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quinta-feira, 20 de abril de 2023

A cidade - crónica de José Saramago

 

A cidade

Era uma vez um homem que vivia fora dos muros da cidade. Se cometera algum crime, se pagava culpas de antepassados, ou se apenas se retirara por indiferença ou vergonha – não se sabe. Talvez um pouco de tudo isto, tão certo é que do belo e do feio, da verdade e da mentira, do que se confessa e do que se esconde, fazemos todos nós a nossa casual existência. Vivia o homem fora dos muros da cidade, e dessa segregação deliberada ou imposta acabou por fazer um pequeno título de glória. Mas não podia evitar (isso não podia) que nos olhos lhe pairasse a névoa melancólica que envolve todo o ser desterrado.

Algumas vezes tentou entrar. Fê-lo não por um desejo irreprimível, nem sequer por cansaço da situação, mas por mero instinto de mudança ou desconforto inconsciente. Escolheu sempre as portas erradas, se portas havia. E se lhe aconteceu julgar que entrara na cidade, talvez sim, mas era como se a par da cidade real houvesse imagens dela, inconsistentes como a sombra que nos olhos se tornava mais e mais densa. E quando essas imagens se desvaneciam, como o nevoeiro que das águas se desprende ao toque luminoso do sol, era o deserto que o rodeava, e ao longe, brancos e altos, com árvores plantadas nas torres e jardins suspensos nas varandas, os muros da cidade brilhavam outra vez inacessíveis.

De dentro vinham rumores de festa. Assim lho dizia, mais do que os sentidos, a imaginação. Rumores de vida seriam, pelo menos. Não a morte solitária que é a contemplação obstinada da própria sombra. Não o desespero surdo da palavra definitiva que se escapa no momento em que seria, melhor que uma palavra, uma chave. E então o homem rodeava as longas muralhas, tateando, à procura da porta que obscuramente lhe estaria prometida.

Porque o homem acreditava na predestinação. Estar fora da cidade (se disso tinha real consciência) era para ele uma situação acidental e provisória. Um dia, no dia exato, nem antes, nem depois, entraria na cidade. Melhor dizendo: entraria em qualquer parte, que a isto se resumia o seu esperar. Que a névoa da melancolia se tornasse noite, seria um mal necessário, mas também provisório, porque o dia predestinado traria uma explicação. Ou nem isso, sequer. Um fim, um simples fim. Uma abdicação já serviria.

O homem não sabia que as cidades que se rodeiam de altos muros (ainda que brancos e com árvores) não se tomam sem luta. Não sabia o homem que antes da batalha pela conquista da cidade outro combate teria de travar e vencer. E que nesta primeira luta teria de lutar consigo mesmo. Ninguém sabe nada de si antes da ação em que tiver de empenhar-se todo. Não conhecemos a força do mar enquanto ele não se move. Não conhecemos o amor antes do amor.

Veio a batalha. Como nos poemas de Homero, também os deuses entraram nela. Combateram a favor e contra, algumas vezes uns contra os outros. O homem que lutava para viver dentro dos muros da cidade cruzou espada e palavras com os deuses que estavam do seu lado. Feriu e foi ferido. E a luta durou longos e longos dias, semanas, meses, sem tréguas nem repouso, ora junto às muralhas, ora tão longe delas que nem a cidade se via, nem se sabia bem já que prémio estaria no fim do combate. Foi outra forma de desespero.

Até que um dia o terreno da luta ficou livre e desimpedido, como um estuário onde as águas descansam. Sangrando, o homem e o deus que lhe ficara olharam de frente as portas, abertas de par em par. Havia um grande silêncio na cidade. Ainda amedrontado, o homem avançou. A seu lado, o deus. Entraram – e foi só depois que entraram que a cidade se tornou habitada.

Era uma vez um homem que vivia fora dos muros da cidade. E a cidade era ele próprio. Cidade de José se lhe quisermos dar um nome.

José Saramago, Deste mundo e do outro
Porto Editora, 2018. Recurso disponível em: https://recursos.portoeditora.pt/recurso?id=17681323

 

Deste Mundo e do Outro reúne, em 1971, através da Editorial Arcádia, 61 crónicas que haviam sido publicadas entre 1968 e 1969 no jornal A Capital.

Nos anos 90, José Saramago, na conferência intitulada “A crónica como aprendizagem: uma experiência pessoal”, afirma: “Vários pontos, nessas crónicas, poderão ser retidos se se quiser caracterizar, no seu autor, tanto uma forma de escrever como um modo de sentir: em primeiro lugar, certa coincidência de atitude entre a crónica e o poema lírico (articulação com o momento presente, brevidade do texto, possibilidade de captação das ressonâncias evocativas do seu sentido); em segundo lugar, a prática constante de uma prosa medida, susceptível de criar no escritor um treino dos recursos estilísticos em função da densidade e da economia expressivas; em terceiro lugar, o hábito de colocar em conjunção de interesses a dinâmica do tempo que se vive, a sensibilidade do sujeito que o vive e as potencialidades verbais susceptíveis de definirem essa mesma expressão.”

Ler mais em: https://www.josesaramago.org/conferencia/a-cronica-como-aprendizagem-uma-experiencia-pessoal/

 



Do livro Deste Mundo e do Outro, selecionámos a primeira crónica (possivelmente na esperança de ter sido esta a 1.ª crónica escrita pelo autor, mas sem dados que nos permitam tal afirmação). “A cidade”, é o seu nome. Uma qualquer cidade, uma crónica que começa como uma história para crianças, com “Era uma vez…”, levando-nos pois, por ora, para um universo ficcional. Esta cidade sem nome (para já), é rodeada por muros e, fora deles, vive um homem. Não se sabe porquê, adiantando o autor algumas hipóteses e admitindo, desde logo, que “tão certo é que do belo e do feio, da verdade e da mentira, do que se confessa e do que se esconde, fazemos todos nós a nossa casual existência.” Uma primeira lição, um primeiro alerta para uma ética que paira sobre os que vivem dentro dos muros da cidade e que lhes impede uma visão clara. Este homem, que é o protagonista da história, não consegue, ele próprio, discernir acerca do que é real ou não, tantas são as imagens ensombradas que se adensam ao seu redor sempre que tenta entrar na cidade/no real, afinal tão longe do seu alcance, tão longe do deserto em que se encontra, tão inacessível. Este homem imagina uma cidade em festa, uma cidade plena de vida e vai “tacteando, à procura da porta que obscuramente lhe estaria prometida.” Ele acredita estar predestinado a entrar, “Um dia, no dia exacto, nem antes, nem depois….”, como acredita que, nesse dia, lhe chegará a explicação de tudo. Mas o homem não sabe

…que as cidades que se rodeiam de altos muros (ainda que brancos e com árvores) não se tomam sem luta. Não sabia o homem que antes da batalha pela conquista da cidade outro combate teria de travar e vencer. E que nesta primeira luta teria de lutar consigo mesmo. Ninguém sabe nada de si antes da acção em que tiver de empenhar-se todo. Não conhecemos a força do mar enquanto ele não se move. Não conhecemos o amor antes do amor. (sublinhado nosso).

Segundo alerta do autor: o primeiro combate do homem deve ser consigo próprio, de nada lhe adiantando querer forçar uma batalha, querer entrar num real que lhe é exterior, quando não se empenhou ainda o suficiente na acção que é o conhecer-se a si mesmo. Está o autor a dirigir-se ao leitor ou a si próprio? Cremos que a ambos. A advertência apela, sobretudo, ao cuidado a ter com “as cidades que se rodeiam de altos muros (ainda que brancos e com árvores)”, ou seja, cuidado com o que nos é dado como “natural” e verdadeiro.

Depois de uma batalha em que “Como nos poemas de Homero, também os deuses entraram…”, as portas estão, finalmente, “abertas de par em par” e paira “um grande silêncio na cidade.” Homem e deus entram na cidade, “e foi só depois que entraram que a cidade se tornou habitada.”

Era uma vez um homem que vivia fora dos muros da cidade. E a cidade era ele próprio. Cidade de José se lhe quisermos dar um nome.

Assim termina a crónica. “Cidade de José…”, cidade de José Saramago, dizemos nós, a cidade na qual o autor entra após uma batalha consigo próprio, a batalha do conhecimento interior, a batalha a que incita os outros homens, se assim quiserem derrubar os muros que não lhes deixam ver dentro de si. Numa palavra: a cidade da consciência.

Sobre as crónicas de José Saramago, ler mais em: Crónica: Literatura de Compromisso ou a Urgência da Palavra, Maria de Fátima Palmela de Faria Roque. Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2011

 

 


CARREIRO, José. “A cidade - crónica de José Saramago”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 20-04-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/04/a-cidade-cronica-de-jose-saramago.html


 

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Literatura de Compromisso




Sobre literatura, compromisso e transformação social

José Saramago

 

Repito estas palavras lentamente literatura, compromisso, transformação social , pronuncio-lhes as sílabas como se, em cada uma delas, se escondesse ainda um significado secreto à espera de ser revelado ou simplesmente reconhecido, procuro reencaminhá-las para a integralidade de um sentido primeiro, restauradas do desgaste do uso, purificadas das vulgaridades da rotina e encontro-me, sem surpresa, perante duas vias de reflexão, quem sabe se as únicas possíveis, percorridas mil vezes já, é certo, mas a que é nosso inelutável destino regressar sempre, quando a crise contínua em que vivem os seres humanos seres em crise, por excelência, e humanos talvez por isso mesmo deixou de ser crónica, habitual, para tornar-se aguda e, ao cabo de um tempo, culturalmente insustentável. Como parece ser a situação deste homem que hoje somos e deste tempo em que vivemos.

À primeira via de reflexão, que desde já, e pedindo perdão a quem o contrário pense, me atreveria a qualificar de ingénua, seria a de uma tendência muito corrente que consiste em incluir a literatura entre os agentes de transformação social, entendendo-se tal denominação, neste caso, não tanto como referida às consequências sociais decorrentes dos factores estéticos, mas sim a supostas determinantes influências, na ordem ética e na ordem axiológica, independentemente do carácter positivo ou negativo das suas manifestações. De acordo com tal maneira de pensar, e extrapolando, em benefício do raciocínio, conteúdos e formas historicamente diferenciados, para assim podermos abranger numa única visão o ensino, a literatura e a cultura em geral, haveríamos de coincidir, hoje, e apesar dos trágicos desmentidos da realidade, com a panglossiana convicção dos nossos oitocentistas e optimistas avós, para quem abrir uma escola equivalia a fechar uma prisão. Que venham as estatísticas escolares e judiciárias dizer-nos se a massificação do ensino se tem configurado, de facto, como prevenção bastante ou como antídoto eficaz contra a massificação da criminalidade, que é, sem dúvida, uma das características deste nosso final de século...

Deixemos, porém, as escolas de lado, deixemos de lado a cultura em geral, deixemos a arte, a filosofia e a ciência, para cuja adequada ponderação me faltariam o saber e a autoridade, e tornemos à literatura e à sua relação com a sociedade.  Mantenhamo-nos discretamente nos domínios do ético e do axiológico (sem os quais, há que reconhecê-lo, qualquer exame de uma transformação social determinada, fosse qual fosse a sua época, teria de satisfazer-se com pouco mais do que uma tabela de pesos e medidas), e reconheçamos, por muito que essa verificação castigue a nossa confiança, que as obras dos grandes criadores literários do passado, de Homero a Cervantes, de Dante a Shakespeare, de Camões a Dostoievski, apesar da excelência de pensamento e fortuna de beleza que diversamente nos propuseram, não parecem ter originado, em sentido pleno, nenhuma efectiva transformação social, mesmo quando tiveram uma forte e às vezes dramática influência em comportamentos individuais e de geração. No plano da ética, dos valores, do respeito humano, apetece dizer, sem cinismo, que a humanidade (estou a referir-me, claro está, ao que costumamos designar por mundo ocidental) seria exactamente o que hoje é se Goethe não tivesse vindo ao mundo. E que, em reforço desta ideia, não consta que a leitura dos Fioretti de S. Francisco de Assis tivesse salvado a vida a uma só das vítimas da Inquisição...

Admissível é, pois, afirmar que a literatura, mesmo quando, por razões religiosas ou políticas, se dedicou a um missionarismo de bons conselhos e a uma engenharia de almas novas, não só não contribuiu, como tal, para uma modificação positiva e duradoura das sociedades, como provocou, muitas vezes, insanáveis sentimentos de frustração individual e colectiva, resultantes de um balanço negativo entre as teorias e as práticas, entre o dito e o feito, entre uma letra que proclamava um espírito e um espírito que não se reconhecia na letra. Bem mais fácil seria, para quem faça questão de descobrir em todas as coisas mútuas relações de causa e efeito, reunir provas da influência maléfica da literatura (de uma parte dela, pelo menos) nos costumes e na moral, e portanto na sociedade, tarefa, aliás, bastante favorecida pela presença obsessiva de algumas dessas obras e alguns desses autores, por exemplo, no imaginário sexual de milhões de pessoas, alimentando fantasmas e fantasias a que, de outro modo, ficariam faltando referências, abonações, modelos, por outras palavras, uma completa filosofia de vida... Entendidas assim tais relações, e adoptando a atitude, mais comum do que se imagina, daqueles que crêem que algo só tem existência verdadeira a partir do momento em que existe a palavra que o nomeará, o Sadismo ter-se-ia revelado ao mundo quando o marquês de Sade, ainda criança, arrancou, pela primeira vez, as asas a uma mosca, e o Masoquismo, também ele, teve de aguardar o dia em que a pequena alma de Sacher-Masoch, talvez por aquela mesma idade, e imitando, sem o saber, o exemplo dos místicos de todas as religiões, percebeu que era, primeiro, possível, depois, desejável, passar do sofrimento no prazer ao prazer no sofrimento. Ao cabo de milénios, depois de uma longuíssima espera, de tanto tempo perdido, o sádico e o masoquista puderam finalmente encontrar-se, reconhecer-se como complementares e, desta maneira, inaugurar a felicidade...

Este percurso, tão breve, pela primeira das vias de reflexão que se nos apresentaram, aquela que assentava no pressuposto de que a literatura, independentemente do significado moral ou imoral das suas expressões, teria exercido ou exerceria ainda influência nas sociedades, ao ponto de constituir-se como um dos seus agentes transformadores, conduziu-nos, creio, a uma conclusão pessimista e aparentemente intransponível: a da sua irresponsabilidade essencial. Irresponsabilidade, digo eu, no sentido restrito de que não será legítimo atribuir ao ciclo da Guerra das Duas Rosas de Shakespeare, tomemos este outro exemplo, a culpa de um eventual aumento, em número e em gravidade, dos crimes públicos ou privados em geral, como igualmente não teremos o direito de acusar o autor de Ricardo III de não haver podido lograr, graças ao que se espera ser a lição admoestadora e edificante de toda a tragédia, que os reis e os presidentes passassem a matar-se menos e os particulares a respeitar-se mais. Uns aos outros e a si mesmos, faltou dizer.

Se a literatura é de facto irresponsável, na dupla acepção de não poderem ser-lhe imputados, mesmo que só parcialmente, nem o bem nem o mal da humanidade, e portanto não estar obrigada, quer para penitenciar-se quer para felicitar-se, a prestar contas em nenhum tribunal de opinião; se, pelo contrário, actua, no seu fazer-se, como um reflexo mais ou menos imediato do estado mental das sociedades e das suas sucessivas transformações então, a segunda via de reflexão proposta, aquela que, talvez com excessivo radicalismo, precisamente acabaria por mostrar a literatura como mero e obediente sujeito, mesmo nas suas aparentes rebeliões, essa via interrompe-se quando ainda mal tínhamos dado os primeiros passos, assim nos reconduzindo ironicamente ao ponto de partida, à bifurcação dos caminhos, à eterna interrogação sobre o que deve ser e para que deve servir a literatura quando, na vida cultural dos povos, se instala o sentimento inquietante de que, não tendo aparentemente deixado de ser, manifestamente deixou de servir.

Mesmo que o determinismo da conclusão possa humilhar certas vaidades literárias, mais inclinadas do que aconselharia a modéstia a magnificar o seu papel na repúblicas das letras e na sociedade em geral, penso que não teremos mais remédio do que reconhecer que a literatura não transformou nem transforma socialmente o mundo e que o mundo é que transformou e vai transformando, e não apenas socialmente, a literatura. Posta a questão assim, em termos simples, objectar-se-á que depois de nos terem fechado os caminhos, agora nos vêm fechar as portas, e que, encerrado neste círculo, sobre todos vicioso e perverso, nada mais restará ao escritor, enquanto tal, que trabalhar sem esperança de vir realmente a influir na vida da sua época, limitado a produzir os livros que a necessidade de divertimento da sociedade, sem o parecer, lhe vai encomendando, e com os quais se satisfarão ela e ele, ou, no caso de ter sido contemplado com uma porção suficiente de génio quando da sua distribuição pelo cosmo, escrever obras que o seu tempo compreenderá mal ou a que será hostil, deixando ao futuro a responsabilidade de um julgamento definitivo que, eventualmente seguro e justo nesse caso específico, reincorrerá, infalivelmente, em erros de apreciação quando, já tornado presente, for chamado a pronunciar-se sobre obras contemporâneas. Em verdade, o escritor, quando escreve, não está apenas só, está também rodeado de escuridão, e creio que não abusarei da minha limitada faculdade de imaginar se disser que até a própria luz da obra pouca ou muita, todas a têm o cega. Dessa particular cegueira não o poderão curar nenhuma crítica, nenhum juízo, nenhuma opinião, por mais fundamentados, e úteis em alguns planos, que se lhe apresentem, porquanto são emitidos, todos eles, de um outro lugar.

Em que ficamos, então? Se as sociedades não se deixam transformar pela literatura, ainda que esta, numa ou noutra ocasiões, possa ter tido nas sociedades alguma superficial influência, se, pelo contrário, é a literatura a que se encontra permanentemente assediada por sociedades, como são estas de hoje, que não lhe exigem mais do que as fáceis variantes duma mesma anestesia do espírito que se chamam frivolidade e brutalidade como poderemos nós, sem esquecer as lições do passado e as insuficiências de uma reflexão dicotómica que se limitaria a fazer-nos viajar entre a hipótese, nunca satisfatoriamente verificada, de uma literatura agente de transformações sociais, e a evidência de uma literatura, outra, esta, que parece não ser capaz de fazer mais do que recolher os destroços e enterrar as vítimas das batalhas sociais , como poderemos nós, insisto, ainda que provocando a troça das futilidades mundanas e o escárnio do senhores do mundo, voltar a um debate sobre literatura e compromisso, sem parecer que estamos falando de restos fósseis?

Espero que no futuro próximo não venham a faltar respostas a esta pergunta e que cada uma delas, ou todas juntas, possam fazer-nos sair da dolorosa e resignada paralisia de pensamento e acção em que parecemos comprazer-nos. Por minha parte, limito-me a propor, sem mais rodeios, que regressemos rapidamente ao Autor, a essa concreta figura de homem ou de mulher que está por trás dos livros e sem a qual a literatura seria coisa nenhuma, não para que ele ou ela nos digam como foi que escreveram as suas grandes ou pequenas obras (o mais certo é não o saberem eles próprios), não para que nos eduquem e guiem com as suas lições (que muitas vezes são os primeiros a não seguir), mas simplesmente para que nos digam quem são, na sociedade que, eles e nós, somos, para que se mostrem todos os dias como cidadãos deste presente, mesmo que, como escritores, creiam estar trabalhando para o futuro. O problema não está em, supostamente, se terem extinguido as razões e causas de ordem social, ideológica ou política que, com resultados estéticos tão variáveis quanto as intenções, levaram ao que se chamou literatura de compromisso, no sentido moderno da expressão; o problema está, mais cruamente, em que o escritor, regra geral, deixou de comprometer-se, e em que muitas das teorizações em que hoje nos deixamos envolver não têm outra finalidade que constituir-se como escapatórias intelectuais, modos de ocultar, aos nossos próprios olhos, a má consciência e o mal-estar de um grupo de pessoas os escritores que, depois de se terem olhado a si mesmos, durante muito tempo, como luz divina e farol do mundo, acrescentam agora, à escuridão intrínseca do acto criador, as trevas da renúncia e da abdicação cívicas.

Depois de morto, o escritor será julgado segundo aquilo que fez. Reivindiquemos, enquanto ele estiver vivo, o direito a julgá-lo também por aquilo que é.

José Saramago, Colóquio em Málaga, publicado na revista Quimera

Disponível em: Saramago: Escrever, Interromper. Narrativas breves de José Saramago: problemáticas de um lugar discursivo. Maria de Fátima Palmela de Faria Roque. Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2016

 

https://www.josesaramago.org/produto/literatura-compromisso/


Literatura de Compromisso

 

L’égalité fait effet dans le corps social sous forme d’existences suspensives, qui peuvent s’appeller littérature ou prolétariat…1

 

 

Literatura de compromisso, expressão que emoldura o presente trabalho, remete-nos para uma imensa área da reflexão e produção científica, que abarca, entre outros, os binómios literatura-sociedade, literatura-política, literatura-ética, os quais se encontram, por  seu  turno,  relacionados  com  a  problemática  dos  intelectuais  da  escrita,  esses homens de letras, assim designados desde o  affaire Dreyfus2, e cujo  silêncio ou intervenção suscitam, até hoje, as mais variadas discussões quanto àquilo que “deve ser” a sua atitude face à escrita e ao contexto em que se integram.

Não pretende este trabalho focar-se na questão dos intelectuais, à qual nos dedicámos já, no âmbito do Seminário de Metodologias em Estudos Portugueses (trabalho intitulado: “O Intelectual e a Pós-Modernidade: que lugar, que tarefa? Uma reflexão em torno dos legados de Sartre, Foucault e Lyotard”, janeiro de 2011), mas não podemos deixar de os referir, dado ser nosso entendimento que o intelectual-escritor é o autor por detrás de uma literatura do compromisso (e não comprometida, no sentido de militante), uma literatura cuja missão é por ele encarada enquanto portadora de um sistema de valores éticos e de conceitos universais”, mais precisamente, os “seus” valores e conceitos, enformados esteticamente pelas palavras, essa ferramenta a única de que sabe dispor de uma forma (por vezes) quase mágica, que abre novas paisagens no espírito do leitor. É quase possível dizer-se que toda a obra literária é uma obra de compromisso, o compromisso de dar forma e sentido ao real.3

Falamos, pois, de um trabalho, o trabalho de escrita e de uma escrita cuja função não é apenas comunicar ou exprimir, mas impor um além da linguagem que é ao mesmo tempo a História e o partido que nela se toma”4, i.e., que é também um projeto de vida, no sentido de colagem e consistência de um conjunto de temas (em entrevista a Leneide Duarte-Plon5, Jacques Rancière formula a opinião de que “não temas, uma vez que o estilo é [citando Flaubert] ‘uma maneira absoluta de ver as coisas’”) que o  autor transpõe para a sua obra, seja de modo ficcional ou nas múltiplas facetas da sua intervenção pública, numa autoridade que outros lhe conferem enquanto figura das letras com obra reconhecida e por si tida como responsabilidade. A nosso ver, é, precisamente, na multiplicidade de papéis assumidos pelo escritor cuja obra é recebida como objeto de relevo (e graças a ela), que reside a adequação da designação de “intelectual”. O escritor intelectual é, parece-nos, o escritor que subverte, com a sua obra e com as suas ações, convenções, códigos e tradições, não com a pretensão de instituir novos, mas sim de fundar um novo espaço junto da comunidade de cidadãos do seu tempo: o espaço para um novo olhar sobre o real, para uma nova visão do mundo.6

Uma literatura de compromisso apenas pode, por isso e a nosso ver, ser encontrada no conjunto que compõe a obra e o percurso de vida de determinado escritor, no sentido em que, uma e outra, devem figurar-se como os dois lados de um espelho: a personalidade (o eu interior) e aquilo que esta conseguiu criar, dar ao mundo. Homem e autor caminhando a par, refletindo sobre o seu tempo, interrogando-o e interrogando-se, forçando brechas onde deteta clausuras, estrategicamente investindo em objetos literários direcionados a um mesmo público, a uma mesma finalidade, ainda que, aparentemente, neles se reproduzam as suas várias vozes. Homem e autor presentes na matéria discursiva com a qual é construído um romance, um conto, um poema, uma crónica, até mesmo um diário ou uma intervenção pública. Homem e autor, por último, para quem a literatura e a palavra, são a urgência do seu tempo.

Ideologia7 e política são fatores indissociáveis deste tipo de problemática. O autor comprometido com o seu tempo e com a sua obra, não pode deixar de expressar os seus sentimentos, os seus ideais, as suas posições políticas, no sentido daquilo que considera ser a melhor forma de organizar uma comunidade, uma sociedade. Não se trata aqui de uma questão de militância em determinado partido político (essa será a postura do escritor militante, que consideramos poder encarar como autor de textos de menor qualidade literária, por se guindarem em regras rígidas e enformadas de determinados postulados partidários). Mais do que falar de ideologias8 ou de modelos organizativos que hoje se reconhecem fracassados ou por acontecer (como o comunismo), destituídos de sentido pelo horror e pelo mal que induziram (como todos os nacionalismos), esgotados (como o imperialismo), ou sem alternativa (como o neoliberalismo), importa-nos situar o escritor-intelectual numa teia de relações na qual nada do que lhe é passado, história, património constitutivo do seu ser e do seu tempo, é deixado de lado, antes aposto num dos pratos da balança como contrapeso aos dados que vai lançando para o outro prato: os dados da atualidade, ponto de partida para a construção de uma narrativa estética do real.

“Se a ideologia como diz Macherey pode ser apresentada como um conjunto de significações,  um  conjunto  não  sistemático,  a  obra  propõe  uma  ‘leitura’  dessas significações”, embora essa leitura… nunca esgote a obra, pois esta, não se bastando a si mesma, abre-se para “a ‘presença’ do não dito”. E o que significa esse “não dito”? Significa que na obra de arte a ideologia não se apresenta propriamente como conteúdo. A ideologia é apenas a matéria prima para a construção ou apresentação do imaginário… (Fernando Guimarães, Linguagem e Ideologia, p. 27)

Fará hoje sentido falarmos de uma literatura de compromisso? De uma literatura que alguns situaram/fixaram num tempo e espaço próprios da História? Fará sentido falarmos de escritores comprometidos com o seu tempo e com um determinado trabalho de escrita, na linha do que Sartre designou de escritor engajado?9 Pensamos que sim, que continua a estar presente esta necessidade e que a podemos encontrar na obra literária de escritores portugueses contemporâneos, como é o caso de José Saramago e de outros (refiram-se apenas os nomes de José Cardoso Pires, Carlos de Oliveira ou Vergílio Ferreira, com produções literárias diferenciadas que, em dado momento e contexto histórico, se identificaram com um movimento específico o movimento neorrealista português e que, apesar das opções estéticas posteriores de cada um, mantiveram um registo a que chamaremos ético, traduzido num compromisso com a palavra, com a literatura e com o seu tempo). E, se esta escrita é necessária (“As feridas, como mostram os escritores, ainda sangram…”, recorda-nos Walter Jens10) e útil, é porque tem um público leitor específico, que a “interpreta” como tal. Este público é, também, o Outro que testemunha. E a literatura é sempre, a cada palavra escrita, um ato público, uma tomada de posição.

L’’espace des possibles’ dans lequel se meut l’écrivain n’est pas identique à chaque époque; il est en constante mutation et ne cesse de se reconfigurer, donnant à chaque période de l’histoire littéraire son profil singulier. Aussi la définition de ce qu’est la littérature engagée se singularise-t-elle du même pas que l’espace des possibles dans lequel elle s’inscrit. (Benoît Denis, Littérature et engagement, de Pascal à Sartre, p. 27).

 

A comunidade dos singulares

O escritor-intelectual é um homem comprometido com o seu tempo, preocupado com o sentido da verdade, com as dissonâncias e os desequilíbrios, com a linguagem e com a palavra. O escritor-intelectual é, assim o entendemos, ele mesmo, um político, porque busca incessantemente, através da palavra, fazer eclodir gritos onde apenas silêncio, porque denuncia e alerta, ficcional ou diretamente, as falsidades de convenções impostas pelo poder e assumidas por uma comunidade como verdadeiras, ao ponto de se tornarem consensuais, patrimoniais. O escritor-intelectual aponta a dedo as diferenças numa sociedade (retórica e demagogicamente) pintada de igual. O escritor-intelectual é muitas vezes um escritor-maldito, porque nomeia o mal, o erro, a contradição, a rejeição do Outro; ele sabe que o próprio tempo é uma utopia a nova utopia, o remédio para todos os males, tal como refere Jacques Rancière11 (“Le temps devient alors, dans une fuite en avant, la matière de la dernière utopie.”) e tem a coragem de assinar por baixo.

Uma das questões que nos parecem pertinentes no quadro do relacionamento da literatura com a política, é a questão do Outro. Se à democracia tem sido conferido o mérito e a responsabilidade de se edificar enquanto o único regime político capaz de promover uma sociedade de iguais, a reflexão levada a efeito por parte de alguns autores contemporâneos (como Jacques Rancière), conduz-nos à interrogação quanto à sua própria existência, bem como ao tipo de organização a que deu origem. Talvez esteja, então, aí, a verdadeira razão de ser do escritor-intelectual: aquele que enuncia a “paixão pelo Um que exclui” (Rancière, Aux bords du politique, p. 66).

É, aliás, significativa a chamada de atenção do autor de Aux bords du politique, para esta questão:

La démocratie n’est ni l’autorégulation consensuelle des passions plurielles de la multitude des individus ni le règne de la collectivité unifiée par la loi à l’ombre des déclarations des Droits… Il n’y a pas démocratie simplement parce que la loi déclare les individus égaux et  la collectivité maîtresse d’elle même. Il y faut encore cette puissance du ‘démos’12 qui n’est ni l’addition des partenaires sociaux ni la collection des différences mais tout au contraire le pouvoir de défaire les partenariats, les collections et les ordinations. (Rancière, Aux bords du politique, p. 67)

Parece-nos como que um tiro certeiro, esta afirmação de Rancière: a democracia, sistema a que o homem almejou ao longo de tantas épocas, pelo qual se fizeram guerras, o regime idealizado como o mais justo, não chegou, todavia, a consolidar-se. Não pode, como refere o autor, decretar-se a democracia, é preciso potenciar o ‘démos’ que, ao contrário do que se pensa, não se traduz numa mera soma das partes sociais nem numa colecção das diferenças, mas no seu oposto, ou seja, o desfazer de partenariados, colecções e ordenações. Certamente não seria necessária a tradução, no entanto, julgamos relevante, frisar, reforçar, fixar na nossa língua de origem, estas palavras esclarecedoras do tempo político que vivemos e no qual se inscreve a narrativa, o corpus literário, que pretendemos aprofundar e que tem sempre presente a “tensão do Outro” (Rancière, Aux bords du politique, p. 158). Este tempo democrático, o tempo da instauração de uma suposta “comunidade de iguais”, que mais não é do que uma comunidade restrita, uma comunidade do consenso, polida ao ponto de resplandecer, com o número adequado de seres, de conceitos e de palavras, uma comunidade e uma sociedade saturadas de significantes, como bem nos recorda Rancière, para quem a literatura nada tem a ver com o poder, mas sim com o consenso:

Elle défait le consensus en faisant traverser le je qui consent, convient et contracte par un il. L’instance de cet il… qui traverse le rapport d’un ”je” à lui-même, ne releve pás d’un être du langage. Il relève plutôt de la confrontation entre la puissance du langage et l’experience de la singularité du corps qui objecte… (Rancière, Aux bords du politique, p. 195)

A literatura expõe, propõe, então, a experiência do múltiplo e do dissenso e instaura a comunidade dos singulares, a única capaz da infinita possibilidade do múltiplo.

Cela veut dire prendre la mesure de l´égalité, cette mesure qui est l’art de régler la proximité et la distance… Cela veut dire apprendre sans cesse à mesurer et à estimer, à recréer à chaque instant ce proche et ce distant qui définissent les intervalles de la communauté égalitaire. (Rancière, Aux bords du politique, p. 199-200)

 

In Crónica: Literatura de Compromisso ou a Urgência da Palavra, Maria de Fátima Palmela de Faria Roque. Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2011

 

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Notas:

1  In Rancière, Jacques, Aux bords du politique, Collection Folio Essais, Gallimard, septembre 2007, p. 194.

2  …ce nom dérisoire…, como aponta Maurice Blanchot (Les intellectuels en question, Ébauche d’une réflexion, Éditions Farrago, décembre 2000, p. 17).

3 Cf. Denis, Benoît, Littérature et engagement, de Pascal à Sartre, Éditions du Seuil, février 2000, p. 10.

4 In Barthes, Roland, O Grau Zero da Escrita, Edições 70, Lda., novembro de 2006, p. 7. Roland Barthes afirma (e nós concordamos) que a escrita é pois essencialmente a moral da forma, é a escolha da área social no seio da qual o escritor decide situar a Natureza da sua linguagem… a sua escolha é uma escolha de consciência, não de eficácia… a escolha, e depois a responsabilidade de uma escrita, designam uma liberdade… É sobre a pressão da História e da tradição que se estabelecem as escritas possíveis de um determinado escritor… A escrita é precisamente esse compromisso entre uma liberdade e uma recordação, é a liberdade recordadora que é liberdade no gesto da escolha, e não na sua duração. (O Grau Zero da Escrita, p. 18-19).

5 In A democracia literária, Por Leneide Duarte-Plon (http://pphp.uol.com.br).

6 Et si l’on nous dit que nous faisons bien les importants et que nous sommes bien puérils d’espérer que nous changerons le cours du monde, nous répondrons que nous n’avons aucune illusion, mais qu’il convient pourtant que certaines choses soient dites… nous n’avons pas la folle ambition d’influencer le State Department, mais celle un peu moins folle d’agir sur l’opinion de nos concitoyens. Jean-Paul Sartre, In Qu’est-ce que la littérature?, Éditions Gallimard, 1948, p. 283.

7 No Ensaio Sobre a Literatura como Forma Ideológica (in Literatura, Significação e  Ideologia, Colecção Práticas de Leitura, dirigida por Maria Alzira Seixo, Editora Arcádia S.A.R.L., 2.ª edição, Fevereiro de 1979, p. 33), Étienne Balibar e Pierre Macherey `vão ao encontro do nosso entendimento desta questão: Reconhecer na literatura uma determinada forma ideológica não é, não pode ser, ‘reduzir’ a literatura às ideologias morais, políticas, religiosas e até estéticas que são definíveis fora dela. Também não é fazer destas ideologias… o ‘conteúdo’ ao qual ela viria dar uma ‘forma’ especial… Determinar a literatura como formação ideológica particular, é levantar um problema completamente diferente: o da ‘especificidade dos efeitos ideológicos’ produzidos pela literatura e do modo (mecanismo) segundo o qual ela os produz.

Sartre vai mais longe (in Qu’est-ce que la littérature?, Éditions Gallimard, 1948, p. 288), quando afirma que, em cada época, é a literatura toda que é a ideologia.

Uma abordagem histórica e estrutural pode ainda ser encontrada no artigo de António Lopes sobre Ideologia, in http://www.fcsh.unl.pt/invest/edtl.

8 Étienne Balibar e Pierre Macherey (este último citado por Fernando Guimarães, acima, no texto), afirmam que: A experiência prova, de facto, que é perfeitamente possível ‘substituir’ os termos ideológicos que reinam na “vida cultural”, temas de origem burguesa ou pequeno-burguesa, por novos temas “marxistas”, sem que por isso se modifique realmente o lugar da arte e da literatura na prática social, nem por conseguinte, a ‘relação prática’ dos indivíduos e das classes sociais com as obras de arte

que eles produzem ou consomem. Pelo contrário, esta produção e este consumo continuam a ser concebidos e praticados sob a modalidade da “arte” em geral (quer seja “comprometida”, “socialista”, “proletária”, etc.). (Ensaio Sobre a Literatura como Forma Ideológica, p. 24-25).

9 Je dirai qu’un écrivain est engagé lorsqu’il tâche à prendre la conscience la plus lucide, et la plus entière d’être embarqué, c’est à dire lorsqu’il fait passer pour lui et pour les autres l’engagement de la spontanéité immédiate au réfléchi. L’écrivain est médiateur par excellence et son engagement c’est la mediation. In Qu’est-ce que la littérature?, Éditions Gallimard, 1948, p. 84.

10 In Literatura e Política: possibilidades e limites, in Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 33, Set. 1976, p. 5-18.

11 In Rancière, Jacques, Aux bords du politique, Collection Folio Essais, Gallimard, septembre 2007, p. 56.

12 Na terceira parte da obra Aux bords du politique, Jacques Rancière esclarece o que entende por démos: Avant d’être le nom de la communauté, ‘démos’ este le nom d’une partie de la communauté: les pauvres. Mais précisément ‘les pauvres’ ne désigne pas la partie économiquement défavorisée de la population. Cela désigne simplement les gens qui ne comptent pas, ceux qui n’ont pas de titre à exercer la puissance de l´’arkhé’, pas de titre à être comptés. (p. 232-233)

Também na obra Estética e Política, a Partilha do Sensível, o autor aponta para o facto de que: O cidadão, segundo Aristóteles, é aquele que ‘toma parte’ no acto de governar e de ser governado. Mas uma outra forma de partilha precede este ‘tomar parte’: a que determina quem vai tomar parte. (Estética e Política, a Partilha do Sensível, Dafne Editora, Colecção Imago, Porto, 2010, p. 13).

 

 


CARREIRO, José. “Literatura de Compromisso”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 19-04-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/04/literatura-de-compromisso.html