despede-te de mim, bate devagar à porta:
tenho vontade de recomeçar, reerguer escombros,
ruínas, tarefas de pão e linho, não dar
nome às coisas senão o de um vago esquecimento
abandono. despede-te de mim como se a vida
recomeçasse agora, não me procures onde
a memória arde e o destino se ausenta.
tudo são banalidades, afinal, quando assim
se recomeça e a vida falha como um material
solar e ilhéu. levamos poucas coisas, basta
um pouco de ar, os objetos fixos, em repouso,
os muros brancos de uma casa, o espaço
de uma mão. arrumo as malas e os sinais,
aquilo que nos adormece em plena tempestade.
Tu eras aquela que eu mais queria
Para me dar algum conforto e companhia
Era só contigo que eu sonhava andar
Para todo o lado e até quem sabe talvez casar
Ai o que eu passei só por te amar
A saliva que eu gastei para te mudar
Mas esse teu mundo era mais forte do que eu
E nem com a força da música ele se moveu
Mesmo sabendo que não gostavas
Empenhei o meu anel de rubi
Pra te levar ao concerto
Que havia no Rivoli
Era só a ti que eu mais queria
Ao meu lado no concerto nesse dia
Juntos no escuro de mão dada a ouvir
Aquela música maluca sempre a subir
Mas tu não ficaste nem meia hora
Não fizeste um esforço pra gostar e foste embora
Contigo aprendi uma grande lição
Não se ama alguém que não ouve a mesma canção...
Mesmo sabendo que não gostavas
Empenhei o meu anel de rubi
Pra te levar ao concerto
Que havia no Rivoli
Foi nesse dia que percebi
Nada mais por nós havia a fazer
A minha paixão por ti era um lume
Que não tinha mais lenha por onde arder
Mesmo sabendo que não gostavas
Empenhei o meu anel de rubi
Pra te levar ao concerto
Que havia no Rivoli
“Paixão”,
letra de Carlos Tê cantada por Rui Veloso
Piano,
teclados e acordeão: Manuel Paulo
Guitarra
acústica: Miguel Mascarenhas
Baixo:
Zé Nabo
Percussão:
André Rocha
Bateria:
Alexandre Frazão
Vozes:
Paulo Ramos, Berg, Sandra e Dora Fidalgo
Possíveis tópicos para discussão:
A influência
da música na construção da identidade.
A relação
entre a indústria musical e a promoção de estereótipos.
A importância
de uma educação sexual que inclua a discussão sobre relacionamentos saudáveis.
Eu cá acho que aquela atriz do Bay Watch, a
Pamela Anderson deveria ser condenada pelo mau exemplo que deu às mulheres da
minha geração. Ainda por cima ela era daquelas mulheres que podia ter tudo e
depois divorcia-se lá do outro brutamontes que lhe batia para se casar com ele
outra vez? Mas que mau exemplo era aquele? Já viste a quantidade de exemplos
que nós recebíamos só pela televisão no domingo à tarde? É que ela não era bem
como a Elizabeth Taylor que se casou duas vezes com o Richard Burton mas pelo
meio, antes e depois, lá se foi casando com mais 7 e não era só ele que lhe
batia, aquilo era uma tourada para todos os lados, mas a Pamela Anderson? De
fato banho laranja e cabelo ao vento, podia ter qualquer nadador salvador aos
seus pés e teima de ir para aquele idiota? Já viste o que é que ela estava a
dizer às mulheres adolescentes da altura como eu? Dizia primeiro que era
possível fugir daquele inferno mas que depois se pode escolher voltar para ele?
É um dos meus ódios de estimação. Sim, tu falas do Woody Allen e que te recusas
a ver mais filmes dele, e eu … aliás… nem precisamos ir mais longe, já ouviste
bem as letras do Carlos Tê do Rui Veloso? Há lá pior campanha de manipulação do
que ouvir a canção do rubi todas as férias, em cassete, dentro do carro, a
caminho do Algarve no verão?
Achas normal fazer uma canção daquelas?
Mesmo sabendo que não gostavas comprei-te um bilhete para ires àquele concerto?
Mas como é que isto pode ser uma canção de amor que uma família inteira canta
dentro do carro enquanto come sandes de atum com maionese e bebe
Bongo-sumo-rei-da-selva enquanto está parado na fila de trânsito de sábado ao
final da manhã para atravessar a ponte?
Tu já reparaste bem na letra daquela
canção? Eu lembro-me dos meus pais a cantarem e lembro-me de pensar: Mas
por que raio é que ele comprou um bilhete para um concerto de uma banda que ela
não gostava? E por que raio ficou à espera que ela gostasse de propósito só
para lhe agradar? Mas tem de ser assim, no amor? Oh, lá vens tu com as tuas
teorias de romance de algibeira… a curiosidade, a curiosidade… ouve lá bem a
letra… espera aí que eu agora não me lembro… como é que é, como é que começa?
Ah! Começa assim: Tu eras aquela que eu mais queria… estás a ouvir bem? Já não
tem nada a ver com os dois, começa logo com uma queixa, tipo: estás a ver,
estás a ver? Eu gostava tanto de ti e tu népia, ainda te atreves a deitar-me
fora que sou tão incrível e gosto tanto de ti… e vai por aí fora… e porque é
que ele gostava dela? Para lhe dar conforto e companhia… sim não gostava do que
dizia ou do que fazia ou do que era… gostava dela para lhe dar conforto e
companhia… já viste bem? E depois ele diz: era só contigo que eu sonhava andar,
para todo o lado e até, quem sabe?, talvez casar… quem sabe? Sim, quem sabe… já
viste a imagem de romance que isto passa a uma miúda de 8 anos… olha como ele
está triste, ele até te tinha escolhido e tu? Népia…e depois continua… Ai o que
eu passei só por te amar, A saliva que eu gastei para te mudar. Para te mudar?
Mas que raio de história é esta? Então ele gostava dela ou não? E depois fica pior,
espera, espera, ouve bem a letra que eu acho que nunca reparaste bem… O que eu
passei só por te amar … sofreu sozinho, não aceitava não ser correspondido,
certo? E porquê? Ele explica: Mas esse teu mundo era mais forte do que eu, ou
seja, ela tinha vontade própria, tu já viste bem a lata da miúda? Pensava lá à
maneira dela, e ele coitado que queria tanto até, talvez, quem sabe, um dia
casar com ela, e ela nem percebia a sorte que tinha? Olha que coisa! E ele vai
mais longe e diz – não só ela tinha lá um mundo dela mais forte do que ele como
nem com a força da música ele se moveu. Ah! E claro, era o mundo dela que se
tinha de mover, não era o dele… isto fazia-me uma confusão quando eu ouvia isto
no carro dos meus pais, eu no banco detrás de mini saia, eles de camisolas sem
alças a cantar e a abanar a cabeça lá à frente. Mas o pior ainda está para vir…
ele já tinha percebido que o mundo dela era mais forte do que ele, certo? e que
ela não ia lá nem mesmo com a força da música, certo? E o que é que ele se lembra
de fazer?
Vou cantar para ti que vale a pena, ora ouve-me
bem, vou dar o meu melhor: Mesmo sabendo que não gostavas, Empenhei o meu Anel
de Rubi, Pra’ te levar ao concerto que havia no Rivoli.
E eu não cantei com tanto ímpeto, mas
aquilo é tudo muito sentido, imaginas como não deve ser em concerto, tudo de
isqueiro, os namorados de mão dada, elas a suspirar, a ver se ele empenha o
anel da avó deles isso é que é sinal de amor e tal… E ela tem mais é que se
sentir culpada porque era só a ti, que eu mais queira / Ao meu lado no concerto
nesse dia, Juntos no escuro de mão dada a ouvir / Aquela musica maluca sempre a
subir…
Ora, ele tinha tudo planeado, a música a
dar, eles a sentirem muito, tudo a cantar mas ela não ficou nem meia hora, já
viste, a desgraçada? Então eu empenhei o meu anel de rubi que roubei à minha
avó e ela nem fez um esforço para gostar e foi-se embora?
Então mas ele não sabia que ela não
gostava? E se sabia para que é que ele a levou até um concerto que já sabia que
não era do agrado dele? E se ela lhe fizesse o mesmo? Não lhe ocorreu que esta
podia ter sido uma má escolha, nem lhe ocorreu que a poderia estar a torturar,
já viste o que é ires a um concerto de uma banda que odeias? É que para ler uma
pessoa ainda pode fechar os olhos, mas num concerto não dá para fechar os
ouvidos… E o que é que ele conclui desta bonita ideia? Que se calhar era melhor
terem ido jantar fora? Ou ir a uma peça de teatro? Ou passear num jardim? Ou
perguntar-lhe de que música gostava? Não, claro que não. Ele aprendeu uma
grande lição: NÃO SE AMA ALGUÉM QUE NÃO OUVE A MESMA CANÇÃO!
Olha que porra!
E como se não chegasse, e para provar que
não tinha percebido nada do que lhe tinha acontecido, ele volta a repetir que
mesmo sabendo que não gostavas, empenhei o meu anel de rubi, para te levar ao
concerto que havia no Rivoli. E lá entra a harmonicazinha ainda a dar um tom de
alpendre americano ao pôr do sol… que carago! Nunca mais me esqueci desta
canção! Puxa!J
Dedicado a Keli Freitas, Crista Alfaiate e
Isabel Campante e a uma belíssima noite passada a atrapalhar o trânsito na
praça de D. Duarte em Viseu.
O vestido de noivado
Da rainha de Kachmir1 Era a diamantes bordado,
Como luar num terrado2!...
Parecia o céu estrelado
Ou a visão de um faquir3 O vestido de noivado
Da rainha de Kachmir.
Se é a Via Láctea, em suma,
Não há olhar que destrince4!...
Nenhuma vista, nenhum
Jurará se é neve ou pluma,
Se é leite, ou astro, ou espuma,
Nem o próprio olhar do Lince...
Se é a Via Láctea, em suma,
Não há olhar que destrince!
Levava, nas mãos patrícias5,
Leque de rendas e sândalo6...
Oh! que mãozinhas... delícias
Para amimar com blandícias,
Para beijar com carícias,
Que adorariam um Vândalo...
Levava, nas mãos patrícias,
Leque de rendas e sândalo.
Cor da lua, os sapatinhos
Eram mais subtis que o leque!...
Seu manto, púrpura7 e arminhos8,
Não rojava9 nos caminhos,
Pois sua cauda, aos saltinhos,
Levava-a um núbio muleque10.
Cor da lua, os sapatinhos
Eram mais subtis que o leque!
Eis que, no meio da boda,
Entrou um moço estrangeiro...
Calou-se a alegria doida
Da grande assembleia, em roda!
E a brilhante sala toda
Fitou o jovem romeiro.
Eis que, no meio da boda,
Entrou um moço estrangeiro...
Pegou no copo, com graça,
E brindou, em língua estranha...
E a rainha, a vista baça,
Como a um punhal que a trespassa,
Encheu de prantos a taça,
E o seu lenço de Bretanha...
Chorou baixinho, ao ouvir, com graça,
Esse brinde, em língua estranha!
Encheu de pranto o vestido,
Encheu de pranto os anéis...
E, sem soltar um gemido,
Chorou, num pranto sumido,
O seu passado perdido,
Os seus amores tão fiéis!...
Encheu de pranto o vestido,
Encheu de pranto os anéis.
Quem era o moço viajante
Que fez turbar11 a rainha?...
Era o seu primeiro amante,
Tão leal e tão constante,
Que, do seu reino distante,
Brindar ao Passado vinha...
Tal era o moço viajante,
Que fez turbar a rainha.
Saudades de amor quebrado
Fazem lágrimas cair!
Por um brinde ao amor passado,
Ficou de pranto alagado
O vestido de noivado
Da rainha de Kachmir.
Saudades de amor quebrado
Fazem lágrimas cair!...
Gomes Leal (1848-1921)
____________
Notas: 1. Região da Índia. 2. Terraço, terreno. 3. Asceta
indiano. 4. Desvende. 5. Nobres. 6. Madeira perfumada. 7. Tecido vermelho usado
pelos nobres. 8. Pele branca e rara. 9. Arrastava. 10. Rapaz africano (da Núbia,
Norte do Sudão). 11. Perturbar.
Leitura
O poema
"A Rainha de Kachmir" é um texto lírico de Gomes Leal, um poeta
português do século XIX e início do século XX, cujo estilo é marcado pelo
simbolismo e pelo romantismo tardio.
Desde o
início, o poema destaca a opulência e a beleza do vestido de noivado da rainha
de Kachmir, bordado com diamantes, comparado a "luar num terrado" e
ao "céu estrelado". Essa imagem estabelece um contraste entre a
riqueza material e a fragilidade emocional que será explorada posteriormente.
As descrições detalhadas dos acessórios e do vestuário da rainha - leque de
rendas e sândalo, manto de púrpura e arminhos, sapatinhos de cor da lua -
sublinham a estética visual, criando um cenário de grande esplendor e requinte.
A repetição de frases e palavras-chave, como "O vestido de noivado" e
"Levava, nas mãos patrícias", cria um efeito hipnótico e sublinha a
importância desses elementos no contexto do poema. A repetição serve também
para enfatizar a constante presença do passado e da dor emocional, que persiste
apesar das circunstâncias presentes.
O clímax
emocional do poema ocorre com a entrada do "moço estrangeiro", que
interrompe a celebração da boda. Essa personagem, revelada posteriormente como
o primeiro amante da rainha, simboliza o retorno de um passado não resolvido. A
reação da rainha, descrita com detalhes sensíveis como "a vista baça"
e o pranto que enche "a taça" e "os anéis", sugere uma dor
profunda e um conflito interno entre o dever presente e os sentimentos
passados.
A saudade
é um tema central no poema, manifestada através do pranto da rainha que
"encheu de pranto o vestido" e os "anéis". A presença do
antigo amante reaviva memórias de um amor perdido, contrastando com a opulência
do presente. O poema enfatiza que mesmo os bens materiais mais preciosos não
podem suprimir a dor de uma perda emocional. O último verso, "Saudades de
amor quebrado / Fazem lágrimas cair!", contém a essência melancólica do
poema, refletindo a inevitabilidade do sofrimento amoroso.
Acompanha o poema “As
minhas asas” de Almeida Garrett e procura responder às seguintes questões.
1. Caracteriza as asas do sujeito poético.
2. Indica quem lhas deu.
3. Enumera as ameaças que, em vão, atentaram contra as suas
asas.
4. Assinala o momento de viragem no poema.
AS MINHAS ASAS
Eu tinha umas asas brancas, Asas que um anjo me deu, Que, em me eu cansando da terra, Batia-as, voava ao céu. — Eram brancas, brancas, brancas, Como as do anjo que m’as deu: Eu inocente como elas, Por isso voava ao céu.
Veio a cobiça da terra, Vinha para me tentar; Por seus montes de tesouros Minhas asas não quis dar. — Veio a ambição, co’as grandezas, Vinham para m’as cortar, Davam-me poder e glória; Por nenhum preço as quis dar.
Porque as minhas asas brancas, Asas que um anjo me deu, Em me eu cansando da terra Batia-as, voava ao céu.
Mas uma noite sem lua Que eu contemplava as estrelas, E já suspenso da terra, Ia voar para elas, — Deixei descair os olhos Do céu alto e das estrelas... Vi, entre a névoa da terra, Outra luz mais bela que elas.
E as minhas asas brancas, Asas que um anjo me deu, Para a terra me pesavam, Já não se erguiam ao céu.
Cegou-me essa luz funesta De enfeitiçados amores... Fatal amor, negra hora Foi aquela hora de dores! — Tudo perdi nessa hora Que provei nos seus amores O doce fel do deleite, O acre prazer das dores.
E as minhas asas brancas, Asas que um anjo me deu Pena a pena, me caíram... Nunca mais voei ao céu.
Outro questionário sobre o poema “As minhas asas”, de Almeida Garrett
1.
Divide o poema em duas partes lógicas.
2.
Enumera as tentações a que o sujeito poético resistiu.
3.
Identifica aquela à qual sucumbiu.
4. Indica as consequências de
ter sucumbido a essa tentação.
Fonte:
Projeto #EstudoEmCasa – Aula n.º 48 de Português dos 7.º e 8.º
anos sobre os poemas "O papagaio", de Sebastião da Gama, e "As
minhas asas", de Almeida Garrett, 2021-05-07. Disponível em: https://estudoemcasa.dge.mec.pt/2020-2021/7o-e-8o/portugues/48
INTERTEXTUALIDADE
Acompanha o tema “Asas”,
de Rui Reininho, e regista:
- para que serve as asas;
- o que não se faz às asas;
- quando deixam de ser usadas;
- o que significam.
Fonte: Projeto #EstudoEmCasa –
Aula n.º 48 de Português dos 7.º e 8.º anos sobre os poemas "O
papagaio", de Sebastião da Gama, e "As minhas asas", de Almeida
Garrett, 2021-05-07.
ASAS
Asas servem pra voar
Para sonhar ou pra planar
Visitar, espreitar, espiar
Mil casas do luar
As asas não se vão cortar
Asas são pra combater
Num lugar infinito
Num vácuo para ir espiar o ar
Asas são pra proteger
Te pintar, não te esquecer
Visitar-te, olhar, espreitar-te
Bem alto do luar
E só quando quiseres pousar
A paixão que te roer
É o amor que vês nascer
Sem prazo, idade de acabar
Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer
Mas só quando quiseres pousar
A paixão que te roer
É o novo amor que vês nascer
Sem prazo, idade de acabar
Mas só quando quiseres pousar
A paixão que te roer
É o amor que vês nascer
Sem prazo, idade de acabar
Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer
Não vejo mais pra te prender
Aconteça o que acontecer
Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer
Rui Reininho / GNR
As asas,
como mencionadas na letra da canção, têm vários significados, simbolizando a
liberdade, os sonhos, a capacidade de explorar e a proteção. Elas representam
também a paixão e o amor, e são um símbolo de ausência de limites e de
renovação constante.
Para que servem as asas:
As asas
servem para voar, sonhar e planar. Elas representam liberdade, a capacidade de
transcender limitações e explorar novos horizontes.
Além
disso, as asas também podem simbolizar proteção e a capacidade de enfrentar
desafios.
O que não se faz às asas:
A letra
menciona que “as asas não se vão cortar”. Isso sugere que não devemos
restringir nossa liberdade ou nossa capacidade de sonhar e explorar.
Num
sentido mais amplo, podemos interpretar isso como não sufocar os nossos desejos
e aspirações.
Quando deixam de ser usadas:
As asas
deixam de ser usadas quando decidimos “pousar”, ou seja, quando escolhemos
parar de voar e enfrentar a realidade.
Isso pode
representar momentos em que abandonamos os nossos sonhos ou desistimos de
lutar.
O que significam:
As asas
simbolizam liberdade, paixão, amor e a busca por algo maior.
Elas
também podem representar a dualidade entre o desejo de voar e a necessidade de
encontrar um lugar para pousar e se estabelecer.
Em
resumo, a letra da canção “Asas” convida-nos a refletir sobre os nossos sonhos,
paixões e a importância de manter a nossa capacidade de explorar, mesmo quando
enfrentamos desafios e limitações.
Só pra dizer que te Amo,
Nem sempre encontro o melhor termo,
Nem sempre escolho o melhor modo.
Devia ser como no cinema,
A língua inglesa fica sempre bem
E nunca atraiçoa ninguém.
O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.
Só pra dizer que te Amo
Não sei porquê este embaraço
Que mais parece que só te estimo.
E até nos momentos em que digo que não quero
E o que sinto por ti são coisas confusas
E até parece que estou a mentir,
As palavras custam a sair,
Não digo o que estou a sentir,
Digo o contrário do que estou a sentir.
O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.
E é tão difícil dizer amor,
É bem melhor dizê-lo a cantar.
Por isso esta noite, fiz esta canção,
Para resolver o meu problema de expressão,
Pra ficar mais perto, bem mais de perto.
Ficar mais perto, bem mais de perto.
Clã, Kazoo,
1997
Composição:
Hélder Gonçalves / Carlos Tê
Clã na foto da capa do álbum Kazoo, de 1997
Problema
de expressão
Os Clã não escreveram só canções.
Escreveram-nos canções. Para cantarmos de olhos fechados uma letra (de Carlos
Tê) que revolvia a nossa timidez na hora de dizer ‘Amo-te’. Na língua inglesa,
qualquer patetice fica mesmo sempre bem; em português, qualquer exteriorização
de intimidade assume-se como extravagante (afinal, todas as cartas de amor são
mesmo ridículas). A Carlos Tê reconhece-se o dom para simplificar conceitos
complexos e para complexificar conceitos simples. Mas a Carlos Tê reconhece-se
sobretudo o mérito de as suas letras nos fazerem vibrar como cordas. E foi ‘O
Problema de Expressão’, do álbum “Kazoo”, que nos fez começar a vibrar como
cordas com os Clã. É uma canção intimista, envolvente, delicada e viciante,
fazendo-nos sentir parte do elenco em que foi composta. Há vizinhança entre a
letra de ‘Problema de Expressão’ e a nossa sensibilidade.
Depois de se descobrir o amor, nem sempre
é fácil dizer ao outro que o amamos.
O sujeito de enunciação afirma
ter um problema de expressão para dizer que ama alguém, porque não encontra o
melhor termo ou modo.
Não entende o embaraço que o leva
a achar que só tem estima por ele. Em muitos momentos, sente coisas confusas,
não dizendo o que sente, mas sim o contrário.
Como é muito difícil dizer
“amor”, e, uma vez que é bem melhor dizê-lo a cantar, o sujeito poético fez uma
canção. Desta forma, resolveu o problema de expressão e conseguiu ficar mais
perto, bem mais perto…
Contos & Recontos 7, Carla Marques e Inês Silva. Lisboa, ASA, 2013,
p. 152
Aquilo tornara-se um vício. Ele ouvia um telefone a
tocar e logo estendia o braço e levantava o auscultador.
– E se fosse para mim?
Os amigos faziam troça:
– No consultório do teu dentista?
Uma noite estava sozinho, no Rossio, à espera de um
táxi, quando o telefone tocou numa cabina ao lado. Era no fim da noite e
chovia: uma água mole, desesperançada, tão leve que parecia emergir do próprio
chão. Ruben enfiou as mãos nos bolsos do casaco.
– É claro que não vou atender – disse alto. – Não
pode ser para mim. Se atender este telefone é porque estou a enlouquecer.
O telefone voltou a tocar. Não chegou a tocar cinco
vezes. Ele correu para a cabina e atendeu.
– Está?
Estava muito sol do outro lado. Era, tinha de ser,
uma tarde de sol.
– Posso falar com o Gustavo?
A voz dela iluminou a cabina. Ruben pensou em dizer
que era o Gustavo. Estava ali, àquela hora absurda, abandonado como um náufrago
na mais triste noite do mundo. Tinha direito de ser o Gustavo (fosse ele quem
fosse).
– Você não vai acreditar, mas a sua chamada foi
parar a uma cabina telefónica.
Ela riu-se. Meus Deus – pensou Ruben – era como
beber sol pelos ouvidos.
– Não brinques! És tu, Gustavo, não és?…
Sim ele tinha o direito de ser o Gustavo:
– Infelizmente não. Você ligou para uma cabina
telefónica, no Rossio, eu estava à espera de um táxi e atendi.
Quase acrescentou: "pensei que pudesse ser para
mim". Felizmente não disse nada. Ela voltou a rir:
– Tenho a sensação de que esta chamada vai ficar-me
cara. Sabe onde estou?
Pulau Penang
Estava em Pulau Penang, na Malásia, e dali, do seu
quarto, num hotel chamado Paradise, podia ver todo o esplendor do mar.
– Nunca vi nada com esta cor – sussurrou – só espero
que Deus me dê a alegria de morrer no mar.
Ele ficou em silêncio. Aquilo parecia a letra de um
samba. Ela começou a chorar:
– Desculpe que vergonha… Nem sequer sei como se
chama.
Ruben apresentou-se: – Ruben, 34 anos, trabalho em
publicidade.
Pediu-lhe o número de telefone e ligou utilizando o
cartão de crédito. Aquela chamada ficou-lhe cara. Casaram oito meses depois.
Ele diz a toda a gente que foi o destino. Ela, pelo sim pelo não, proibiu-o de
atender telefones.
José Eduardo Agualusa, A substância do amor e
outras crónicas. 3.ª edição, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2009, pp.
53-54
***
Escreve um pequeno comentário,
entre 80 e 100 palavras, sobre o sentido global do texto de José Eduardo
Agualusa, atentando na caracterização de Ruben, nas atitudes perante o
telefonema oriundo de Pulau Penang e na importância do destino na vida das pessoas.
(Proposta de escrita por Carla Marques e Inês Silva, emContos & Recontos 7.
Lisboa, ASA, 2013, p. 152)
Sugestão de resposta:
O sentido global do texto é mostrar
como o destino pode intervir na vida das pessoas, de forma surpreendente e
maravilhosa.
Ruben é uma personagem solitária, que
tem o hábito de atender telefones alheios, na esperança de encontrar alguém que
lhe fale.
As atitudes perante o telefonema de
Pulau Penang são de curiosidade, encantamento e coragem. Ruben decide
arriscar-se a conhecer a mulher que lhe ligou por engano, e acaba por se
apaixonar e casar com ela.
O destino é a força que une as duas
personagens, que vivem em lugares tão distantes e diferentes.
O texto é uma celebração do amor e da
magia do acaso.
Pedro e Inês, os amantes infelizes, por Sérgio Marques, 2021
Romance de D. Pedro e Dona Inês
Era seu colo de neve
tocado daquela graça
do contorno mais breve
onde o infinito se enlaça.
Morta, em sua fronte uma constelação
era presságio do ritual macabro
duma coroação.
O que bebera em sua carne a claridade
que dos deuses escorre para a mais pura taça
partiu com mãos de tempestade
apressando com ira
e com desgraça
a fatalidade que os ungira.
E só parou quando mudo no espanto
onde o enlevo da morte se adivinha
o fim do mundo ficou esperando
aos pés da mais fantástica rainha.
Natália Correia, Poemas
(1955)
O poema é
inspirado na história de amor trágico entre o infante D. Pedro e a sua amante
Inês de Castro, que foi assassinada por ordem do rei D. Afonso IV, pai de D.
Pedro, em 1351. Após a morte de Inês, D. Pedro declarou que se tinha casado
secretamente com ela e mandou coroá-la como rainha, expondo o seu cadáver no
trono.
O poema
apresenta uma estrutura narrativa, podendo ser dividido em três momentos: a
descrição da beleza de Inês (primeira estrofe), o relato do seu assassinato
(segunda e terceira estrofes) e a reação de D. Pedro (quarta estrofe).
As
imagens da primeira parte parecem ser ambíguas, visto que a neve pode
simbolizar a palidez da pele de Inês após a morte, mas também pode simbolizar a
brancura e a delicadeza da sua pele em vida. A graça e o contorno podem sugerir
a beleza e a delicadeza da sua forma mesmo na morte, mas também podem sugerir a
elegância e a perfeição da sua forma em vida. O infinito pode representar a
transcendência da beleza de Inês, mesmo após sua morte, mas também pode
representar a eternidade do amor entre Inês e D. Pedro.
Os versos da primeira estrofe parecem evocar a beleza serena do corpo
morto de Inês após a sua morte violenta, usando imagens de pureza e
tranquilidade para contrastar com a tragédia que ocorreu. Assim, o contorno
breve do corpo mortal demarcaria a fronteira entre o físico e o espiritual,
como se estivesse tocando o infinito.
A segunda
estrofe introduz elementos sombrios na narrativa, com a menção de uma
constelação na sua fronte como presságio do "ritual macabro / duma
coroação" póstuma, como de facto veio a acontecer.
A
terceira estrofe revela a crueldade do destino, sugerindo que o que atraía a
claridade dos deuses na sua carne foi arrancado com fúria e desgraça. O sujeito
poético emprega nesta parte do texto uma linguagem bem sombria e dramática para
narrar o ato cruel que tirou a vida de Inês. Palavras como
"tempestade", "ira", "desgraça" e
"fatalidade" são escolhidas para expressar a fúria e a
injustiça que marcaram o crime. A palavra "tempestade" evoca uma
sensação de caos e violência, sugerindo que o ato foi tumultuoso e selvagem.
"Ira" ressalta a intensidade da raiva subjacente a essa ação
violenta, enquanto "desgraça" aponta para o trágico e infortunado
destino de Inês. A palavra "fatalidade" enfatiza a inevitabilidade do
ocorrido, como se o destino estivesse selado desde o início.
Na quarta
estrofe, o sujeito poético retrata a profunda reação de D. Pedro perante o
cadáver de Inês, revelando o seu espanto e a sua dor de maneira comovente.
A
utilização de uma hipérbole, ao afirmar que "o fim do mundo ficou
esperando / aos pés da mais fantástica rainha" enfatiza a intensidade do amor de D. Pedro por Inês e a extensão do seu
sofrimento. Ao sugerir que o "fim do mundo" estava à espera, a poeta
indica que, para D. Pedro, nada mais importava a não ser o seu amor por Inês.
Essa hipérbole realça o aspeto trágico e atemporal do amor do protagonista,
como se a própria ordem do mundo estivesse suspensa ou interrompida diante da
morte de Inês.
Além
disso, ao chamar Inês de "rainha" depois de sua morte, o sujeito poético destaca
o caráter fantástico e paradoxal da situação. Inês, embora morta, é descrita
como uma rainha, talvez indicando que o seu amor e a sua beleza transcenderam a vida
e a morte, conferindo-lhe uma realeza eterna. Esse uso do termo
"rainha" também ressalta a importância de Inês na vida de D. Pedro e
a profunda reverência que ele sentia por ela, independentemente das
circunstâncias.
O poema
"Romance de D. Pedro e Dona Inês" de Natália Correia é um texto que
evoca uma atmosfera sombria e trágica, mergulhando na lenda histórica do amor
proibido entre D. Pedro I de Portugal e Dona Inês de Castro.
(A propósito dos episódios de racismo desta semana que envergonham toda a
raça humana)
O nome – ainda que não o punho – de Salomão foi
responsável por aquele que pode ser considerado o brinde-surpresa da Bíblia: o
facto de, neste heteróclito e tantas vezes contraditório conjunto de livros (de
épocas e autorias muito diversas) sobre a história da relação dos judeus com
Jeová, se encontrar lá no meio uma pequena antologia de versos eróticos de que
Jeová está totalmente ausente.
O motivo que justificou a inclusão desta antologia
erótica no Antigo Testamento foi a atribuição da sua autoria ao rei Salomão. Na
versão grega do Antigo Testamento, o título afirma-se como “Cântico dos
Cânticos, que é de Salomão” e o nome do filho de David surge, com efeito, no
interior do texto; de tal forma, aliás, que não é impossível experimentarmos a
ilusão de ser o próprio rei a enunciar alguns dos versos emitidos por uma boca
masculina, em resposta a outros versos claramente enunciados por uma mulher. No
entanto, tal como no caso do livro de Sabedoria (também falsamente atribuído a
Salomão), questões de cronologia tornam impossível a aceitação de que tenha
sido o grande rei judeu a compor este conjunto de versos desgarrados em que um
noivo e uma noiva antevêem (e, a dada altura, parecem gozar) as delícias do
leito conjugal.
Excluída a possibilidade da autoria salomónica, fica
então a pergunta: o que fazer deste pequeno livro, no seio da austera Bíblia,
livrinho esse cujo tema é sintetizado pela palavra “sexo”? Porque com ou sem a
assinatura de Salomão, o conteúdo do livro é inescapável: é uma antologia de
versos eróticos.
Confrontados com a necessidade de explicar a razão da
existência do Cântico dos Cânticos, exegetas bíblicos de todas as épocas e
quadrantes (judeus, católicos, ortodoxos, protestantes, etc.) desenvolveram uma
artilharia de interpretações metafóricas do Cântico, através das quais
procuraram fazer-nos ver que não é de sexo entre um casal humano que aqui se
trata, mas do amor de Deus (o “noivo”) ou de Jesus por uma noiva que pode ser o
povo eleito, a igreja católica ou até a Virgem Maria. A liturgia das Vésperas
Marianas inclui trechos do Cântico dos Cânticos, como “Pulchra es, amica mea”
(“És bela, minha amiga”), e – surpreendentemente – os versos do primeiro
capítulo deste livrinho que começam “Nigra sum – sed formosa” (“Sou negra – mas
bela”, Cântico dos Cânticos 1: 5).
Esta voz feminina que aqui nos fala descrevendo-se
como negra (“mas” bela) sugere um caminho de reflexão bem interessante. Porquê
o “mas”? Que surge tanto na tradução portuguesa da Bíblia dos Capuchinhos, como
na consagrada tradução latina da Vulgata? Na versão grega do Antigo Testamento,
a noiva do Cântico dos Cânticos diz de si própria “sou negra e bela” (μέλαινά εἰμικαὶκαλή). Segundo o comentário ao Cântico de Othmar Keel, também é nessa linha que devemos entender o original hebraico
(e por isso o ilustre teólogo suíço traduz “schwarz bin ich und anziehend”).
São Jerónimo, autor da tradução latina, deve ter sentido a necessidade de pôr
uma desculpa na boca da Sulamita (como a noiva é designada no capítulo 7 do
Cântico) por ser negra, levando-a a afirmar que era bela apesar de ser negra.
Os tradutores da Bíblia dos Capuchinhos mantêm espantosamente o “mas”,
mitigando-o por meio da alteração de “negra” para “morena”: “Sou morena, mas
formosa... não estranheis eu ser morena: foi o sol que me queimou...” Tanto em
hebraico, em grego como em latim, a noiva é claramente negra. Não há volta a
dar.
E o noivo – surpresa! – é branco. “O meu amado é alvo
e rosado”, canta a noiva negra (5: 10); o ventre dele é da cor de marfim (5:
14); as pernas são “pilares de alabastro” (5: 15). Além de ser uma antologia de
versos eróticos incrustada no meio da Bíblia, o Cântico dos Cânticos celebra
aquilo que, ainda nos anos 60 do século passado, era proibido no chamado Bible
Belt dos EUA: um casamento “misto”. Ainda bem que, “no fundo”, se trata de um
texto altamente alegórico que nada tem que ver com aquilo que ostensivamente se
lê no próprio texto... Ainda bem que é tudo sobre (os nunca mencionados) Jeová
ou Jesus ou Maria ou a Igreja... É que ler o Cântico dos Cânticos de forma
literal e simplista seria decerto muito redutor! É melhor dizermo-nos que os
peitos referidos (8: 10) não são peitos, mas símbolos de realidades
místico-divinas. Contudo, temos o direito de ser selectivos com a aplicação
destas leituras alegóricas, pois por vezes é mais aconselhável ler o texto à
letra! É claro que o noivo a entrar no “seu jardim” para “colher lírios” no
“canteiro dos aromas” (6: 2) só designa mesmo actividades hortícolas...
Sarcasmo à parte (e perdoem-me todos aqueles que
perfilham a ideia de que o Cântico dos Cânticos é o grande texto religioso
sobre o amor místico de Deus): como são belos os versos desta extraordinária
antologia erótica; versos para os quais a filologia bíblica contemporânea
encontra paralelos expressivos em tantas outras literaturas de territórios
próximos de Israel (mormente o Egipto antigo e helenístico). Quão belos são os
versos que nos dizem “forte como a morte é o amor; implacável como o abismo é a
paixão” (8: 6). Como é verdade, meu Deus, que não há fortuna no mundo que possa
comprar o amor (8: 7). E como é mais verdade ainda que se identifica o
verdadeiro amor por ser aquele que, simplesmente, é portador da paz (8:10).