quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

DAS UNNENNBARE (Antero de Quental)



          
              
DAS UNNENNBARE


Ó quimera, que passas embalada
Na onda de meus sonhos dolorosos,
E roças c’os vestidos vaporosos
A minha fronte pálida e cansada!

Leva-te o ar da noite sossegada…
Pergunto em vão, com olhos ansiosos,
Que nome é que te dão os venturosos
No teu país, misteriosa fada!

Mas que destino o meu! e que luz baça
A desta aurora, igual à do sol posto,
Quando só nuvem lívida esvoaça!

Que nem a noite uma ilusão consinta! 
Que só de longe e em sonhos te pressinta…
E nem em sonhos possa ver-te o rosto!
Antero de Quental, 1864
       
         
           
GÉNESE E TRADIÇÃO DA SAUDADE NO DISCURSO LÍRICO
Das Unnennbare’ figurou nas Primaveras Românticas, secção Poesias diversas, (…) sem variação alguma a respeito da lição dos Sonetos Completos, onde foi incluso no segundo período (1862-66). A palavra alemã do título significa «indizível», «inefável», e António Sérgio acrescenta: “ e não vemos muito forte razão para que o autor a preferisse a inominável, que empregou alhures, ou a inefável” (Sérgio, 1943: 168).
‘Das Unnennbar’, segundo a distribuição levada a cabo por António Sérgio foi colocado entre os que exprimem o desejo de evadir-se. Predomina um sentimento pessimista, um mundo indefinido, longínquo e vago. Exprime o desejo de evasão. O poeta luta entre o ideal e o real, sonho e a realidade, onde se poderá encontrar uma fusão da temática da traição amorosa com a da traição da vida. Como afirma Maria Manuela Gouveia Delille, no seu estudo “A Recepção Literária de H. Heine no Romantismo Português (De 1844 A 1871), “em relação à temática da traição, (…) ela ocupa, dentro da obra global de Antero, um lugar de relevo” (Delille, 1984: 189). Ainda sobre esta temática a autora esboçou um estudo comparativo entre Antero e Heine. A autora fala de afinidades psicológicas e estéticas entre Antero e o autor do Intermezzo. Não se limitando à imitação mais ou menos livre da lírica de Heine, Antero ‑ seguindo o seu próprio pendor filosófico e pessimista ‑ tende a generalizar a traição, a vê-la essencialmente como uma traição da existência ou do universo (Delille, 1984: 189).
A leitura que Antero faz da arte transporta em si uma visão mais otimista, considerando-a “a única coisa que ainda podia fazer saltar nos peitos todos os corações capazes de nobremente baterem por alguma coisa boa e bela”, acrescentando que “quem crê na Arte crê no belo, no bom, isto é no Amor e em Deus, e com estes elementos pode tudo perder-se mil vezes, que mil vezes será tudo salvo” (Antero de Quental, Cartas I (1852-1881), Ed. Comunicação/ Universidade dos Açores, 1989: pp.15-6).
Desde Primaveras Românticas, a obra de Antero de Quental enraíza nos modelos literários de Lamartine, Victor Hugo e, secundariamente, Heine e Baudelaire, em paralelo com o modelo ideológico de Hegel (Machado, 1996: 80). Não podemos deixar de mencionar a influência das ideias da ‹‹Filosofia do Inconsciente›› de Hartmann, um discípulo de Schopenhauer como o próprio Antero refere numa carta a Oliveira Martins (Antero de Quental, 1989: p.347).
Antero abre caminho para a Poesia metafísica nova em Portugal, sobre o qual Fernando Pessoa afirmou: “Com Antero de Quental se fundou entre nós a poesia metafísica, até ali não só ausente, mas organicamente ausente na nossa literatura” (Pessoa, 1986: pp.182-3).
Na obra de Leonel Ribeiro dos Santos, intitulada Antero de Quental Uma Visão Moral do Mundo, no capítulo Poesia e Filosofia em Antero de Quental, o autor refere que Fernando Pessoa lia a poesia anteriana como uma “poesia metafísica” (Cf. Santos, 2002:15), em Poemas Completos de Alberto Caeiro, escreve: “Não nos espantemos, que uma coisa é o poeta a outra o filósofo ainda que sejam a mesma .” (Fernando Pessoa, 1994:41). Leonel Santos acrescenta que recentemente Nuno Júdice, corroborando a declaração de Antero de que nele o filósofo se exprimiu largo tempo através do canto do poeta, vê no preferencial cultivo da forma poética do soneto o sintoma do espírito essencialmente filosófico (Cf. Santos, 2002: 15). Nuno Júdice aproxima Antero do seu contemporâneo Nietzsche.
No entanto, nem sempre esta questão da relação entre poesia e filosofia em Antero de Quental foi interpretada de forma linear.
Há, outras vozes que afirmam existir a persistência de um conflito no espírito de Antero, entre, por um lado, as exigências racionais do filósofo e, por outro, o sentimento do poeta. Sobre esta questão Oliveira Martins declara:
Na luta entre o pensamento de estoico e a imaginação metafísica, o seu espírito atribulado não conseguiu manter o equilíbrio, porque as suas exigências de crítico e filósofo (…) contrariavam ou contradiziam as suas visões de poeta. À maneira que a inteligência se lhe cultivava, que o saber lhe crescia, que a experiência o educava com mais de um caso doloroso ou apenas triste – apurava-lhe a imaginação até ao ponto de ver claramente o que para o comum dos espíritos são apenas conceções do entendimento abstrato. A sua poesia despe-se então de acessórios: não há quase uma imagem; há apenas linhas, mas essas linhas de estátuas incorpóreas têm uma nitidez dantesca (Oliveira Martins, 1984: LXXVII).
          
António Quadros escreve que foi com Antero que entrou na cultura portuguesa moderna a poesia filosófica (Cf. Santos, 2002: 16) tendo a sua poesia reflexos das leituras de Kant, Hegel e Hartmann, nomeadamente no que respeita ao vocabulário difícil e poeticamente árido. Sem dúvida que esta relação intercultural luso-alemã e a convergência reintegradora entre poesia e filosofia constitui um momento de alto relevo para o nosso estudo comparativo.
António Quadros chega à conclusão de que é impossível isolar, no espírito e na obra de Antero, a dimensão poética da dimensão filosófica, impossibilitando assim, de atribuir o primado à poesia ou à filosofia (Quadros, 1991: 549).
Antero confessa que sempre foi a inquietação do filósofo, a indagação da Verdade, o que o moveu, mesmo enquanto poeta.
Em Cartas, II, Antero escreve:
Nos mesmos poetas, era o fundo mais do que a forma que me atraía. Mas, na minha impaciência, na minha impetuosidade, saltava dali e a linguagem abstrusa, o formalismo, a extraordinária abstração de Hegel não me assustavam nem repeliam; pelo contrário: internava-me com audácia aventureira pelos meandros e sombras daquela floresta formidável de ideias, como um cavaleiro andante por alguma selva encantada à procura do grande segredo, do grande fétiche, do Santo Graal, que para mim era a Verdade, a verdade pura, estreme, absoluta…
Era uma grande ilusão, como todos os Santos Graais: mas essa ilusão me levou gradualmente da imagem para o pensamento, fez-me sondar o que toda a alta poesia pressupõe, mas esconde tanto quanto revela, e ‑ para quê encobrir esta minha velha e inveterada pretensão? ‑ fez de mim um Filósofo! Um filósofomanqué, talvez, porque, afinal, ainda não revelei ao mundo o meu Apocalipse, nem sei se chegarei a revelá-lo (…) Mas, em todo o caso, pretensão ou realidade, o certo é que o filósofo, que por muito tempo só se exprimiu pela boca do poeta, acabou por confiscar, por absorver, por devorar o pobre poeta, e agora que este acabou, impõe-se ao filósofo (para não passar por um assassino gratuito e aleivoso) a obrigação de ser gente por si só e de falar pela própria boca. A coleção dos meus Sonetos é o testamento do pobre poeta que acabou. Entro agora numa fase nova, e tenho jurado consagrar-me daqui em diante, todo e exclusivamente, ao trabalho de coordenação definitiva das minhas ideias filosóficas e, se tanto puder, à exposição metódica e rigorosa das mesmas. Afinal, aquilo de que o mundo mais precisa, nesta fase de extraordinário obscurecimento da alma humana, é de ideias, é de filosofia ‑ e a Poesia, voltando a adormecer nos recessos mais misteriosos do coração do homem, tem de ficar à espera até que o novo Símbolo se desvende e novos Ideais lhe forneçam um novo alimento, lhe insuflem nova vida (…) e então voltará a cantar. O mundo (este mundo) está velho: e a Poesia só está à vontade num mundo novo, jovem, enérgico (Quental, 1989: 748-749).
         
A filosofia é cada vez menos reconhecida pelo seu parentesco com a ciência e cada vez mais compreendida nas suas afinidades com a arte e a poesia, como emergente de uma mesma «poesia transcendental» («Die transcendentale Poesie ist aus Philosophie und Poesie gemischt. Im Grunde gefasst sie alle transcendentale Functionen, und enthält in der That das Transcendentale überhaupt.») (Novalis, 1981: 536).
Para Antero o soneto era considerado a forma lírica por excelência, como sendo a expressão do lirismo do coração. Antero conjuga inteligência e sentimento e uma vez trabalhado o sentimento pela inteligência e assim sublimado em ideia, o poeta deve procurar a forma capaz de conter e exprimir essa unidade de sentimento e ideia, num todo simples, orgânico e completo, sendo o soneto a forma poética que melhor realiza isso. Encontramos esta ideia no texto de 1861 «Nota a João de Deus» (Quental, Prosas, I, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1923: 128-136).
Ainda sobre a teoria do soneto, Antero declara que vertera neles o melhor da sua filosofia, numa carta a Carolina Michaëlis, Antero diz que não procurou intencionalmente o soneto para se exprimir poeticamente, mas que essa forma arcaica e quase caída em desuso se lhe impôs naturalmente (Quental, 1989: 748-749).
Existe ainda um testemunho de Oliveira Martins que realça a simbiose de sentimento e ideia na poética pessoal de Antero:
Antero é sabiamente um poeta na mais elevada expressão da palavra; mas ao mesmo tempo é a inteligência mais crítica, o instinto mais prático, a sagacidade mais lúcida, que eu conheço. É um poeta que sente, mas é um raciocínio que pensa. Pensa o que sente; sente o que pensa. Inventa e critica. Depois, por um movimento reflexo da inteligência, dá corpo ao que criticou, e raciocina o que imaginou. […] Antero de Quental não faz versos à maneira dos literatos: nascem-lhe, brotam-lhe da alma como soluços e agonias. Mas, apesar disso, é requintado e exigente como um artista: as suas lágrimas hão de ter o contorno de pérolas, os seus gemidos hão de ser musicais. As faculdades artísticas geradoras da estatuária e da sinfonia são as que vibram na sua alma estética. A noção das formas, das linhas e dos sons possui-a num grau eminente: não já assim a da cor, nem a da composição. Aos quadros chama painéis com desdém e por isso mesmo tem horror à descrição e ao pitoresco. É artista no que a alma contém de subjetivo. A sua poesia é escultural e hierática, e por isso fantástica. É exclusivamente psicológica e dantesca: não pode pintar, nem descrever: acha isso inferior e quase indigno. (Martins, 1984: LXVII).
        
Não podemos deixar de realçar a grande proximidade entre a poesia e a filosofia na obra de Antero. O poeta entendia a poesia não como puro culto da forma, como cultivo da «arte pela arte» mas sim a poesia com uma missão revolucionária, uma poética comprometida com o destino moral da Humanidade, reconhecendo o carácter filosófico dos sonetos.
Meti neles [nos últimos sonetos] o melhor da minha Filosofia, à espera do dia em que a possa desenvolver largamente e em boa prosa (Quental, 1989: 802).
        
Como afirma Leonel Ribeiro dos Santos, tal como para Schiller e Schelling, também para Antero “a poesia constitui o saber originário da humanidade e é dela que se alimenta a especulação ao longo da história. A poesia antecipa a filosofia e a ciência e antes que o pensamento indague algo, já o coração o adivinhou ou o sentimento o pressentiu” (Antero de Quental uma Visão Moral do Mundo, temas portugueses, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2002, p. 38). [Cf. «’Ideia poética’ e ‘ideia filosófica’. Sobre a relação entre poesia e filosofia na obra de Antero de Quental». http://www.centrodefilosofia.com/uploads/pdfs/philosophica/9/6.pdf]
Ao longo da nossa pesquisa encontrámos analogias entre o ponto de vista de Schiller e de Antero no que respeita à poesia. Em O Sentimento da Imortalidade, Antero expõe as suas ideias relativamente à antecipação da poesia relativamente à filosofia e à ciência, “ o que é ciência foi já poesia: o sábio foi já cantor: o legislador poeta: e a evidência, uma adivinhação, um admirável palpite, cujas profundas conclusões são ainda o espanto, e porventura o desespero das mais rigorosas filosofias.” (Quental, 1973: 248) antecipadamente já Schiller nas Cartas sobre a Educação Estética (9ªcarta) afirmara: «Antes que a verdade difunda a sua luz vitoriosa nas profundezas dos corações, a força poética capta já os seus raios e os cumes da humanidade resplandecerão, mesmo se nos vales ainda reinam as trevas da noite» [«Ehe noch die Wahrheit ihr siegendes Licht in die Tiefen der Herzen sendet, fangt die Dichtungskraft ihre Strahlen auf, und die Gipfel der Menschheit werden glanzen, wenn noch feuchte Nacht in den Talern liegt»] (Schiller, 1989: 594).
Em suma, a derradeira mensagem de Antero prende-se com uma procura incessante da virtude, da santidade, da renúncia ao egoísmo, do Bem (Cf. Santos, 2002: 47).
Universidade do Minho - Instituto de Letras e Ciências Humanas, dezembro 2008.
       
                   
        
                   
       

PESSIMISMO GERADO PELO CONTRASTE ENTRE A REALIDADE E O IDEAL
[…] Caracterizando-se por uma imaginação fértil e incontrolada que seduz e desencaminha, a quimera é representação de desejos que a frustração transforma em fonte de sofrimento, tornando os «sonhos dolorosos» pela consciência do fracasso gerado pela ilusão, exprimindo o sujeito poético o seu desgaste, cansaço e desilusão na sua «fronte pálida e cansada».
Marca romântica, a noite é terreno fértil para o devaneio e as divagações quiméricas do sujeito poético, que assume uma postura ansiosa e interrogativa, mas desde logo sabedor da inutilidade da sua demanda.O que quer saber é como identificar ou classificar a ideia que se lhe apresenta: «Que nome é que te dão os venturosos/No teu país, misteriosa fada!».Há uma oposição de sujeitos e de sentimentos: o sujeito poético autoapresenta-se num estado de dor, palidez, cansaço, ansiedade, enquanto noutro espaço longínquo e vago outros são venturosos, mas ambos ligados pela exaltação imaginativa e indagando do mistério. Essa oposição explicita-se no primeiro terceto, onde o sujeito poético lamenta a sua sina distinta da dos outros, porque não lhe é possível ver: há uma «luz baça» que torna iguais a aurora e o sol-posto, ou permanente, de tal forma que a luz que o dia traria, iluminando a razão e o pensamento para encontrar respostas às questões levantadas e para a demanda que o sujeito poético empreende, torna impossível alcançar o objetivo, a revelação do conhecimento, ou a luz não é suficiente dada a consciência da realidade experienciada como drama e tortura. É desta forma que não se pode dizer, não se sabe dizer, dar resposta ou nome ao que se procura ou interroga.10 Daí que o soneto termine com um pedido ou desejo: «Que nem a noite uma ilusão consinta!». A noite é momento favorável ao devaneio, ao sonhar acordado, e, dominando a quimera os sonhos do sujeito poético, logo ele, corrigindo ou excluindo, recusa a marca da individualidade, expressão única e específica de uma existência, isto é, rejeita a ilusão que o atormenta: nem aí (à noite) «possa ver-te o rosto!».
José Emanuel Pereira Guerreiro, A ideia da morte nos sonetos de Antero de Quental, Faro, Universidade do Algarve, 2008.
           
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(8) Cf. a análise dos sonetos de tendência noturna.
(9) Este ato de nomear, de dar nome, surgirá também, no século XX, na poética de Sophia de Mello Breyner Andresen: «De longe muito longe desde o início/O homem soube de si pela palavra/E nomeou a pedra a flor a água/E tudo emergiu porque ele disse». (Cf. «Com Fúria e Raiva» in Obra Poética. Lisboa, Caminho, volume III, 1991, p. 199). A palavra dá existência ao real; dar nome às coisas é conhecê-las e emprestar-lhes sentido, decifração do mundo, revelação que instaura e configura o mundo. O ato de descobrir é identificado com o nomear – é a palavra que confere o ser às coisas, segundo Heidegger e a ideia platónica de que aquele que conhece os nomes conhece igualmente as coisas.
(10) «A inefabilidade é mais, no caso romântico português, uma incapacidade de dar voz à intensidade do sentimento ou sofrimento.». Cf. Maria de Lourdes Ferraz. «Poética» (s.v.) in Helena Carvalhão Buescu (coord.). Dicionário do Romantismo Literário Português. Lisboa, Editorial Caminho, 1997, p. 429.
         




A angústia existencial. Figurações do poeta. Diferentes configurações do Ideal.
PODERÁ TAMBÉM GOSTAR DE LER:
      
  Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária de textos de Antero de Quental, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, 2021 (3.ª edição) <https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/Lit-Acoriana/antero-de-quental>



 [Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2014/02/20/das.unnennbare.aspx]

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

SAUDADES PAGÃS (Antero de Quental)


Photographer: Laura Dark
Headpieces: Miss G Designs
Makeup/Models: Helena Troy, Michael Pottymouth Gray, and Manzin.ver: “Silver Lining” SERIES: http://www.darkbeautymag.com/2014/12/laura-dark-silver-lining/

                               
         
             
SAUDADES PAGÃS

I

Visões! sonhos antigos!
                     Quando a Terra,
Na inocência primeira de seus anos,
Entre flores dormia... e era seu berço
O seio de mil deuses! Quando a vida
No coração dos homens sem esforço,
Se abria como um lótus, todo cheio
Dos raios do luar e dos segredos
Do vaporoso espírito das noites!

Quando um tronco era peito comovido,
E a montanha um Áugur, e a rocha oráculo:
E não se achava um só bago de areia
Que não estremecesse e não sentisse
Agitar-se-lhe dentro a alma confusa
Quando os Orfeus passavam, silenciosos,
Por entre os arvoredos, meditando!

Saía então da Terra um grande espírito:
Havia em tudo uma expressão profunda:
Nem era muda a vastidão do mundo.
Como um canto que fere as cordas todas
Duma harpa sonora, uma mesma alma
Através do Universo ia acordando,
Em peito, árvore, pedra, e céu e onda,
As mil notas, diversas mas cadentes,
Duma mesma harmonia ‑ o hino da Vida!

Era a cidade ideal da Natureza!
Seu povo, a criação; seu templo, o espaço;
E muralhas em volta, circundando-a,
Dum lado ao outro os livres horizontes!
Era a cidade ideal! a Lei eterna
Banhava-a sempre numa aurora imensa,
Quando um povo de deuses, radiante
De mocidade e brilho, caminhava
Por entre as multidões ‑ e o solo heroico,
Teu solo sacrossanto, ó Grécia antiga,
Como um sublime palco, sob os passos
Dos atores divinos ressoava!
   
II
Ela era então formosa, a Vida! e a Terra,
Noiva de heróis, abria o seu regaço,
Por que os filhos de Alcides, ao passarem
Das longínquas conquistas, lhe lançassem
Como dons nupciais os grandes feitos...
Os feitos dos heróis! E a alma dos deuses,
Oculta dentro deles, murmurava
Por alta noite, entre as visões do sonho,
Confusa profecia! o canto vago
Das legendas futuras...
                                     Epopeias!
Impérios do esplendor! O Olimpo eterno,
Mais alto que o Sinai, não se envolvia
No nevoeiro espesso dos mistérios...
Seus flancos sobre a terra se abaixaram...
O riso dos olímpicos banquetes,
Largo rio de brilho e de harmonias,
Corria desde cima ‑ e em suas margens
Via-se às vezes mergulhar a taça,
E sereno beber, um velho... Homero!

Em baixo, contrafeito e triste, o Sátiro
Rodava em volta ao monte. Homem, acaso,
Filho do chão, talvez, a forma escura
Entrevista nas selvas parecia
Um espião dos deuses. ‑ Invejoso,
E amigo entanto, ele era o rude símbolo
Da ânsia humana, a imortal curiosidade
Que às portas d’oiro eternas espreitava
As palavras secretas... E, por vezes,
Em meio dos banquetes sua face
Aparecia ‑ e o olho vago e triste
Desse monstro infeliz lembrava ao Olimpo
A longa dor da geração dos homens!

Diziam que era o peso das palavras
Ao destino roubadas que o curvava;
E era seu confidente o livre vento.
O rochedo o sabia: e nesses montes
Onde passava a turba gloriosa,
A boca das cavernas, ressoando,
Tinha uma voz profunda. ‑ Ela dizia
À alma turva do homem mil segredos,
Mil perdidas ciências ‑ as origens,
Ocultas sob o véu dos vagos símbolos...
As guerras do princípio... os Elementos,
Titãs perante o céu lutando altivos...
Os combates da Terra e suas glórias...
A tradição dos montes e das feras...
O alfabeto dos ramos na floresta...
O voo da ave e o serpear dos rios ‑
E a harmonia das vozes na montanha
Era a letra do hino, enquanto a música
Sob os dedos de Orfeu se cadenciava!

Ó sopro livre e puro dos desertos!
Ó murmúrios das fontes! que segredos
Ensinava essa voz aos solitários?
O pastor, sacerdote das florestas,
Áugur sagrado pela luz da aurora,
Podia sobre o monte, erguendo a face,
Decifrar os arcanos do Destino
Nos voos da ave de oiro mitológica!
  
III
Feriram-te, ave augusta! Seta escura
Varou-te o coração! e aterra ingrata
Pôde beber teu sangue! No teu ninho
Vejo os ovos do abutre! tuas penas
O vento as dispersou! És como um sonho

De que mal há memória ‑ como a nuvem
Que a rajada partiu ‑ e como a lágrima
Dos olhos do cativo, sobre as ondas!
Ergo a face entre os montes e olho ao longe:
É ainda um mar de brilho esse horizonte...
Mas nas vagas serenas já não vejo
Teu seio, como barca de harmonias,
Entre o astros vogando compassado!

Alma virgem do mundo! Vestal santa!
Que sopro te apagou o lume puro
Em tuas aras d’oiro? Claro espírito!
Consciência universal! que sonho estranho
Te enlouqueceu de dor? Entre as florestas,
Quando o vento do inverno bate os ramos,
Há, pelo horror da noite, um choro escuro,
E uma voz dolorosa ao longe ulula...
É Diana, a formosa, a casta, a ingénua,
Ferida, e os pés em sangue pelas urzes,
Que vaga douda e corre pelas selvas
Chamando em vão os deuses foragidos!
   
IV
Secou-se o ramo d’oiro em mãos de Eneias!
Despovoou-se a terra! Os seus espíritos
Voaram não sei onde! A fonte chora
A viuvez das Náiades! O tronco
Agita no ar os braços descarnados,
A ver se apanha a túnica ligeira
Das perdidas Napeias! Longe, ao longe,
Nos ruídos dos bosques, nos suspiros
Do vento pelos vales, nos murmúrios
Dos rios tortuosos, nas cascatas,
Nas grutas, no rochedo ‑ em tudo, em eco
De saudade indizível se levanta!
Sai do seio da terra uma voz triste,
Longa, profunda... é ela, que lamenta
A orfandade misérrima do mundo,
A morte da alma antiga, essa alma imensa,
Esse brilho extensíssimo!
                                             Inocências!
Puros sonhos da infância do Universo!
Ah! não mais voltareis! um sopro frio
Varreu de sobre a terra as suas flores!
Entre os lábios de Orfeu o canto augusto
Gelou-se e a extrema nota dissipou-se!
A profecia antiga do Destino
Veio a cumprir-se ‑ e os deuses vagabundos
Dum horizonte ao outro, como sombras,
Arrastam os retalhos desse manto
Da velha divindade! A lira eterna
Ainda brilha no céu, mas não tem cantos,
Nem há já quem lhe entenda os santos hinos!
O banquete do Olimpo está deserto...
E a Terra está viúva dos seus deuses!
V
Viúva? não! um duro cativeiro
Os tem presos na abóbada sombria
Dum cárcere bem frio. Outros, fugidos,
Nas montanhas aéreas do horizonte,
Nas nuvens do sol-posto, passam tristes,
Lançando à terra um longo olhar de mágoa...
Seus corações heroicos estremecem
Quando a voz do leão encadeado
Se ergue e comove o abismo ‑ é digna deles
Essa queixa do forte! Então alongam
Pela face do mar os olhos vagos...
Outro mar de lembranças tumultua
Nos grandes peitos que dilata o orgulho...
E ao reflexo das ondas, toda a noite,
Veem passar os pálidos fantasmas
Da glória antiga e dos antigos feitos!

A alguns o coração ficou-lhes preso
Às duras pedras da cidade ingrata.
Em despeito da afronta, amam os homens...
Uma íntima saudade os traz à noite
Em volta aos muros... vagam como sombras...
E no confuso coro misterioso
Dos rumores noturnos, se escutares,
Hás de ouvir os soluços e o partido
Longo choro dos deuses exilados...

Como os filhos dum povo, que a conquista
Com mão de ferro sacudiu ao longe,
Todos vagam no mundo. A sombra, agora,
A esses corpos de luz é quem os veste!
Seus pés divinos ferem-se nas rochas!
Seus banquetes as feras lhes disputam!
E, em vez de muros de ouro de alto Olimpo,
Suas nobres palavras inspiradas
Mal despertam o eco das pedreiras!

Fundas minas da terra! escuros antros
Das longínquas montanhas solitárias!
Em vosso duro seio houve piedade...
Vossa boca se abriu para saudá-los...
Para saudar os fortes, na desgraça...
E, enquanto os homens surdos recusavam
À miséria dos deuses um asilo,
(Estreito que ele fosse) um lar amigo,
Vós, ó sombrias rochas, vós formastes
Sobre os montes uma ala de gigantes;
E, através das fileiras de granito,
Os príncipes do mundo, os reis caídos,
Passaram no caminho do desterro!

No deserto assentaram seu concílio
Esses que o céu, há pouco, mal continha...
Graves, sua atitude é ainda altiva,
E a majestade antiga está com eles.
Não choram sobre si ‑ em qualquer parte
Aonde habite um Deus é ai um templo ‑
Porém a ingratidão dos homens falsos
Punge-os, que a não concebem: não concebem
Esses filhos do Bem o Mal escuro.
Dir-se-á que expiam o alheio crime;
Tanto os perturba a injustiça humana,
E da afronta, que sofrem, têm piedade...
Seus nobres corações choram: mas, fortes,
Os olhos não o dizem ‑ como auroras,
Alegram o horizonte dos desertos!
     
VI
Ah! nós, nossas moradas tristes, nossas
Habitações escuras, não, não podem
Por mais tempo ficar em trevas, quando
Essa aurora imortal doura as montanhas!
Quando uma chuva de ouro luminosa,
Trazida pelo vento, vem correndo
Desde os montes sublimes, nossos vales,
Cá em baixo, não podem, tristes, frios,
Ficar estéreis como um seio inerte
De mulher na hora santa dos ardores!
Falam deuses nos ermos... e as cidades
Não hão de ter oráculos? As rochas
Têm génio tutelar... e o lar dos homens,
Como ara ao abandono, há de esfriar-se?
E da memória dos antigos sonhos
Restar apenas sobre as duras lajes
Um punhado de cinzas?

                                            A Alma eterna
Há de voltar ao seio dos ingratos!
Alma jovem de amor e luz! O mundo
Arranca as velhas cãs! rejuvenesce!
Seu gasto coração pasma, sentindo
Um novo sangue que o anima e agita!
Sorri... tenta sorrir... não sei que oráculos
Lhe ensinam a esperança! Anseia a vida...
E nos sinais do céu lê com espanto
Um poema de prósperos destinos!
A memória dos tempos venturosos
De inocência e de amor comove-o, enchendo-lhe
O peito de saudades! cisma e em sonhos
Evoca mil lembranças ‑ céus e fontes,
E os jardins doutros climas, e as legendas
Dos tempos esquecidos, e os sorrisos
Dos amigos da infância...
                                         Eles! são eles,
Cujas imagens, pela vaga noite,
Lhe enchem o sono de visões fantásticas...
Estende os braços para ver se apanha
As impalpáveis formas! pára... escuta...
E as sombras da alvorada nas montanhas,
Já lhe parecem vultos misteriosos
Que o chamam e saúdam... Eram sombras!
Mas o que diz o coração, à noite,
Quando o comove a dor e o isolamento,
Não são sonhos apenas... são presságios!

Sai das cinzas do altar uma luz frouxa...
E os lírios esquecidos dão seu cheiro...
A chama sobre o lar, às vezes, como
Se os génios, invisíveis, assistissem
Ao serão, brilha e agita-se contente,
Enchendo a casa dum clarão fantástico...
São presságios!... Também se escuta à noite
Correr nos ares um cantar suave,
Vago, longínquo, como se os espíritos
Agitassem, passando, a lira antiga...
São vozes precursoras! Quando os deuses
Vêm visitar a habitação dos homens,
Mandam sempre adiante estes oráculos...

Sim, um dia, do meio das florestas,
Há de se erguer a grande voz profética!
Há de soar! e o vento dos desertos,
Das livres solidões filho indomável,
Há de abater o cárcere sombrio!
Eles hão de surgir! Compondo o manto
Da realeza antiga, havemos de vê-los
Na majestade olímpica dos fortes
Descendo os grandes montes! Turba heroica!
E, vestidos de luz, a terra inteira,
Vendo o drama divino, há de saúda-los
Em alta aclamação ‑ teatro imenso
Co’a grande voz dos deuses ecoando!
Antero de Quental, 1864.
Primaveras Românticas, 1872.
     
           
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ANTERO E A POESIA DE IDEIAS
Em «Saudades Pagãs» celebra-se, passando do tom nostálgico ao profético, a morte dos deuses, personificada em heróis e criadores antigos (Homero, Orfeu, Diana, Eneias), numa clara mas abreviada inspiração da Légende des Siècles; a visão idílica inicial («Quando a Terra / Na inocência primeira de seus anos, / Entre flores dormia... e era seu berço / o seio de mil deuses!») e já povoada por um anseio cósmico indefinível («Quando um tronco era peito comovido / [...] / E não se achava um só bago de areia / Que não estremecesse e não sentisse / Agitar-se-Ihe dentro a alma confusa») e a voz dos abismos é a possível expressão do mundo («Havia em tudo uma expressão profunda / Nem era muda a vastidão do mundo»), onde o «templo» é o próprio e total «espaço». Mas os deuses desaparecem, tornam-se «sombras», cativas entidades que deixam a terra desprotegida, e sentados à beira da água «então alongam / pela face do mar os olhos vagos...», ou, saudosos, «todos vagam no mundo». De sombras prisioneiras, essas entidades divinas transmudam-se em sonhos, mitos atuantes, forças obscuras mas determinadas, porém ineficazes na sua inoperância forçada pelo tempo na relação com um espaço agora vazio, o espaço da terra. A premonição do futuro é, no entanto, a de uma «luz frouxa» que surge como embrião da força profética que é ainda, neste texto, o retorno dos deuses. A linguagem é já, no entanto, a de uma perda e a de uma busca; a de um espaço desocupado mas onde ecoam as vozes da inquietação e da procura; esse espaço é já a natureza animizada, de vozes cruzadas com cânticos, num entrecruzar baudelairiano de manifestações sensíveis e psíquicas com a noção de um transcendente, mais poético que ético, a dominar a fábula pela força do retorno que as vozes e os coros acentuam.
Maria Alzira Seixo, “Antero e a poesia de ideias” 
in Congresso Anteriano Internacional – Actas [14-18 outubro 1991]. 
Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1993.
         
         
"The Gargoyle and His Quarry, Notre Dame" by John Taylor Arms
“The Gargoyle And His Quarry, Notre Dame” 
John Taylor Arms, 1920
       
         
GÉNESE E TRADIÇÃO DA SAUDADE NO DISCURSO LÍRICO
Maria Manuela Gouveia Delille, no seu estudo “A Recepção Literária de H. Heine no Romantismo Português (De 1844 a 1871)”, relata a presença e a influência de Heine na obra de Antero de Quental, chegando a analisar na lírica de Antero do último período de Coimbra, a forma de tratamento dado ao motivo heiniano dos deuses exilados (Delille, 1984: 197).
A autora no subcapítulo ‘O exílio dos deuses‘ relata o surgimento deste poema em cinco partes, inicialmente intitulado o desterro dos deuses e publicado pela primeira vez no número 92, de 14 de Janeiro de 1865, de o Século XIX, com dedicatória a Anselmo de Andrade. Em 1866, na revista o Instituto (vol. XIII, nº 3, pp. 64-67), surge o poema com o mesmo título, com ligeiras variantes e acrescentamentos.
Mais tarde em 1872, Antero insere na coletânea Primaveras Românticas, com algumas variantes e o novo título de Saudades pagãs, a versão publicada em O Instituto.
Ainda sobre esta longa composição Feliciano Ramos refere “a poesia Saudades pagãs, cheia de movimento, de vida, de amor à terra, e amplamente vivificada pela alegria luminosa e pela cor, contém uma bela profissão de helenismo, e nisto reflete uma atitude renovadora e sadia, diametralmente oposta à feição lúgubre da poesia ultrarromântica” (Ramos, 1933: 133).
Existe, também, um breve comentário de António Sérgio (Sérgio, 1984:249) sobre este poema, a quem os versos de Antero trazem à ideia, por um lado, Leconte de Lisle “no luminoso elogio das divindades gregas” por outro, Victor Hugo e Michelet “na parte profética e na exaltação da vida”. António Sérgio refere o sentimento de hostilidade ao Cristianismo em Leconte de Lisle e Antero, considerando no primeiro como saliente e intensíssimo enquanto que em Antero mal se vislumbra.
Maria Manuela Gouveia Delille, refere o poema Saudades pagãs ser um dos marcos importantes na receção da poesia de Heine em Antero. O motivo dos deuses exilados é um motivo recorrente na lírica e na prosa de Heinrich Heine.
Tal como o título original – O desterro dos deuses ‑ indica, também o longo poema de Antero trata o motivo do exílio dos deuses (Delille, 1984: 200). Apesar de várias analogias com Heine, existem também diferenças muito significativas, nomeadamente o tom declamatório, enfático e profético que Antero deixou representado nos seus versos.
Como exemplos das analogias com Heine poderemos mencionar logo na primeira estrofe a referência à flor de lótus, apaixonada pelos raios de luar, para exprimir o estado ideal de comunhão entre o homem e a natureza nesse mundo antigo.
«(…) Quando a vida
No coração dos homens, sem esforço,
Se abria como um lótus, todo cheio
Dos raios do luar e dos segredos
Do vaporoso espírito das noites!»
           
A terceira, quarta e quinta partes do poema referem o tempo presente, caracterizado como um tempo onde predomina a tristeza, a escuridão, a solidão e o exílio, predominando nelas o tom elegíaco.
Encontramos ainda outra analogia com Heine na referência à deusa Diana ‑ Die Göttin Diana, que incarna a dor pelo exílio dos deuses pagãos:
«(…) Entre as florestas,
Quando o vento do Inverno bate os ramos,
Há, pelo horror da noite, um choro escuro,
E uma voz dolorosa ao longe ulula…
É Diana, a formosa, a casta, a ingénua,
Ferida, e os pés em sangue das urzes,
Que vaga douda e corre pelas selvas
Chamando em vão os deuses foragidos»
         
Na quinta parte o poeta faz a descrição da sorte vária dos deuses durante o longo exílio ou cativeiro.
«(…) Outros, fugidos, 
Nas montanhas aéreas do horizonte
Nas nuvens do sol posto, passam tristes,
Lançando à terra um olhar de mágoa…»
         
Estes poemas fazem recordar o poema de Heine Die Götter Griechenlands, em que os deuses se apresentam ao poeta sob a configuração de nuvens brancas e fugidias.
A sexta parte é dirigida para o futuro. Num processo discursivo dialético ‑ depois de ter contraposto ao esplendor luminoso do antigo mundo pagão (primeira e segunda parte) a tristeza e escuridão desértica do presente, onde apesar de tudo os deuses expulsos e refugiados no seio da natureza conservam a sua grandeza e dignidade ‑, o poeta-vate, intérprete dos presságios que se vão avolumando, afirma triunfante o regresso iminente dos deuses e prevê a apoteose imensa que os espera (Cf. Delille, 1984: 203).
No poema de Antero a temática do exílio e regresso dos deuses pagãos parece ser um meio de anunciar a ressurreição das crenças panteístas, o despertar de uma nova vida mítico-religiosa, em que se restabelece a antiga e plena comunhão do ser humano com a natureza.
Este poema, Saudades pagãs, inicialmente intitulado o desterro dos deuses, é um poema onde predomina o tom elegíaco, referindo o tempo presente abundante de tristeza, de solidão e exílio ao mesmo tempo simbolizando um ideal de vida em plena comunhão com a natureza.
Universidade do Minho - Instituto de Letras e Ciências Humanas, dezembro 2008.
           





A angústia existencial. Figurações do poeta. Diferentes configurações do Ideal.
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 Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária de textos de Antero de Quental, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, 2021 (3.ª edição) <https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/Lit-Acoriana/antero-de-quental>





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