quinta-feira, 30 de junho de 2022

Monotonia, Irene Lisboa

Vittorio Matteo Corcos, Sonhos, 1896

 

Monotonia

 

Começar, recomeçar, interminamente1 repetir um

monótono romance, o romance da minha vida.

Com palavras iguais, inalteráveis, semelhantes,

insistir sobre o cansaço e a pobreza disto de viver...

Andar como os dementes pelos cantos a repisar

o que já ninguém quer ouvir.

Levar o meu desprecioso tempo à deriva.

Queixar-me, castigar e lamentar sem qualquer

esperança, por desfastio2.

Pôr a nu uma miséria comum e conhecida,

chãmente3, serenamente, indiferente à beleza dos temas

e das conclusões.

Monotonamente, monotonamente.

 

Monotonia. Arte, vida...

Não serei ainda eu que te erigirei4 o merecido

altar.

Que te manejarei5 hábil e serena.

Monotonia! Gume6 frio, acerado7, tenaz8, eloquente.

Sino de poucos tons, impressionante.

Mas se te descobri não te vou renegar.

Tu ensinas-me, tu insinuas-me a arte da verdade,

a pobreza e a constância.

Monotonia, torna-me desinteressada.

 

LISBOA, Irene – "Monotonia". In Um Dia e Outro Dia… Outono Havias de Vir: Volume I, Poesia I. Editorial Presença, 1991.

 

___________

1 Interminamente: interminavelmente.

2 Por desfastio: para evitar o tédio.

3 Chãmente: singelamente, de modo simples, franco.

4 Erigirei: levantarei, erguerei.

5 Manejarei: mover com a mão, manobrar.

6 Gume: lado do fio de um objeto cortante.

7 Acerado: que corta, afiado; mordaz (no sentido figurado).

8 Tenaz: resistente; persistente (no sentido figurado).

 


 


Questionário sobre a leitura do poema “Monotonia”, de Irene Lisboa:

1. Identifica o “romance” que o sujeito poético descreve.

1.1. Indica os adjetivos que caracterizam o romance e as suas palavras.

1.2. Destaca as características do “viver” transposto nesse romance.

1.3. Identifica a comparação que sugere o desinteresse de tal romance.

2. Atenta, agora, nos assuntos que constituem a “matéria” dessa escrita.

2.1. Enumera-os.

2.1.1. É essa matéria exclusiva da experiência pessoal do sujeito poético? Justifica.

3. Identifica o verso em que o sujeito poético insinua que nem a arte escapa à monotonia da vida.

4. A monotonia é sugerida também pelos recursos expressivos utilizados.

4.1. Refere as metáforas associadas à monotonia e explicita o seu valor.

4.2. Identifica outros recursos expressivos que sugiram o tom monótono. Fundamenta a tua resposta com exemplos textuais.

5. O poema começa num tom desolador, mas termina com uma descoberta.

5.1. Quais são, pois, as dádivas da monotonia?

5.2. Na tua opinião, por que motivo o sujeito poético suplica à monotonia que o torne desinteressado?

6. Relaciona o título do poema com o título da obra a que pertence.

 

(Para)textos 9: português, 9º ano,Ana Miguel de Paiva [et al.]; rev. cient. Maria Antónia Coutinho. - 1ª ed. - Porto: Porto Editora, 2013.

Respostas esperadas:

1. Trata-se do romance da sua vida.

1.1. Esse romance caracteriza-se como “monótono”, sendo as suas palavras “iguais”, “inalteráveis”, “semelhantes”.

1.2. O “viver” é marcado pelo “cansaço” e pela “pobreza”.

1.3. “Andar como os dementes pelos cantos a repisar/o que já ninguém quer ouvir” (vv. 5-6).

2.1. Compõem a “matéria” da escrita o “desprecioso tempo à deriva” do sujeito poético, o seu queixar-se, castigar e lamentar, exercidos “sem qualquer esperança”, meramente “por desfastio”.

2.1.1. Essa matéria não é exclusiva do sujeito poético, pois trata-se de uma miséria “comum e conhecida”, logo extensiva aos outros, ao ser humano em geral.

3. “Monotonia. Arte, vida…” (v. 14).

4.1. A metáfora está presente em “Gume frio, acerado, tenaz, eloquente. / Sino de poucos tons, impressionante.“ (vv. 18-19) – nestes versos, a monotonia é associada ao “Gume” e ao “sino” (e às respetivas características). Ao ser associada ao “gume” de uma espada “frio, acerado, tenaz, eloquente”, a monotonia é comparada a algo que causa sofrimento, incómodo, perturbador. O mesmo carácter perturbador é sugerido pela metáfora do “sino” – já que este, embora de poucos tons, como convém à monotonia, é “impressionante”, marca, perturba.

4.2. Os recursos expressivos são a aliteração e a assonância de sons nasais (“interminamente repetir um/monótono romance, o romance da minha vida”, vv. 1-2), a enumeração (“Queixar-me, castigar e lamentar”, v. 8), o assíndeto (“Começar, recomeçar, interminamente repetir”, v. 1), a repetição (“Monotonamente, monotonamente.”, v. 13) e a pontuação, nomeadamente as reticências, que marcam a suspensão do pensamento (vv. 3-4) e o ponto final a substituir a vírgula (v. 14). Esses recursos expressivos, pelo seu carácter repetitivo, marcam uma cadência melancólica, que transmite a ideia de monotonia expressa no poema.

5.1. Segundo o sujeito poético, a monotonia proporcionou-lhe “a arte da verdade”, a “pobreza” e “a constância”. Esses dons têm uma aceção positiva – sendo conotados com a autenticidade, a ausência de importância dada aos bens materiais e a perseverança/firmeza.

5.2. Resposta pessoal.

Sugestão de resposta:

Sendo a monotonia a instância a que o sujeito poético apela, não admira que este peça o desinteresse, a indiferença perante o que ocorre, perante todo o tipo de entusiasmos…

6. O poema “Monotonia” adapta-se ao título da obra Um dia e outro dia, pois remete para um quotidiano cinzento, monótono, habitual.

     Poderá também gostar:

 

  • “Cai um pássaro do ar, devagar, muito devagar”, de Irene Lisboa. In Guia de aprendizagem. Disciplina de Português. Unidade 4. Ensino Secundário Recorrente; Lisboa, Ministério da Educação – Departamento do Ensino Secundário, 1997. Apud “Lisboa” in Folha de Poesia, José Carreiro, 2013-07-04.

 

 




CARREIRO, José. “Monotonia, Irene Lisboa”. Portugal, Folha de Poesia, 30-06-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/06/irene-lisboa-monotonia.html



quarta-feira, 29 de junho de 2022

Shakespeare: De ti me separei na primavera

 

Soneto 98

 

De ti me separei na primavera:

quando o risonho abril, ao sol voando,

em cor e luz, a plenas mãos, cantando,

nova alegria entorna1 pela esfera2

 

No viridente3 bosque até dissera

o pesado Saturno4 ver folgando5

Porém nem cor vistosa ou cheiro brando

Lograram6 incender7 minha quimera8.

 

A brancura dos lírios, não a vi…

O vermelhão das rosas desmaiava…

Eram fantasmas só… ao pé de ti

– o seu modelo – quanto lhes faltava!

 

Par’cia inverno; e eu, a viva alfombra9,

Só pude imaginá-la a tua sombra.

 

“Soneto XCVIII”, William Shakespeare, trad. Luís Cardim,

Rosa do mundo, 2001 poemas para o futuro,

Lisboa, Assírio & Alvim, 2001, p. 915

 

Notas:

1.     Entorna – verte, derrama.

2.    Esfera – Terra.

3.    Viridente – verdejante, viçoso.

4.    Saturno: personificação mitológica do Tempo. O deus romano Saturno refugiou-se no Lácio, onde fez florescer a idade de ouro, transmitindo ao Homem os segredos da agricultura.

5.    Folgando – brincando, divertindo-se.

6.    Lograram – conseguiram.

7.     Incender – incendiar, atear, inflamar, abrasar.

8.    Quimera – ilusão, sonho, fantasia, coisa resultante da imaginação.

9.    Alfombra – erva, tapete de verdura, chão arrelvado.




Questionário sobre a leitura do Soneto 98 de Shakespeare.

1. No Soneto 98 de Shakespeare, o sujeito poético recorda um acontecimento da sua vida. Indica de que acontecimento se trata. Esclarece também por que razão é expressiva a antítese entre esse acontecimento e a estação do ano em que tal ocorreu.

2. Refere a forma como a Natureza é caracterizada nas três primeiras estrofes e identifica o recurso expressivo presente nessa caracterização.

3. Justifica a utilização do advérbio “porém”, no verso 7.

4. Apresenta a forma como o sujeito poético vê a natureza na terceira estrofe, justificando a sua perceção.

5. Refere o recurso expressivo presente na expressão “Par’cia inverno” e justifica esta afirmação final.

6. Identifica o tema do texto.

 

Correção:

1. O sujeito poético recorda que a separação da mulher amada ocorreu na estação do ano menos prevista, visto que a primavera é frequentemente associada ao impulso da vida, ao início de um ciclo de prosperidade e, por conseguinte, à vida amorosa que também deve florescer e crescer dentro de nós.

2. Através da personificação do mês de abril, o sujeito poético realça uma natureza alegre, luminosa, dinâmica, verdejante, despreocupada e brincalhona.

3. O advérbio conetivo «porém», usado no início do verso 7, marca um contraste entre a realidade descrita atrás, associada à felicidade, e o que sucedeu ao sujeito poético, relacionado com a tristeza e a deceção.

4. A natureza não tem beleza para o sujeito lírico: os lírios não têm a brancura normal e o vermelho das rosas era ténue. A natureza é vista desta forma porque o sujeito lírico não está perto da mulher amada, que é para ele o modelo em que a natureza se inspira para ser bela. A natureza reflete os sentimentos do sujeito lírico.

5. Ao utilizar a comparação, o sujeito lírico sente que vive no inverno, porque não consegue sentir-se em sintonia com a primavera e mesmo o que a natureza ainda possui de belo só poderá ser, para ele, uma sombra da beleza da mulher amada.

6. O tema do poema é sobre os efeitos que a separação da amada provocam no sujeito poético.

 

Bibliografia:

Conto Contigo 8, Conceição Monteiro Neto et al. Porto, Areal Editores, 2013.

Contos & Recontos 8, Carla Marques e Inês Silva. Lisboa, ASA, 2014.

P8, Ana Santiago e Sofia Paixão. Lisboa, Texto Editores, 2014 (2.ª ed.).

(Para)textos 8, Ana Paiva et al. Porto, Porto Editora, 2014.




CARREIRO, José. “Shakespeare: De ti me separei na primavera”. Portugal, Folha de Poesia, 29-06-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/06/shakespeare-de-ti-me-separei-na.html


quinta-feira, 23 de junho de 2022

PETRARCA: Se amor não é, qual é meu sentimento? CAMÕES: Amor é um fogo que arde sem se ver


 


Grande parte da obra do poeta italiano Francesco Petrarca (1304-1374) é dedicada a Laura, uma jovem casada por quem se apaixonou e amou à distância.

 

Soneto 132

 

Se amor não é, qual é meu sentimento?

mas se é amor, por Deus, que cousa e qual?

se boa, que é do efeito ásp’ro e mortal?

se é má, o que é que adoça tal tormento?

 

Se ardo a bom grado1, onde é pranto e lamento?

e se a mau grado2, o lamentar que val’?

Ó viva morte, ó deleitoso3 mal,

tanto em mim podes sem consentimento?

 

E em sem razão me queixo, se o tolero.

E em tão contrários ventos, frágil barca

me leva em alto mar e sem governo,

 

tão cheia de erros, de saber tão parca4,

que eu mesmo nem sequer sei o que quero,

e a tremer no estio5, ardo de inverno.

 

As Rimas de Petrarca, trad. Vasco Graça Moura, Lisboa, Bertrand, 2003, p. 397

 

NOTAS: 1 Bom grado: por vontade. 2 Mau grado: contra vontade. 3 Deleitoso: aprazível. 4 Parca: escassa, modesta, pouco abundante. 5 Estio: verão.

 






1. Associa cada afirmação (coluna B) a uma passagem do poema que a exemplifique (coluna A).

COLUNA A

a)     «Se amor não é, qual é meu sentimento?» (v. 1)

b)     Versos 2 a 6.

c)      «tanto em mim podes sem consentimento?/ E em sem razão me queixo, se o tolero.» (vv. 8-9)

d)     «E em tão contrários ventos, frágil barca / me leva em alto mar e sem governo,/ tão cheia de erros, de saber tão parca». (vv. 10-12)

e) «que eu mesmo nem sequer sei o que quero, / e a tremer no estio, ardo de inverno.». /vv. 13-14)

 

COLUNA B

  1. O sujeito poético não consegue controlar racionalmente os efeitos do amor.
  2. O sujeito poético não sabe se quer sentir-se assim perdido, limitando-se a reconhecer a contradição dos seus sentimentos, que lhe provocam frio no verão e calor no inverno.
  3. O sujeito poético mostra-se perplexo perante os sentimentos contraditórios, bons e maus, provocados pelo amor.
  4. Incapaz de perceber o que sente, o sujeito poético vê-se como uma embarcação desgovernada, que se arrisca por perigosos mares.
  5. O sujeito poético tem dificuldades em definir aquilo que sente como sendo amor. 

 


2. A poesia de Petrarca influenciou muitos poetas europeus, incluindo Camões. Procede a uma leitura comparativa entre o soneto de Petrarca «Se amor não é, qual é meu sentimento?» e o soneto de Camões «Amor é um fogo que arde sem se ver» (analisado aqui).

 

Amor é um fogo que arde sem se ver,

é ferida que dói, e não se sente;

é um contentamento descontente;

é dor que desatina sem doer.

 

É um não querer mais que bem querer;

é um andar solitário entre a gente;

é nunca contentar-se de contente;

é um cuidar que ganha em se perder.

 

É querer estar preso por vontade;

é servir a quem vence, o vencedor;

é ter, com quem nos mata, lealdade.

 

Mas como causar pode seu favor

nos corações humanos amizade,

se tão contrário a si é o mesmo amor?

 


Amor é  fogo que arde sem se ver (Luís Represas & João Gil


2.1. Classifica como verdadeiras (V) ou falsas (F) as afirmações. Corrige as falsas.

a)     O amor é um sentimento complexo, segundo Camões, mas fácil de entender, segundo Petrarca.

 

b)     Ambos os sonetos apresentam uma reflexão sobre o amor e evidenciam o seu caráter contraditório.

 

c)      Existe uma relação de intertextualidade entre os dois textos, pois ambos abordam o tema do amor, a dificuldade dos poetas em caracterizarem devidamente este sentimento e os efeitos contraditórios que ele tem em quem ama.

 

d)     O soneto de Petrarca inicia-se com interrogações sobre o amor, tal como o de Camões.

 

e)     Enquanto no soneto de Camões o sujeito poético procura definir o amor, no de Petrarca faz uma reflexão sobre o seu próprio sentimento, mediante a utilização de perguntas retóricas. 

 

f)       O sentido do verbo «desatina» no verso 4 do soneto de Camões é oposto ao significado da expressão «sem razão» que ocorre no v. 9 do soneto de Petrarca.

 

g)     No poema de Camões, a reflexão sobre o amor é feita de forma intensa, mas distanciada. O sujeito poético usa sempre a 3.ª pessoa do singular, procurando encontrar uma definição assente nas respetivas contradições. 

 

h)     Realçando essas essas mesmas contradições e a dificuldade em definir o amor, o sujeito poético do soneto de Petrarca usa a 1.ª pessoa, refere-se, por isso, à sua experiência pessoal e aos efeitos que esse sentimento tem em si próprio.

 

i)       No seu soneto, o poeta italiano mostra de que modo o amor se manifesta em si próprio, generaliza, enquanto Luís de Camões reflete sobre os efeitos do sentimento nas pessoas, em geral.

 

 

3. Associa cada soneto a uma das seguintes citações, justificando.

a) «O amor não é só um estado absoluto. Porque se o fosse tantos de nós não o perseguíamos como se fosse atingível.» (Luís Osório, Amor, Alfragide, Oficina do Livro, 2016)

b) «Só há um tipo de amor que dura, o não correspondido.» (Woody Allen)

 

 

Chave de correção:

1. a-5; b-3; c-1; d-4; e-2.

 

2. a) F - O amor é um sentimento complexo, segundo Camões e Petrarca.

b) V

c) V

d) F - O soneto de Petrarca inicia-se com interrogações sobre o amor, mas no de Camões a interrogação é apresentada na conclusão.

e) V

f) F - Há uma coincidência entre o significado do verbo «desatina» (v. 4, soneto de Camões) e a expressão «sem razão» (v. 9, soneto de Petrarca).

g) V

h) V

i) F - No seu soneto, o poeta italiano mostra de que modo o amor se manifesta em si próprio, particulariza, enquanto Luís de Camões reflete sobre os efeitos do sentimento nas pessoas, em geral.

 

3. Sugestões de interpretação das frases citadas:

a) «O amor não é só um estado absoluto» - portanto, não é simples.

«Porque se o fosse tantos de nós não o perseguíamos como se fosse atingível.» -isto é, a verdade é que ele não é simples, não é um estado absoluto, é algo que se vai conquistando e, por isso, é que vamos tendo esta convicção de que o podemos atingir, porque vamos por fases: temos estádios de paixão, de amor, e vamos atingindo essas fases gradualmente. É, portanto, um sentimento complexo. É isso que Camões nos diz no soneto «Amor é um fogo que arde sem se ver»…

 

b) O único amor que perdura é aquele que não é correspondido, porque é aquele que continuamos a perseguir e que não conseguimos atingir, portanto, prolonga-se. E foi exatamente isto que viveu Petrarca com a sua amada Laura. Então, como pôde suportar o peso de um amor impossível? Através da arte, é a resposta.

 

 

Bibliografia:

«Amor é fogo», linhas de leitura sobre o poema «Amor é um fogo que arde sem se ver», de Luís de Camões, por José Carreiro. In: Folha de Poesia, 2016-07-22 <https://folhadepoesia.blogspot.com/2016/07/amor-e-fogo.html>

 

«Se amor não é, qual é meu sentimento?» in P8, Lisboa, Ana Santiago e Sofia Paixão. Lisboa, Texto Editores, 2014 (2.ª ed.).


«Se amor não é, qual é meu sentimento?» in Conto Contigo 8, Conceição Monteiro Neto... [et al.]; rev. cient. e pedag. Sónia Valente Rodrigues. - [1ª ed., 1ª reimp.]. – Porto, Areal, 2013.

 

Projeto #ESTUDOEMCASA, aula 52 de Português - 7.º e 8.º anos, sobre "Amor é fogo que arde sem se ver", de Luís de Camões, e "Se amor não é, qual é o meu sentimento?", de Petrarca, disponível em https://www.rtp.pt/play/estudoemcasa/p7828/e545683/portugues-7-e-8-anos, 2021-05-21:





CARREIRO, José. “PETRARCA: Se amor não é, qual é meu sentimento? CAMÕES: Amor é um fogo que arde sem se ver”. Portugal, Folha de Poesia, 23-06-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/06/petrarca-se-amor-nao-e-qual-e-meu.html



domingo, 19 de junho de 2022

O tema do sebastianismo no exame nacional de Português (OS LUSÍADAS, FREI LUÍS DE SOUSA e MENSAGEM)



 GRUPO I

PARTE A

D. Sebastião

 

‘Sperai! Caí no areal e na hora adversa

Que Deus concede aos seus

Para o intervalo em que esteja a alma imersa

Em sonhos que são Deus.

 

Que importa o areal e a morte e a desventura

Se com Deus me guardei?

É O que eu me sonhei que eterno dura,

É Esse que regressarei.

 

Fernando Pessoa, Mensagem e Outros Poemas sobre Portugal, edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith, Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, p. 102.

 

 

1. No poema, está presente um «eu», D. Sebastião, que se dirige a um «vós», os Portugueses.

Explicite o apelo feito na primeira estrofe e, com base nesse apelo, infira os sentimentos desse «eu» e desse «vós».

 

2. Evidencie a presença do herói histórico e a presença do herói mítico na segunda estrofe do poema, fundamentando a resposta com a referência a um elemento textual para cada um dos tipos de herói.

 

3. Selecione a opção de resposta adequada para completar a afirmação.

Na primeira estrofe, o uso do vocábulo «intervalo» remete para um antes e um depois, correspondendo a um tempo

(A) de desistência durante o qual a essência do sujeito poético perdura.

(B) de transição durante o qual a essência do sujeito poético esmorece.

(C) de desistência durante o qual a essência do sujeito poético esmorece.

(D) de transição durante o qual a essência do sujeito poético perdura.

 

PARTE B

     Leia o texto seguinte, constituído pelas estâncias 15 a 18 do Canto I de Os Lusíadas, e as notas.

 

Est. 15

E, enquanto eu estes canto – e a vós não posso,

Sublime Rei, que não me atrevo a tanto –,

Tomai as rédeas vós do Reino vosso:

Dareis matéria a nunca ouvido canto.

Comecem a sentir o peso grosso

(Que polo mundo todo faça espanto)

De exércitos e feitos singulares,

De África as terras e do Oriente os mares.

 

Est. 16

Em vós os olhos tem o Mouro frio,

Em quem vê seu exício1 afigurado;

Só com vos ver, o bárbaro Gentio

Mostra o pescoço ao jugo2 já inclinado;

Tétis todo o cerúleo senhorio3

Tem pera vós por dote aparelhado4,

Que, afeiçoada ao gesto5 belo e tenro,

Deseja de comprar-vos pera genro.

 

Est. 17

Em vós se vêm6, da Olímpica morada,

Dos dous avós7 as almas cá famosas;

Ũa, na paz angélica dourada,

Outra, pelas batalhas sanguinosas.

Em vós esperam ver-se renovada

Sua memória e obras valerosas;

E lá vos têm lugar, no fim da idade,

No templo da suprema Eternidade.

 

Est. 18

Mas, enquanto este tempo passa lento

De regerdes os povos, que o desejam,

Dai vós favor ao novo atrevimento,

Pera que estes meus versos vossos sejam,

E vereis ir cortando o salso argento8

Os vossos Argonautas9, por que vejam

Que são vistos de vós no mar irado,

E costumai-vos já a ser invocado.

 

Luís de Camões, Os Lusíadas, edição de A. J. da Costa Pimpão, 5.ª ed., Lisboa, MNE/IC, 2003, pp. 4-5.

 

NOTAS

1 exício – destruição; ruína; mortandade.

2 jugo – peça de madeira que une os bois de uma junta; domínio; força repressiva; sujeição.

3 cerúleo senhorio – domínio do mar de cor azul-celeste.

4 aparelhado – preparado.

5 gesto – aspeto; aparência; rosto.

6 vêm – veem.

7 dous avós – D. João III, pai do príncipe D. João, e Carlos V, pai da princesa D. Joana.

8 salso argento – mar da cor da prata.

9 Os vossos Argonautas – referência aos navegadores portugueses.

 

4. Releia a estância 15.

Explicite o modo como se desenvolve a estratégia argumentativa usada pelo poeta nessa estância para incitar o rei D. Sebastião à ação gloriosa.

 

5. Nas estâncias 16 e 17, o poeta confere ao rei D. Sebastião uma dimensão excecional.

Comprove esta afirmação, recorrendo a dois exemplos pertinentes mencionados nessas estâncias.

 

6. Selecione a opção de resposta adequada para completar a afirmação.

A par do louvor aos feitos dos navegadores cantados n’Os Lusíadas, na estância 18, está subjacente

(A) a crítica à ambição desmesurada que o rei manifesta.

(B) a alusão à demora na ação heroica que se espera do rei.

(C) o reconhecimento pelo rei da força guerreira dos povos que há de dominar.

(D) o elogio que o rei tece ao valor artístico dos versos escritos pelo poeta.

 

PARTE C

7. Baseando-se na sua experiência de leitura de Mensagem, de Fernando Pessoa, e de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, escreva uma breve exposição sobre o modo como o sebastianismo emerge em cada uma das obras.

A sua exposição deve incluir:

uma introdução ao tema;

um desenvolvimento no qual compare as duas obras, referindo uma manifestação significativa do sebastianismo em cada uma delas;

uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

 

GRUPO III

 

Para muitas pessoas, o heroísmo exige percorrer um caminho árduo, que implica renúncia e sofrimento.

Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a conceção de heroísmo apresentada.

No seu texto:

explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;

formule uma conclusão adequada à argumentação desenvolvida;

utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

 

CENÁRIOS DE RESPOSTAS

Nota prévia sobre o Grupo I: Nos tópicos de resposta de cada item, as expressões separadas por barras oblíquas à exceção das utilizadas no interior de cada uma das citações correspondem a exemplos de formulações possíveis, apresentadas em alternativa. As ideias apresentadas entre parênteses não têm de ser obrigatoriamente mobilizadas para que as respostas sejam consideradas adequadas.

 

1. Explicitação do apelo que D. Sebastião dirige aos portugueses: incita-os a aguardar o seu regresso messiânico (no pressuposto de que a morte física é um momento transitório em que os sonhos «são Deus» – v. 4).

Identificação dos sentimentos do «eu» e do «vós»: D. Sebastião revela confiança na concretização dos seus sonhos (apesar da sua morte); o apelo de D. Sebastião permite inferir que os portugueses manifestam desânimo/descrença, o que leva o rei a incutir-lhes um sentimento de esperança no seu regresso/naquilo de que ele é o símbolo.

 

2. Relativamente a cada uma das dimensões do herói, deve ser abordado um dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

Herói histórico

referência ao «areal» para identificar o local da batalha em Alcácer Quibir/no Norte de África;

referência à «morte» física de D. Sebastião no decurso da batalha;

referência à «desventura» que conduziu à morte do rei (e à desgraça do país).

 

Herói mítico

referência ao carácter transcendente de D. Sebastião, enquanto figura guardada por Deus/enquanto figura identificada através do uso de maiúsculas em «O» e «Esse»;

referência à permanência do sonho do rei, que é aquilo que «eterno dura» (v. 7);

referência à certeza do regresso do rei enquanto sonho criador.

 

3. (D)

 

4.Primeiramente, o poeta tece o elogio do rei – «Sublime Rei» –, dando a entender que ele está predestinado a cometer tão grandes feitos que o poeta afirma não ousar cantá-los.

Seguidamente, o poeta aconselha o rei D. Sebastião:

· a assumir o controlo e a responsabilidade da governação (o que dará assunto para um novo e singular canto épico);

· a dominar as terras de África e os mares do Oriente (vitórias que serão exaltadas e admiradas por todos).

 

5. Devem ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

· D. Sebastião assusta de tal modo os Mouros e os Gentios que os primeiros o veem como a causa da sua ruína futura e os segundos se mostram já predispostos a submeter-se-lhe;

· a própria Tétis deseja oferecer a filha em casamento a D. Sebastião e, como dote, o controlo dos mares;

· os feitos de D. Sebastião serão motivo de orgulho para os seus antepassados, que esperam dele a realização de feitos tão grandiosos como os do passado/de feitos que mereçam ser para sempre recordados.

 

6. (B)

 

7. Relativamente a cada obra, deve ser abordado um dos tópicos seguintes, ou outro igualmente relevante.

Mensagem

·  Séculos após a Batalha de Alcácer Quibir, não é mais a crença no regresso do rei vivo que está em causa, mas o que ele representa – o mito, fecundador da realidade/o Desejado, que surge como o Salvador.

· D. Sebastião surge na obra como o mito que exprime o drama nacional de um país decadente que precisa de acreditar nas suas capacidades para superar o presente de «nevoeiro» (recusa do presente e crença no futuro).

· O sebastianismo evidencia-se na crença no regresso messiânico do Salvador que conduzirá Portugal a nova conquista – o império espiritual e civilizacional («Senhor, falta cumprir-se Portugal!»).

· D. Sebastião é o símbolo da loucura positiva, da sede de infinito que caracteriza o ser humano que pretende ultrapassar a sua própria natureza («Louco, sim, louco, porque quis grandeza»).

 

Frei Luís de Sousa

· Num contexto em que Portugal está sob o domínio filipino, o sebastianismo evidencia-se na crença nacional de que D. Sebastião não morreu na batalha de Alcácer Quibir.

·  O sebastianismo evidencia-se na convicção de que o regresso de D. Sebastião devolverá a Portugal a independência e a liberdade perdidas.

· Existem na obra personagens fortemente sebastianistas: Telmo, vinte e um anos passados sobre a fatídica batalha, mantém a esperança de que o seu antigo amo esteja vivo e regresse, o que significaria que D. Sebastião poderia também regressar / Maria, porta-voz da ilusão popular de que D. Sebastião está vivo, acredita que o rei regressará a qualquer momento para salvar o seu povo do jugo castelhano.

·  A mensagem sebastianista não é absolutamente linear: se com a chegada do Romeiro, ou seja, de D. João, se verifica a destruição de quem ele ama (o seu regresso, em vez de ser uma graça, é uma des – graça), o hipotético regresso de D. Sebastião também poderia não ser a melhor solução para Portugal.

 

 Fonte: Exame Final Nacional de Português | Prova 639 | 1.ª Fase | Ensino Secundário | 2022 |12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho | Decreto-Lei n.º 27-B/2022, de 23 de março):

Prova – versão 1: https://iave.pt/wp-content/uploads/2022/06/EX-Port639-F1-2022-V1_net.pdf

Critérios de correção: https://iave.pt/wp-content/uploads/2022/06/EX-Port639-F1-2022-CC-VT_net.pdf


 

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Fernando Pessoa - Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro. In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição) e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html

 



CARREIRO, José. “O tema do sebastianismo no exame nacional de Português (Os Lusíadas, Frei Luís de Sousa e Mensagem)”. Portugal, Folha de Poesia, 19-06-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/06/o-mito-do-sebastianismo-em-os-lusiadas.html