Tu eras aquela que eu mais queria
Para me dar algum conforto e companhia
Era só contigo que eu sonhava andar
Para todo o lado e até quem sabe talvez casar
Ai o que eu passei só por te amar
A saliva que eu gastei para te mudar
Mas esse teu mundo era mais forte do que eu
E nem com a força da música ele se moveu
Mesmo sabendo que não gostavas
Empenhei o meu anel de rubi
Pra te levar ao concerto
Que havia no Rivoli
Era só a ti que eu mais queria
Ao meu lado no concerto nesse dia
Juntos no escuro de mão dada a ouvir
Aquela música maluca sempre a subir
Mas tu não ficaste nem meia hora
Não fizeste um esforço pra gostar e foste embora
Contigo aprendi uma grande lição
Não se ama alguém que não ouve a mesma canção...
Mesmo sabendo que não gostavas
Empenhei o meu anel de rubi
Pra te levar ao concerto
Que havia no Rivoli
Foi nesse dia que percebi
Nada mais por nós havia a fazer
A minha paixão por ti era um lume
Que não tinha mais lenha por onde arder
Mesmo sabendo que não gostavas
Empenhei o meu anel de rubi
Pra te levar ao concerto
Que havia no Rivoli
“Paixão”,
letra de Carlos Tê cantada por Rui Veloso
Piano,
teclados e acordeão: Manuel Paulo
Guitarra
acústica: Miguel Mascarenhas
Baixo:
Zé Nabo
Percussão:
André Rocha
Bateria:
Alexandre Frazão
Vozes:
Paulo Ramos, Berg, Sandra e Dora Fidalgo
Possíveis tópicos para discussão:
- A influência da música na construção da identidade.
- A relação entre a indústria musical e a promoção de estereótipos.
- A importância de uma educação sexual que inclua a discussão sobre relacionamentos saudáveis.
Eu cá acho que aquela atriz do Bay Watch, a
Pamela Anderson deveria ser condenada pelo mau exemplo que deu às mulheres da
minha geração. Ainda por cima ela era daquelas mulheres que podia ter tudo e
depois divorcia-se lá do outro brutamontes que lhe batia para se casar com ele
outra vez? Mas que mau exemplo era aquele? Já viste a quantidade de exemplos
que nós recebíamos só pela televisão no domingo à tarde? É que ela não era bem
como a Elizabeth Taylor que se casou duas vezes com o Richard Burton mas pelo
meio, antes e depois, lá se foi casando com mais 7 e não era só ele que lhe
batia, aquilo era uma tourada para todos os lados, mas a Pamela Anderson? De
fato banho laranja e cabelo ao vento, podia ter qualquer nadador salvador aos
seus pés e teima de ir para aquele idiota? Já viste o que é que ela estava a
dizer às mulheres adolescentes da altura como eu? Dizia primeiro que era
possível fugir daquele inferno mas que depois se pode escolher voltar para ele?
É um dos meus ódios de estimação. Sim, tu falas do Woody Allen e que te recusas
a ver mais filmes dele, e eu … aliás… nem precisamos ir mais longe, já ouviste
bem as letras do Carlos Tê do Rui Veloso? Há lá pior campanha de manipulação do
que ouvir a canção do rubi todas as férias, em cassete, dentro do carro, a
caminho do Algarve no verão?
Achas normal fazer uma canção daquelas?
Mesmo sabendo que não gostavas comprei-te um bilhete para ires àquele concerto?
Mas como é que isto pode ser uma canção de amor que uma família inteira canta
dentro do carro enquanto come sandes de atum com maionese e bebe
Bongo-sumo-rei-da-selva enquanto está parado na fila de trânsito de sábado ao
final da manhã para atravessar a ponte?
Tu já reparaste bem na letra daquela
canção? Eu lembro-me dos meus pais a cantarem e lembro-me de pensar: Mas
por que raio é que ele comprou um bilhete para um concerto de uma banda que ela
não gostava? E por que raio ficou à espera que ela gostasse de propósito só
para lhe agradar? Mas tem de ser assim, no amor? Oh, lá vens tu com as tuas
teorias de romance de algibeira… a curiosidade, a curiosidade… ouve lá bem a
letra… espera aí que eu agora não me lembro… como é que é, como é que começa?
Ah! Começa assim: Tu eras aquela que eu mais queria… estás a ouvir bem? Já não
tem nada a ver com os dois, começa logo com uma queixa, tipo: estás a ver,
estás a ver? Eu gostava tanto de ti e tu népia, ainda te atreves a deitar-me
fora que sou tão incrível e gosto tanto de ti… e vai por aí fora… e porque é
que ele gostava dela? Para lhe dar conforto e companhia… sim não gostava do que
dizia ou do que fazia ou do que era… gostava dela para lhe dar conforto e
companhia… já viste bem? E depois ele diz: era só contigo que eu sonhava andar,
para todo o lado e até, quem sabe?, talvez casar… quem sabe? Sim, quem sabe… já
viste a imagem de romance que isto passa a uma miúda de 8 anos… olha como ele
está triste, ele até te tinha escolhido e tu? Népia…e depois continua… Ai o que
eu passei só por te amar, A saliva que eu gastei para te mudar. Para te mudar?
Mas que raio de história é esta? Então ele gostava dela ou não? E depois fica pior,
espera, espera, ouve bem a letra que eu acho que nunca reparaste bem… O que eu
passei só por te amar … sofreu sozinho, não aceitava não ser correspondido,
certo? E porquê? Ele explica: Mas esse teu mundo era mais forte do que eu, ou
seja, ela tinha vontade própria, tu já viste bem a lata da miúda? Pensava lá à
maneira dela, e ele coitado que queria tanto até, talvez, quem sabe, um dia
casar com ela, e ela nem percebia a sorte que tinha? Olha que coisa! E ele vai
mais longe e diz – não só ela tinha lá um mundo dela mais forte do que ele como
nem com a força da música ele se moveu. Ah! E claro, era o mundo dela que se
tinha de mover, não era o dele… isto fazia-me uma confusão quando eu ouvia isto
no carro dos meus pais, eu no banco detrás de mini saia, eles de camisolas sem
alças a cantar e a abanar a cabeça lá à frente. Mas o pior ainda está para vir…
ele já tinha percebido que o mundo dela era mais forte do que ele, certo? e que
ela não ia lá nem mesmo com a força da música, certo? E o que é que ele se lembra
de fazer?
Vou cantar para ti que vale a pena, ora ouve-me
bem, vou dar o meu melhor: Mesmo sabendo que não gostavas, Empenhei o meu Anel
de Rubi, Pra’ te levar ao concerto que havia no Rivoli.
E eu não cantei com tanto ímpeto, mas
aquilo é tudo muito sentido, imaginas como não deve ser em concerto, tudo de
isqueiro, os namorados de mão dada, elas a suspirar, a ver se ele empenha o
anel da avó deles isso é que é sinal de amor e tal… E ela tem mais é que se
sentir culpada porque era só a ti, que eu mais queira / Ao meu lado no concerto
nesse dia, Juntos no escuro de mão dada a ouvir / Aquela musica maluca sempre a
subir…
Ora, ele tinha tudo planeado, a música a
dar, eles a sentirem muito, tudo a cantar mas ela não ficou nem meia hora, já
viste, a desgraçada? Então eu empenhei o meu anel de rubi que roubei à minha
avó e ela nem fez um esforço para gostar e foi-se embora?
Então mas ele não sabia que ela não
gostava? E se sabia para que é que ele a levou até um concerto que já sabia que
não era do agrado dele? E se ela lhe fizesse o mesmo? Não lhe ocorreu que esta
podia ter sido uma má escolha, nem lhe ocorreu que a poderia estar a torturar,
já viste o que é ires a um concerto de uma banda que odeias? É que para ler uma
pessoa ainda pode fechar os olhos, mas num concerto não dá para fechar os
ouvidos… E o que é que ele conclui desta bonita ideia? Que se calhar era melhor
terem ido jantar fora? Ou ir a uma peça de teatro? Ou passear num jardim? Ou
perguntar-lhe de que música gostava? Não, claro que não. Ele aprendeu uma
grande lição: NÃO SE AMA ALGUÉM QUE NÃO OUVE A MESMA CANÇÃO!
Olha que porra!
E como se não chegasse, e para provar que
não tinha percebido nada do que lhe tinha acontecido, ele volta a repetir que
mesmo sabendo que não gostavas, empenhei o meu anel de rubi, para te levar ao
concerto que havia no Rivoli. E lá entra a harmonicazinha ainda a dar um tom de
alpendre americano ao pôr do sol… que carago! Nunca mais me esqueci desta
canção! Puxa!J
Dedicado a Keli Freitas, Crista Alfaiate e Isabel Campante e a uma belíssima noite passada a atrapalhar o trânsito na praça de D. Duarte em Viseu.
"Não se ama quem não ouve a mesma canção?", Patrícia
Portela, JL, 13-07-2021. Disponível em: https://visao.pt/jornaldeletras/ideiasjl/2021-07-13-nao-se-ama-quem-nao-ouve-a-mesma-cancao/