da lezíria, ao fundo uma franja de
vegetação verde-escura, e depois, inevitavelmente, o céu onde boiam nuvens que
só não são brancas porque a tarde chega ao fim e há o tom de pérola que é o dia
que se extingue. Entretanto, o rio corre. Mais propriamente se diria: anda,
arrasta-se - mas não é costume.»
Pode
dizer-se que a crónica escolhida, como muitas outras do seu autor, tem uma
estrutura dual o que, em termos estritamente narrativos, se traduz na passagem
da imobilidade contemplativa do narrador-personagem para o seu movimento de
descida até às águas do rio, que ativa o registo narrativo. Veremos, todavia, que
a orgânica textual é mais rica do que esta evolução bipolar.
Paremos,
estrategicamente, no incipit. Retenho, em primeiro lugar, a ideia de que
a multiplicidade do real é ordenada por um sujeito imóvel, mas cujo olhar
desliza e, aos poucos, vai combinando os dados parcelares que o rodeiam. Aí se
materializa o quadro da paisagem: os barcos, o tronco de salgueiro, as árvores,
a lezíria, a vegetação e o céu são modelados num conjunto homogéneo, determinado
em profundidade, na perspetiva do plano mais próximo para o mais afastado.
O
princípio básico da descrição do lugar fluvial vem, portanto, da metonímia pois
é ela que combina sintaticamente os elementos subsidiários e lhes dá
contiguidade, sempre na dependência de um olhar explicitado («vejo») que
reivindica o valor acrescentado de autoridade («conheço-a»). Funciona neste ato
metonímico, de combinar dados, a natureza constatativa, a perceção e designação
referencial do mundo, numa continuidade que a própria linha da prosa favorece
pelo seu ritmo semântico, pela reiteração e remodelação lexical, e pela sua
frase melódica.
Convém
precisar que, neste caso, não se optou pela estratégia realista da janela como
lugar limítrofe e sobranceiro, donde uma personagem observadora toma verosímil
a extensão de pormenores sobre a paisagem (cf. Hamon, 1981: 205). Ao contrário,
o somatório de pormenores é arrumado a fim de recortar a presença de um corpo
sensualizado na paisagem e que, portanto, é fundado e fundador dela mesma. Em
termos retóricos, a articulação de conteúdos distintos circunscreve a moldura
do continente (a paisagem), dando-lhe uma noção de profundidade de campo, ao ser
apreendido de dentro. Nessa medida, não há planos segregados mas um campo
abrangente, uma rede de elementos investidos por um corpo que revela a sua experiência
do espaço, passível de reajustes consoante a estratégia de representação
adaptada. Gradualmente, no avançar do texto, vai-se tomando nítida «uma conceção
do exterior como forma de interior (isto é, um espaço de vivência e não apenas
de espetáculo)» (Buescu, 1990: 106).
Concretizado
pela enumeração, o trabalho metonímico discrimina e processa o alargamento das
sensações do eu, da margem do rio até à aldeia, onde soam os sinos fúnebres, e
do rio ao céu, o que poderia constituir um exercício de objetivação do real. Só
que, em paralelo, o crescendo de pormenores é investido por marcas da perceção
do narrador, do seu lugar, do seu saber e dos seus afetos, sendo o remate ou
abertura de parágrafo pontuados pela referência insistente ao rio: numa espécie
de regresso instável, o rio é um motivo sucessivamente remodelado, sublinhando com
maior nitidez o movimento mental em curso que está a tentar dar conta da
paisagem pela palavra:
«Entretanto,
o rio corre. Mais propriamente se diria: anda, arrasta-se (...)».
«Entretanto,
enquanto vou pensando, o rio continua a passar, em silêncio.»
«Olho
agora o rio que conheço tão bem.»
O
exercício de racionalizar e passar a texto o espaço exige asserções justapostas,
cortadas por derivas, hesitações e autocorreções nos termos usados. Na primeira
citação transcrita, sobressai, desde logo, o esforço clarificador da emenda (cf.
sublinhado meu). A ele se segue o recurso concretizante e recriador da metáfora
que funde elementos de posição espacial distinta - há um transvase ascendente
na metáfora verbal «O céu onde boiam nuvens» - e que animiza o rio («anda,
arrasta-se»). Com tal medida, o fio da escrita parece estar a encontrar pontos
de contaminação e a responder a uma linha semântica de extinção (do dia e de vários
sinais de vida), segundo as reações e afetos da personagem narradora.
Escolho
outro exemplo em que as folhas dos freixos são tomadas pelo efeito
transfigurador do olhar, em claro benefício do visualismo descritivo. Sucessivamente
aproximadas por comparação, a insetos e pássaros, as folhas são contaminadas na
sua natureza em frases justapostas que se corrigem umas às outras, com a
estratégia da aproximação e semelhança (cf. sublinhados meus):
«(...)
as folhas numa vibração interminável, (...) fazem[-me] lembrar o interior
de uma colmeia. É o mesmo fervilhar, uma espécie de zumbido
vegetal, uma palpitação (é o que penso agora), como se dez mil aves
tivessem brotado dos ramos numa ansiedade de asas que não podem erguer voo.»
O
investimento retórico que assinalamos nesta espécie de quadro acústico
confere à experiência sensorial uma força recriativa do imaginário, particularmente
conseguida também pela inclusão de metáforas, ramificadas a partir do termo
primeiro, «vibração» («fervilhar», «palpitação», «ansiedade de asas»), cada vez
mais expandidas na sintaxe e na colagem personificadora aos afetos humanos. E,
ao mesmo tempo, a linguagem ultrapassa a designação referencial do espaço,
mostrando, com o parênteses, um eu-que-está-a-pensar, num trabalho em
progresso, realizado ao longo da sua própria escrita.
Torna-se
mais intenso o enraizamento e corporalização deste sujeito no território que,
como disse, tem um ponto de apoio reiterado no rio, pelo que, de seguida, há
uma focagem intensa sobre o lugar fluvial com uma lente mais poderosa: de um tal
gesto de concentração resulta a enumeração meticulosa, quase microscópica, das
águas, plantas e seres minúsculos do seu caudal. E aqui o rio deixa de ser um
mero elemento da paisagem, contíguo em relação ao observador, e passa a estar
preso, ele é interiorizado no seu corpo, correndo-lhe nas veias. A metáfora faz
do rio uma parte intrínseca do eu que o coloniza afetivamente, a ponto de este
elemento espacial vir a perder os seus contornos iniciais, estritamente
físicos: «É mais do que um rio, é talvez um segredo.». Ainda modalizado pela
dúvida, o rio sofre uma transferência na sua significação, para lá da lógica do
mundo que a metonímia assegurou até aqui. Ele passa a estar no lugar do íntimo do
sujeito e materializa visualmente o tempo e a sedimentação de esquecimentos e
memórias que constroem esse ser humano.
A tarefa
de escrever o espaço exige, deste modo, que a mera ligação de elementos
contíguos fuja para o impulso da metáfora. Já que mostra explicitamente o dizer
na sua feitura, a descrição da paisagem é um caminho de tentativas
insatisfeitas que insistem em desvelar os ritmos subterrâneos do panorama de
que o observador afinal não se pode separar, porque está nele. Mas insistem também
em mostrar o curso do pensar passado a escrito que é acompanhado, passo a
passo, num efeito de presentificação. Nas palavras de Maria Lúcia Lepecki:
«Escrever
começa, então, no próprio momento em que entramos no perguntar daquilo que
está além do óbvio, no momento em que ficamos a saber que não apenas as
coisas são, mas que elas são por uma razão qualquer que não se vê ao primeiro
olhar. Ou seja, a escrita começa quando a nossa inteligência dá início ao
processo de desvelamento: o óbvio não conduz à feitura de quaisquer textos.
Toda a textualidade se faz sobre o oculto, mesmo que este seja uma reconversão –
evidentemente de natureza filosófica – daquilo que se nos apresentou como
adquirido, o natural, o consabido, o não problemático.» (1998: 12)
Uma vez
que a palavra consubstancia o modo de percecionar, pensar e construir o mundo,
modelizando-o, neste texto o rio potencia o contínuo trabalho metonímico, na
sua tentativa incansável de nomear e conhecer o real, o que depois cabe à
metáfora concretizar e enriquecer. Ao ser explorado na narrativa, é o discurso
metafórico que permitirá desvelar, com propriedade, o tempo inscrito na
paisagem líquida, até revelar, no epílogo, a irrupção intensa da memória
infantil no corpo que aí aprendeu a nadar, nas marcas físicas deixadas nas mãos
que, trinta anos antes, lançavam seixos às águas:
«Desço
até à água, mergulho nela as mãos, e não as reconheço. Vêm-me da memória outras
mãos mergulhadas noutro rio. As minhas mãos de há trinta anos, o rio antigo de
águas que já se perderam no mar. Vejo passar o tempo. Tem a cor da água e vai
carregado de detritos, de pétalas arrancadas de flores, de um toque vagaroso de
sinos. Então uma ave cor de fogo passa como um relâmpago. O sino cala-se. E eu
sacudo as mãos molhadas de tempo, levando-as até aos olhos – as minhas mãos de
hoje, com que prendo a vida e a verdade desta hora.»
Daí que o
narrador dê conta e verbalize o seu confronto existencial com o passado e
escolha a metáfora para concretizar a transferência semântica, para que veja
passar o tempo nas águas e reconheça as suas «mãos molhadas de tempo».
O rio
estimula, sem dúvida, uma espécie de gesto narcísico do eu que encontra o outro
de si, da infância passada. Aí afina a medida individual do tempo que, na linha
da escrita, se vai ela própria corrigindo por camadas, sucessivamente
desveladas para lá do óbvio. Por isso, a metáfora tópica do rio, anunciada no
motivo heraclitiano que dá título à crónica, é também ela reformulada, no seu remate.
Num
primeiro momento, surge a imagem das águas, sem retomo, perdidas no mar, e que,
devastadoramente, fazem do ser humano alguém que se senta desistente na margem
a ver-se passar: por isso, o eu surge contemplativo, deliberadamente isolado do
mundo e do «lamentoso toque de sinos», vindo da aldeia ao fundo, e longe das
garças no seu «bailado sem princípio nem fim». Essa atitude não anda longe da
do latinista Ricardo Reis que, no romance saramaguiano, contempla o seu rio e
se alheia das chamas das várias Addis-Abebas da história sua contemporânea, que
desesperada mas inutilmente tenta apagar.
Só que,
no último parágrafo, a metáfora-base do rio, como fluxo imparável do tempo, é
intersectada e enriquecida por outra metáfora em afirmação, a do aluvião: «Vejo
passar o tempo. Tem a cor da água e vai carregado de detritos, de pétalas
arrancadas de flores, de um toque vagaroso de sinos». As águas arrastam consigo
sedimentos de destruição que, mais tarde, ao transbordarem, poderão ser
depositadas em jazigo mineral precioso, numa margem qualquer. Sublinho que, uma
vez rasurada a palavra «rio» no resto do texto, só o comparante, o tempo, está
marcado no discurso e, assim, prenuncia a evolução para uma metáfora in
absentia que espacializa o tempo.
De
qualquer modo, o rio constitui um polo irradiador de significação simbólica:
por ele temos a «inscrição de um tempo que encontra no seu espaço material a medida
tangível da sua apreensão» (Seixo, 1984: 73). Por ele se orienta um olhar
singular que sabota a imagem do continuum temporal e gradualmente
desvela as marcas contraditórias e simultâneas que a História ritmou, imprimiu e
recalcou na paisagem, com arrumação caótica. Pelo rio se evolui, então, da
ideia de um tempo linear e homogéneo para as durações múltiplas de cada momento
histórico.
Toda a
paisagem fluvial ganha corpo ao ser sucessivamente percorrida e investida por
uma apreensão e, portanto, desde o incipit, vibra em múltiplos sinais
sobrepostos, logo naquele «tronco de salgueiro cortado em remotos tempos» ou
nos «aglomerados de lodo seco» que indiciam «Vestígios da cheia». Afinal, o
olhar vai assinalando, vai levantando do chão as suas sinuosidades,
aparentemente invisíveis, as virtualidades simultâneas que o tempo
pacientemente acumulou: nesse sentido, este lugar lembra imenso as cores do
tempo impressas na planície alentejana que é o mapa da história esquecida dos
camponeses, em Levantado do Chão; lembra ainda a parede da cidade moura,
na História do Cerco de Lisboa; ou, mesmo, o ficheiro de inscrição do registo
civil de Todos os Nomes.
A
nomeação do mundo é acompanhada a par e passo e segundo o ângulo singular de um
observador que aí inscreve sentidos e aí é recortado na sua constituição e
evolução. Insisto em dizer que esta paisagem não é um espetáculo marginal,
contíguo, mas é a vivência de um corpo com sensações visuais e auditivas que se
vão mesclando, quase até assumir a sinestesia. Além disso, nomear aqui o real,
no seu fluxo contraditório, é dá-lo em texto, consciente de cada um dos
procedimentos e materiais necessários à escrita e, inclusive, do tempo de
representação desse mesmo lugar. Não esqueçamos que, no epílogo, o tempo-rio
arrasta detritos dos materiais usados na (composição da) paisagem, entre eles
«um toque vagaroso de sinos». Este lugar fluvial consegue, inegavelmente,
identificar o contorno de quem o constrói, na medida em que ele é «a forma de o
sujeito se posicionar dentro de um mundo, de se pensar dentro dele e em relação
a ele» (Buescu, 1990: 110), até como seu construtor textual, acrescentaria eu.
«Ninguém
se banha duas vezes no mesmo rio» mantém uma vigilância constante sobre a sua
escrita, obrigando-a a uma incansável reformulação, o que se comprova no gesto de
aperfeiçoar a metáfora do conhecimento, o olhar, que busca os sentidos na
paisagem, com uma sua substituta, as mãos. No plano simbólico, as duas metáforas
equivalem-se, já que ambas permitem fazer coisas, criar artefactos, moldados
pelas marcas idiossincráticas e contingentes do seu autor. Só que as mãos
implicam uma sensorialidade acrescida, mais intensa, do sujeito, na proximidade
do tato e, claro, uma intervenção decidida, festiva e mais visivelmente
criadora:
«E
eu sacudo as mãos molhadas de tempo, levando-as até aos olhos – as minhas mãos
de hoje, com que prendo a vida e a verdade desta hora.».
Se a
palavra é fundadora do lugar e do eu que no seu seio o escreve, é graças a esta
nova e derradeira metáfora («as mãos molhadas de tempo») que se proporciona uma
cena de sagração da historicidade. Ao sentido trágico, impotente, de perda, no
curso linear e imparável das águas, sucede a ressurreição, como um batismo,
porque a água impregna e integra a personagem no corpo da paisagem,
temporalizado em todas as suas manifestações, da dimensão cósmica até à escala
mais reduzida das «plataformas de limos » deslizantes, que é o chão das rãs e
libélulas. Sem conseguir reter o tempo, o eu não se fica como espectador passivo:
adere e inscreve o seu corpo num real vibrante de tempo( s) e a que foi
conferindo sentido(s ), sempre inacabado(s), sempre sujeito( s) a um trabalho
de emenda e apuro. A paisagem e o discurso sobre ela estão, com efeito,
irremediavelmente contaminados pela historicidade.
[…]
Ler mais em: “Notas nas margens
de uma crónica de José Saramago”, Carina Infante do Carmo. In: Vértice n.º
91, julho-agosto de 1999. Disponível em: http://hdl.handle.net/10400.1/5831
“Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”,
de José Saramago: utopia à “vida e a verdade” daquela hora
[…]
Tendo em
vista a analogia entre as águas do rio e o tempo, podemos fazer a seguinte
indagação: como o narrador recorda a passagem do rio? O narrador faz esse
resgate à memória através da cor e da consistência da água, que faz o
observador lembrar o tempo passado. O rio está cheio de detritos e de
lembranças, como a do sino a soar. Por se tratar de uma crónica lírica, o
emprego de muitos termos com significado figurado é frequente, assim podem ser
notados, também, o emprego de algumas figuras de linguagem pelo autor.
Ao
decorrer da narrativa, o narrador tenta reter com suas mãos, no presente, “a
vida e a verdade” daquela hora, nesta passagem há um belo trabalho de Saramago
com o emprego da metáfora, na verdade o que o narrador pretende nos dizer é que
ele sabe que tudo vai passar, pois o tempo é efémero.
A
metáfora quando bem utilizada dá o realce ao texto de não servir apenas como um
significado figurado, mas sim, a partir dela criar certas expectativas no
leitor, como se percebe na citação a seguir, “Então uma ave cor de fogo passa
como um relâmpago”. A simbolização aqui empregada por Saramago é o despertar do
narrador – que, depois de ver o passado se esvaindo e o sino calando-se, volta
à realidade, ao presente.
Saramago
utiliza muito em sua crónica palavras em sentido figurado, desse modo, faremos,
neste momento, um recorte de algumas passagens da narrativa e tentaremos
mostrar o verdadeiro significado que essas palavras assumem no texto. “(...)
vejo as terras lisas da lezíria, ao fundo uma franja da vegetação (...)”, o
termo figurado “lezíria”, significa nesse contexto em que está empregado,
“margem de rio”, são as terras lisas da margem do rio que são vistas; “(...) as
espadanas verdes, as plataformas de limos onde encontram chão as rãs (...)”, os
termos figurados “espadanas” e “limos”, significam nesse contexto, respetivamente,
“ervas aquáticas” e “lodo”; “ (...) alinham-se os freixos que, a esta
distância, por obra do vento (...)”, o termo figurado “freixos”, significa nesse
contexto “plantas”, são as plantas que se aliam; “(...) conheço-lhe os fundões
e as locas onde os barbos pairam imóveis”, os termos figurados “locas” e
“barbos”, significam no contexto em que estão empregados, respetivamente,
“grutas pequenas” e “peixes”.
O
trabalho de Saramago nessas expressões figuradas é riquíssimo e dar uma
sonoridade e uma poetização a linguagem do texto. Esse recurso utilizado pelo o
autor é possível ser percebido durante toda a narrativa, como, também, no
exemplo a seguir: “Apanho uma pedra, um seixo redondo e denso (...)”, a
expressão “seixo”, é empregada na crónica com o sentido de “cascalho (ou pedra
pequena e arredondada)”.
O
escritor português não fica apenas no sentido figurado de algumas palavras e
nem tão pouco no emprego de algumas metáforas, ele, magistralmente, vai além.
Nota-se, também, o emprego de mais duas figuras de linguagem: a hipérbole e a
prosopopeia. Vejamos essas figuras nos seguintes exemplos, a seguir.
É o mesmo
fervilhar, numa espécie de zumbido vegetal, uma palpitação (é o que penso
agora), como se dez mil aves tivessem brotado dos ramos numa ansiedade de asas
que não podem erguer voo. Entretanto, enquanto vou pensando, o rio continua a
passar, em silêncio.
Muito
alto, duas garças brancas (ou talvez não sejam garças, não importa) desenham um
bailado sem princípio nem fim: vieram inscrever-se no meu tempo, irão depois
continuar o seu, sem mim. Olho agora o rio que conheço tão bem.
A
expressão “dez mil aves,” foi empregada no sentido figurado, portanto, há um
exagero de linguagem, levando à figura de linguagem denominada hipérbole. A
prosopopeia, que é a atribuição de características humanas a seres inanimados,
é apresentada no seguinte exemplo: “O sino ainda toca, a tarde teve agora um
arrepio (...)”, a tarde reage, nesse exemplo, como um ser vivo ao arrepiar-se.
No segundo exemplo exposto, percebemos mais uma vez a figura de linguagem
denominada de prosopopeia empregada pelo autor. Saramago atribui
características humanas as garças pelo fato, de desenharem um bailado,
características que, se não pelo efeito poético, e criativo do escritor, seria
impossível de acontecer. Segundo foi verificado, o escritor utilizou muito dos
recursos linguísticos, retóricos e expressivos em sua crónica; ele foi
audacioso e muito original em ‘brincar’ com a denotação e a conotação das
palavras.
Quando o
emissor ou locutor busca objetividade ao transmitir a mensagem, temos a linguagem
denotativa através da função referencial. As palavras são empregadas em sua
significação real, usual e literal. A conotação é o emprego de uma palavra
através de um sentido incomum, figurado, circunstancial, que depende sempre do
contexto. Muitas vezes é um sentido poético, fazendo comparações, como já foi
demonstrado neste trabalho.
A discussão
aqui proposta se assenta na conceção de que em Saramago, é nítido o trabalho de
poetização da linguagem e de alerta para os problemas da sociedade. Foi
pensando nessa e em outras questões que nos propomos a fazer um estudo desse género
textual - a crónica -, que por vez se encontra muito atual e nos faz, enquanto
seres humanos, refletir muitas questões, que às vezes se encontram em meio a
esse cenário caótico e destoante, muito obsoletas.
Por se
referir a um género textual em que sua materialidade linguística e seu
propósito comunicativo é típico de factos do quotidiano, o autor apresenta um
jeito próprio de escrever, ora são apresentados parágrafos longos sem nenhuma
pontuação, a não ser a vírgula; ora são apresentados parágrafos curtos, mas que
dizem muito em questão de significados e em harmonia literária.
Saramago,
também apresenta em sua crónica com bastante maestria e audácia, a confusão
e/ou paralelismo entre o que ele caracteriza como personagem e narrador. Por
vezes, ficamos em dúvida se o que está sendo relatado é uma visão/fala do
narrador ou se é do personagem. Saramago é um dos poucos escritores que nos
fazem refletir. Ler o autor é saber ler também o que está nas entrelinhas.
Além
disso, o ser social é caracterizado no enredo. Ao nascer o indivíduo possui
determinados traços sanguíneos que o fazem pertencer a alguma família, estas
possuem condições diferenciadas, então é como se já nascêssemos com um destino
pré-meditado, cabendo ao indivíduo mudar ou permanecer inerte a determinadas
situações sociais. Contudo, os traços culturais de seu povo em seu sangue são
para sempre.
A cor das
águas, a maneira como escorregam ao longo das margens, as espadanas verdes, as
plataformas de limos onde encontram chão as rãs, onde as libélulas (também
chamadas tira-olhos) pousam a extremidade das pequenas garras – este rio é
qualquer coisa que me corre no sangue, a que estou preso desde sempre e para
sempre.
A crónica
em estudo ainda pode ser comparada a outras também escritas pelo autor, como é
o caso das que são dedicadas aos seus antepassados, “Carta a Josefa, minha avó”
e “O meu avô também,” tanto na crónica quanto nessas cartas, o eu-lírico,
reflete sobre vários aspetos quotidianos: o tempo, a infância, a água, a
saudade, a vida e até a morte. Esses aspetos/Essas temáticas são temas
recorrentes em crónicas Saramaguianas.
E era um
homem. Um homem igual a muitos desta terra, deste mundo, um homem sem
oportunidades, talvez um Einstein perdido sob uma camada espessa de
impossíveis, um filósofo (quem saber?), um grande escritor analfabeto. Alguma
coisa seria, que não pôde ser nunca.
O clímax
da crónica é atingido quando o presente se cruza com o passado, o velho com o
novo, numa profunda reflexão sobre a existência humana. O trabalho com a
efemeridade do tempo e a transitoriedade da vida são temas muito subjetivos
que, na sociedade pós-moderna, acabam passando cada vez mais rápido. O tempo é
um tema recorrente, que chama a atenção da humanidade desde os primeiros
filósofos, como é o caso de Heráclito com sua teoria “tudo flui” ou “tudo
passa”, onde ele defendia que “O mesmo homem não pode atravessar o mesmo rio
duas vezes, porque o homem de ontem não é o mesmo homem de hoje, nem o rio de
ontem é o mesmo de hoje”.
[…]
Ler mais em: “A fugacidade do tempo e a efemeridade das coisas em José
Saramago e Mia Couto: Diálogos com a transitoriedade da vida”, Deividy Santos
e Edvania Silva. In: Revista Diálogos , n.° 15 – mar. / abr. – 2016 –
issn: 2236‐ 1499 95.
CARREIRO, José. “Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio - crónica de José Saramago”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 22-04-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/04/ninguem-se-banha-duas-vezes-no-mesmo.html