quinta-feira, 28 de julho de 2022

A Viola e a Viagem, Mar&Ilha

A Viola e a Viagem, Mar&Ilha

 


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credits

releases August 4, 2022

All the musical arrangements in this album were made by Mar&Ilha (Sara Miguel, Marcos Fernandez, Jorge Canarinho Silva and Rui Silva)

Recorded in Lava Homes, mixed and mastered by Ricardo Torres and Daniel Santos - 2022

Album photos by Austèja Liu
Album design by Edmond Haider


Mar&Ilha

Mar&Ilha é um projeto musical conceptualizado por Sara Miguel para celebrar a viola da terra em toda a sua versatilidade, criado em 2019, a convite da Miratecarts para comemorar, em concerto, o primeiro Dia da Viola da Terra, no Auditório da Madalena do Pico.

O sucesso da atuação levou à repetição do concerto que, após a pandemia, ressurge como projeto de continuidade, passando, em 2021, de trio a quarteto. Dele fazem parte, além da cantora portuense Sara Miguel, o guitarrista galego Marcos Fernandez, o tocador de viola da terra picaroto Jorge ‘Canarinho’ Silva e o percussionista e artesão de adufes beirão Rui Silva, todos residentes na ilha montanha.

https://praiaexpresso.com/2021/10/20/marilha-em-volta-a-diaspora-em-viola-na-temporada-cultural-2021/ 




SINA

 

Nas linhas da minha mão

Cabe um dia e mais um dia,

O segredo e os mistérios

De outra caligrafia

 

E os traços com que desenho

Um perfil a inventar

Trazem na sua incerteza

Um vago rumor de mar.

 

Sete notas, um compasso

Dó ré mi fá sol lá si,

Sete voltas ao destino

E ao sonho que percorri

 

Há um pássaro poisado

Na pauta do meu olhar,

Como quem fica à espera

De um barco por abalar

 

E nas cordas afinadas

Por um tom que desconheço

Tudo vibra em sobressalto

Como se fosse um começo.

 

Urbano Bettencourt

 

Mar&Ilha no Festival de Música Terra dos Barcos, em Santo Amaro, agosto 2022
https://www.facebook.com/media/set?vanity=mareilhapico&set=a.848037219938840


Mar&Ilha com Urbano Bettencourt no Festival de Música Terra dos Barcos, em Santo Amaro, agosto 2022




CARREIRO, José. “A Viola e a Viagem, Mar&Ilha”. Portugal, Folha de Poesia, 28-07-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/07/a-viola-e-viagem-mar.html



quarta-feira, 27 de julho de 2022

Sem meu amigo manh'eu senlheira, Juião Bolseiro

Nesta cantiga, o tema da insónia, provocada pela ausência do amado, atinge um ponto de extrema tensão emocional e a nostalgia da intimidade perdida - que ela também evoca - reveste-se de uma perturbante flagrância sensorial.

David Mourão-Ferreira, "Mais alguns trovadores do período afonsino", Colóquio/Letras, n.º 166/167, Jan. 2004, p. 277-282.


“XI- Sen meu amigo manh’ eu senlheira - Juião Bolseiro”, Ilustração de Antonio García Patiño
http://images.moleiro.com/noback/big-590-900CA_006.1_XI.jpg

         

 

Sem meu amigo manh'eu1 senlheira,2

e sol nom3 dormem estes olhos meus,

e, quant'eu posso, peç'a luz a Deus

e nom mi a dá, per nulha4 maneira,

mais, se masesse com meu amigo,

a luz agora seria migo.5

 

Quand'eu com meu amigo dormia,

a noite nom durava nulha rem,6

e ora dur'a noit'e vai e vem,

nom vem [a] luz nem parec'o7 dia,

mais, se masesse com meu amigo,

a luz agora seria migo.

 

E segundo com'a mi parece,

u8 migo9 mam10 meu lum'e meu senhor,

vem log'a luz, de que nom hei sabor11,

e ora vai noit'e vem e crece;

mais, se masesse com meu amigo,

a luz agora seria migo.

 

Pater Nostrus rez'eu mais de cento

por Aquel que morreu na vera cruz,

que el mi mostre mui ced[o]12 a luz,

mais mostra-mi as noites d'Avento;13

mais, se masesse com meu amigo,

a luz agora seria migo.

 

Cantiga de Amigo de Juião Bolseiro

 

MANUSCRITOS: B 1165, V 771

(C 1165)

 

 

NOTAS:

1. maer - ficar durante a noite, pernoitar.

2. senlheiro – sozinho.

3. sol nom - nem mesmo.

4. nulho – nenhum.

5. migo – comigo.

6. nulha rem - nada, coisa nenhuma.

7. parecer – aparecer.

8. u – quando.

9. Em B e V, comigo.

10. maer - ficar durante a noite, pernoitar.

11. haver sabor – gostar.

12. cedo - em breve, rapidamente.

13. Avento - Advento. No calendário religioso, as quatro semanas que antecedem o Natal (note-se que são as noites mais longas do ano).

 

 

PARÁFRASE:

 

Sem o meu amigo sinto-me sozinha

e não adormecem estes olhos meus.

Tanto quanto posso peço a luz de Deus

e Deus não permite que a luz seja minha.

Mas se eu ficasse com o meu amigo

a luz agora estaria comigo.

 

Quando eu a seu lado folgava e dormia

depressa passavam as noites; agora

vai e vem a noite, a manhã demora;

demora-se a luz e não nasce o dia.

Mas se eu ficasse com o meu amigo

a luz agora estaria comigo.

 

Diferente é a noite quando ele aparece

meu lume e senhor e o dia me traz;

pois apenas chega logo a luz se faz.

Vai-se agora a noite, vem de novo e cresce.

Mas se eu ficasse com o meu amigo

a luz agora estaria comigo.

 

Padres-nossos já rezei mais de um cento

implorando Àquele que morreu na cruz

que cedo me mostre novamente a luz

em vez destas longas noites de Advento.

Mas se eu ficasse com o meu amigo

a luz agora estaria comigo.

 

Cantares dos trovadores galego-portugueses, seleção, introdução, notas e adaptação de Natália Correia, Lisboa, Editorial Estampa, 1978


NOTA GERAL:

Sem o seu amigo, sozinha, a donzela não consegue dormir, e, por mais que reze para que chegue a manhã, a noite parece não ter fim; quando dorme com o seu amigo, no entanto, acontece exatamente o contrário: as noites passam num instante e é logo dia (infelizmente). Assim, tentando ocupar o tempo (e chamar o sono), como adianta na última estrofe, ela reza mais de cem Pai Nossos, sem resultado: sozinha, sem o seu amigo, todas as noites são noites de Inverno, longas e intermináveis.

A descrição de uma insónia de amor ou o modo como sentimos o tempo passar em diferentes circunstâncias estão no centro desta bela cantiga de Juião Bolseiro (que retoma o tema em duas outras cantigas, que formam, com esta, um pequeno ciclo). Note-se, de resto, que o último verso do refrão acrescenta uma força poética suplementar à cantiga, uma vez que, para além da leitura literal, ele permite uma outra leitura: o amigo ausente é a luz que ilumina a sua vida.

É de salientar ainda que, se a ausência do amigo é um dos motivos mais habituais nas cantigas de amigo, é muito rara a indicação explícita da consumação do amor, como acontece aqui (na referência às noites que ambos passaram juntos).

 

Fonte: Lopes, Graça Videira; Ferreira, Manuel Pedro et al. (2011-), Cantigas Medievais Galego Portuguesas [base de dados online]. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais, FCSH/NOVA. [Consulta em 2022-07-22] Disponível em: <https://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=1195>.

 

 

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CARREIRO, José. “Sem meu amigo manh'eu senlheira, Juião Bolseiro”. Portugal, Folha de Poesia, 27-07-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/07/sem-meu-amigo-manheu-senlheira-juiao.html


terça-feira, 26 de julho de 2022

Vaidosa, Cesário Verde


 

 

Vaidosa

 

Dizem que tu és pura como um lírio

E mais fria e insensível que o granito,

E que eu que passo aí por favorito

Vivo louco de dor e de martírio.

 

Contam que tens um modo altivo e sério,

Que és muito desdenhosa e presumida,

E que o maior prazer da tua vida,

Seria acompanhar-me ao cemitério.

 

Chamam-te a bela imperatriz das fátuas1,

A déspota, a fatal, o figurino2,

E afirmam que és um molde alabastrino3,

E não tens coração como as estátuas.

 

E narram o cruel martirológio4

Dos que são teus, ó corpo sem defeito,

E julgam que é monótono o teu peito

Como o bater cadente dum relógio.

 

Porém eu sei que tu, que como um ópio

Me matas, me desvairas e adormeces

És tão loira e doirada como as messes5

E possuis muito amor... muito amor-próprio.

 

Cesário Verde, Obra Completa, edição de Joel Serrão,

Lisboa, Livros Horizonte, 1988, p. 77.

 

NOTAS

1 fátuas – vaidades.

2 figurino – modelo; exemplo de moda.

3 alabastrino – de alabastro, mármore branco e translúcido.

4 martirológio – narrativa do martírio dos mártires e santos.

5 messes – searas maduras.

 

QUESTIONÁRIO

1. Refira dois efeitos de sentido provocados pela utilização de verbos na terceira pessoa do plural (versos 1, 5, 9, 11, 13 e 15) na construção do retrato da figura feminina.

 

2. Explicite, com base em dois aspetos significativos, o modo como o sujeito poético perspetiva a relação que se estabelece entre si e a mulher representada no poema.

 

3. Selecione a opção de resposta adequada para completar a afirmação.

A mulher «fatal» (v. 10) descrita no poema é caracterizada como insensível e cruel, ao ser associada, respetivamente, a expressões como

(A) «imperatriz das fátuas» (v. 9) e «modo altivo e sério» (v. 5).

(B) «molde alabastrino» (v. 11) e «acompanhar-me ao cemitério» (v. 8).

(C) «imperatriz das fátuas» (v. 9) e «martírio» (v. 4).

(D) «molde alabastrino» (v. 11) e «figurino» (v. 10).

 

4. Baseando-se na leitura do poema “Vaidosa”, de Cesário Verde, e no “Retrato de Mónica”, texto de Sophia de Mello Breyner Andresen, escreva uma breve exposição na qual compare as duas figuras femininas neles retratadas.

A sua exposição deve incluir:

uma introdução ao tema;

um desenvolvimento no qual explicite um aspeto em que as figuras femininas se aproximam e um outro em que se distinguem;

uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

 

CENÁRIO DE RESPOSTAS

Nota prévia: Nos tópicos de resposta de cada item, as expressões separadas por barras oblíquas à exceção das utilizadas no interior de cada uma das citações correspondem a exemplos de formulações possíveis, apresentadas em alternativa. As ideias apresentadas entre parênteses não têm de ser obrigatoriamente mobilizadas para que as respostas sejam consideradas adequadas.

 

1. Devem ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

A utilização de verbos na terceira pessoa do plural:

  • sugere que o modo como esta mulher fatal trata os homens, em geral, e o sujeito poético, em particular, é um conhecimento partilhado por outros;

 

  • evidencia a ideia de que todos os que falam sobre esta mulher são de opinião de que ela é bela, mas, sentimentalmente, fria/insensível, vaidosa e cruel na relação com os homens;

 

  • permite que o sujeito poético não se comprometa com o ponto de vista depreciativo dos outros sobre a mulher que ama (embora indicie que partilha desse ponto de vista).

 

2. Devem ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

  • o sujeito poético parece estar apaixonado pela mulher representada no poema, mas essa paixão causa‑lhe um sofrimento tão atroz («Vivo louco de dor e de martírio» – v. 4) que se sente a enlouquecer e a morrer de amor («Me matas, me desvairas e adormeces» – v. 18);

 

  • a forma como a mulher age leva o sujeito poético a pensar que ela sente prazer em seduzi-lo e em torturá-lo («E que o maior prazer da tua vida, / Seria acompanhar-me ao cemitério» – vv. 7 e 8; «o cruel martirológio / Dos que são teus» – vv. 13 e 14);

 

  • o sujeito poético considera-a uma droga («como um ópio» – v. 17) na qual está viciado;


  • o sujeito poético perspetiva a relação entre si e a mulher como uma relação desigual, na qual ela o humilha, enquanto ele a venera.

 

3. (B) A mulher «fatal» (v. 10) descrita no poema é caracterizada como insensível e cruel, ao ser associada, respetivamente, a expressões como «molde alabastrino» (v. 11) e «acompanhar-me ao cemitério» (v. 8).

 

4. Relativamente a cada aspeto, deve ser abordado um dos tópicos apresentados, ou outro igualmente relevante.

As duas figuras femininas aproximam-se, na medida em que são retratadas como:

  • mulheres elegantes e que vestem bem, o que se evidencia, por exemplo, no facto de Mónica «ser chiquíssima» (l. 2) e de que «Todos os seus vestidos são bem escolhidos» (ll. 20-21), enquanto a «Vaidosa» é considerada a «bela imperatriz» (v. 9), o «figurino» de moda (v. 10) ou o «corpo sem defeito» (v. 14);

 

  • mulheres poderosas, que causam impacto naqueles com quem convivem, o que está patente, por exemplo, quando o narrador afirma que «Esta é a forma de inteligência que garante o domínio. Por isso o reino de Mónica é sólido e grande» (ll. 29-30), ou quando, no poema «Vaidosa», se realça «o cruel martirológio» (v. 13) dos que são seduzidos pela figura feminina;

 

  • mulheres autoconfiantes, como se verifica, por exemplo, quando o narrador afirma que Mónica define objetivos e os concretiza de forma disciplinada («salta sem tocar os obstáculos e limpa todos os percursos» – l. 23) e quando o sujeito poético realça que a mulher possui «muito amor... muito amor‑próprio» (v. 20).

 

As duas figuras femininas distinguem-se, na medida em que:

  • enquanto Mónica é apreciada por muita gente («ter imensos amigos» – l. 3; «toda a gente dizer bem dela» – l. 5), sendo retratada como «um belo exemplo de virtudes» (ll. 7-8), a «Vaidosa» é alvo de duras críticas por parte dos outros, que a consideram, por exemplo, «a bela imperatriz das fátuas, / A déspota, a fatal» (vv. 9 e 10);

 

  • enquanto Mónica procura criar empatia com os outros, dizendo «bem de toda a gente» (l. 5) e estando «sempre divertida» (l. 7), a mulher que o sujeito poético admira é descrita como «fria e insensível» (v. 2) e «muito desdenhosa e presumida» (v. 6);

 

  • enquanto Mónica é retratada como intencionalmente manipuladora e calculista, seguindo um plano rigoroso para alcançar os seus objetivos («observar uma disciplina severa» – l. 19), a «Vaidosa» é uma mulher «fatal» (v. 10) que atrai os homens pela sua beleza física.

 

Fonte: 

Exame Final Nacional de Português | Prova 639 | 2.ª Fase | Ensino Secundário | 2022 |12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho | Decreto-Lei n.º 27-B/2022, de 23 de março)

Prova – versão 1: https://iave.pt/wp-content/uploads/2022/07/EX-Port639-F2-2022-V1_net.pdf

Critérios de correção: https://iave.pt/wp-content/uploads/2022/07/EX-Port639-F2-2022-CC-VT_net.pdf

 

Poderá também gostar de:

 

“Para uma síntese da obra de Cesário Verde”, José Carreiro <https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/04/cesario-verde.html> 2018-04-22

 

“Cesário Verde - o homem e o seu tempo”, José Carreiro <https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/09/biografia-de-cesario-verde.html> 2021-09-08

 

“Sobre a edição da poesia de Cesário Verde”, José Carreiro <https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/09/sobre-o-corpus-poetico-de-cesario-verde.html> 2021-09-08

 

“Eu, que sou feio, sólido, leal (Cesário Verde)”, José Carreiro. In: https://folhadepoesia.blogspot.com/2015/06/a-debil.html

 



CARREIRO, José. “Vaidosa, Cesário Verde”. Portugal, Folha de Poesia, 26-07-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/07/vaidosa-cesario-verde.html