terça-feira, 3 de abril de 2018

David Mourão-Ferreira, por viciodapoesia.com




MINUTO

O amor? Seria o fruto
trincado até mais não ser?
(Mas para lá do prazer
a Vida estava de luto …)

Fui plantar o coração
no infinito: uma flor…
(Mas para lá do fervor
a Vida gritou que não!)

O amor? Nem flor nem fruto.
(Tudo quanto em nós vibrara
parecia pronto a ceder …)

Foi apenas um minuto:
a fome intensa tão rara!,
de ser criança, ou morrer…

Jovem de 22 anos, David Mourão-Ferreira exprime assim a pressa de quem do amor ainda não aprendeu o prazer da demora, numa confusão adolescente de não saber o que importa.
É ainda o adolescente dos anos 40 que ecoa neste SONETO DO CATIVO onde ressoam os contrastes entre amor de ouvir dizer, preconceitos e culpas de pecado numa sociedade vigiada:

Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;

o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que os outros dirão ou não dirão;

se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encantamento e de desprezo;

não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!

A idade avança, a experiência também, e é outra a realidade neste

TERNURA

Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do Sol,
quando depois do Sol não vem mais nada…

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio…

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo…

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despedimos assim que estamos sós!

E no prazer do corpo o amor ganha a essencialidade dos elementos  – Não, meu amor … Nem todo o corpo é carne: / é também água, terra, vento, fogo 
Seguindo esta poesia saberemos o seu segredo mais à frente – no teu corpo existe o mundo todo!


PRESIDIO

Nem todo o corpo é carne… Não, nem todo.
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem ou ave, ao tacto sempre pouco?…

E o ventre, inconsistente como o lodo?…
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não. Meu amor… Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo…

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio

vulto da primavera em pleno Outono…
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!

Mas o perigo de olhar o mundo da cintura para baixo espreita:

CASA

Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão…

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que sem voz me sai do coração.

Visitados que foram os tormentos do sexo 
ao concentrar aí o mundo – Só por dentro … – , voltemos à despreocupada alegria do poeta jovem:

ALBA

Com grinaldas de lodo sobre a testa,
presos os pés em turbilhões de limos,
– assim a madrugada nos desperta
e após a preia-mar nós emergimos.

Lambe-me o rosto a fimbria do lençol,
amarrotada, poluida espuma…
Sobre a salsugem, uma angustia mole,
que o pensamento arruma e desarruma.

por fim derruba o muro dos enganos,
e ante nós dois derrama esta pergunta:
– De que infernos vibrantes nos soltamos,
sem que o céu compareça ou nos acuda?

Findo este pequeno tour pela criação poética de David Mourão-Ferreira antes dos 35 anos e da Matura Idade, tenho uma provável surpresa para a maior parte dos leitores: os primeiros poemas publicados aos 19 anos e que o autor, já adulto e consciente, repudiou, nunca os incluindo na sua obra poética.


Estas primícias poéticas foram publicadas numa edição de autor, colectiva, feita em 1946 e de seu nome RUMOS  ANTOLOGIA DE CONTOS E POEMAS.

A edição contém obras de Ana Maria Caeiro, Carlos Garcia, David Mourão Ferreira (sem hífen) João Belchior Viegas, José-Aurélio, José Rabaça, Mário António, Orlando Pinto Baptista e Vitor Parracho.

De David Mourão-Ferreira constam do livro 5 poemas,  quais sejam:

QUINTO POEMA DE HESITAÇÃO
VOZ
CÂNTICO
IMAGEM
PEDIDO

Este último diz-se que pertence ao livro no prelo “BARCO ENCALHADO” que a contra-capa de RUMOS anuncia “A sair brevemente”.

O “BARCO ENCALHADO”, que eu saiba nunca viu a luz do dia e o primeiro livro a publicar pelo autor foi antes A SECRETA VIAGEM em 1950.

Temos pois que nos 4 anos que mediaram, o poeta desencalhou o barco e seguiu na viagem que nos contou e da qual extraí MINUTO.

Eis então os poemas de RUMOS

QUINTO POEMA DE HESITAÇÃO

Não me digam que não,
Que pr’além desta vida
Não existe outra vida,
Onde os sonhos deixarão de ser sonhos,
Permanecendo neles, porém,
Aquele encanto e aquela graça
Que só os sonhos têm…

Não me digam que não,
Que por trás destes muros,
Serenos e caiados –
Destinos conhecidos – ,
Não existem regatos
E não existem prados
E rosas e lirios…

Não me digam que não,
Que não hei-de encontrar
Em busca de quem vou…
Não me digam que não!,
Deixem-me ir iludido,
Já que iludido estou!…

E depois, se eu voltar,
Inutil e cansado,
Digam-me então, que não,
Que errei o meu caminho…
Deixem-me então, morrer,
Vazio de sonhos e podre de cansaços…
Digam-me então que não!,
Ainda que eu vos peça de joelhos
E vos estenda os braços!…

VOZ

Apenas respondo às vozes
Que chamam dentro de mim.
Meus passos só são velozes
Pra essas vozes assim…

Não me chamem pois de fora,
Que nunca vou nem irei.
Se acaso me for embora
É respeito à minha lei.

Apenas respondo às vozes
Que chamam dentro de mim:
Só irei quando chamarem!
Só então direi que sim!


CÂNTICO

Ah! São as árvores erguidas
E os caminhos desertos,
Desertos e abertos,
Promessas de vida…,
Ah! São os lamentos de cores
E os ambientes tristes,
Lembranças de dores…;
Ah! É tudo isto,
Tudo, tudo,
Que me envolve, me inunda,
Me estende seu manto
De pureza e de encanto…
– Pureza que eu canto,
Encanto de tudo!…


IMAGEM

Rio manso como um charco,
Largo ninho de gaivotas,
Sulcado por tanto barco,
Desiludido das rotas!

Rio manso como um charco!
Tu és bem a minha imagem:
Em mim também há um barco
Já cansado de viagem…

Mas sou inferior a ti,
Que deslizas para o mar,
Enquanto que eu, ai de mim!,
Não sei onde irei parar…


PEDIDO

Antes de tu apareceres,
Eu era um barco encalhado,
Perdido num mar qualquer…
Era um relógio parado,
Que ninguém queria arranjar,
Não obstante ainda ter
Muita corda para andar…

Antes de tu apareceres,
Ai tanta cois aque eu era,
Sem nada ser, afinal…!
Era um romance imperfeito,
Que tinha o grande defeito
De ser bastante banal…

Mas agora… agora que tu vieste,
Que tu vieste e encheste
Da sombra dos teus cabelos
E dos teus gestos singelos
O marasmo dos meus dias…

Agora… agora, o que peço
É que fiques!,
Não me deixes!,
Pra que eu não tenha outra vez
As passadas horas frias
Daquelas vãs agonias
Que tu viste – e já não vês!


Lidas estas primícias dificilmente se suspeita a floração de que mais tarde o poeta seria capaz. E certamente não tinha ainda travado conhecimento com a balzaquiana do andar de cima, iniciadora nas lides do amor e fonte de inspiração segura dos primeiros poemas aceites na obra poética.


Noticia Bibliográfica:
Tal como referi no início, os poemas foram transcritos de LIRA DE BOLSO, antologia de escolha do poeta e publicada em 1969 por publicações dom quixote na colecção cadernos de poesia.



Carlos Fernandes

sábado, 24 de março de 2018

Um amargo dia mundial da poesia



Ontem, dia mundial da poesia (e da luta contra a discriminação racial), dirigi-me à Casa Fernando Pessoa, em campo de ourique, onde se ia proceder à leitura de Tabacaria em língua caboverdeana e ao lançamento duma edição bilingue, promovida por uma associação de afro-descendentes de lisboa.
Afazeres pouco poéticos fizeram com que eu chegasse alguns minutos depois da hora aprazada para o início da sessão. Uma tarjeta amarela, em inglês e português (Pessoa teria gostado), avisava que não seriam permitidas mais entradas. Remoendo as minhas razões, resolvi tocar à campainha. Logo um diligente vigilante acudiu à porta, dizendo educadamente que por razões de segurança não seriam admitidas mais entradas.
 Não sei quem dirige hoje a Casa Fernando Pessoa, nem quem lá trabalha, mas pedi ao vigilante se podia chamar alguém responsável, pois poderia ser alguém que eu conhecesse, dado que em tempos fui assíduo frequentador da Casa, concebi um programa para uma quinzena da cultura caboverdeana, fui convidado de um dia mundial da poesia, onde recitei excertos da Ode Marítima traduzida por mim para caboverdeano (numa casa cheíssima, com gente até nas escadas), fui convidado de um «Dias do Desassosego», com escritores brasileiros e portugueses (sendo um 10 de junho, fiz a minha abertura com um soneto de Camões traduzido por mim para caboverdeano), a biblioteca da casa possui alguns dos meus livros, por mim oferecidos, sou tradutor de Pessoa para o caboverdeano, utilizando o seu alfabeto oficial (uma antologia intitulada Na Sol di Nhas Angústia esteve pronta para sair em 2007, aquando da passagem de Francisco José Viegas pela casa e ainda hoje aguarda edição), ainda a semana passada o número de inverno da revista LER, dirigida pelo mesmo Fancisco José Viegas, publicou uma montagem minha da Ode Marítima em caboverdeano, razões não para ter algum tratamento privilegiado, mas apenas justificativas do interesse que eu tinha naquela sessão onde seria lido e apresentado  Tabacaria na minha língua materna, poema que eu próprio traduzi em 2007, e que aqui vos ofereço na versão de então.
 Passados instantes entrevi, pela fresta da porta meio aberta, uma senhora de fogachos loiros nos cabelos, que entretanto descera até ao patamar da recepção, falar com o vigilante, acenando que não com a cabeça. Logo este se dirigiu a mim, que se encontrava do lado de fora, dizendo: «Lamentamos, cavalheiro, por razões de segurança...». Gostei muito, eu simples poeta, de ser tratado por «cavalheiro», pois a minha aparência não deixava dúvidas: devido ao frio eu vinha trajado de sobretudo castanho-claro, finas luvas castanho-escuro, cachecol verde-escuro, chapéu preto à Pessoa. Quando já ia embora pelo passeio do outro lado da rua, sorrindo como o Esteves sem metafísica, vi aproximarem-se duas senhoras, cujo tez ainda divisei no lusco-fusco de fim de inverno, e sem delongas sumiram casa adentro. Sorri mais uma vez, com um sorriso triste, alvitrando, para meu consolo, que talvez se tratasse do múltiplo Fernando, reencarnado, não heteronimicamente mas em carne e osso, em femininas figuras, e teria vindo indagar ao que vinha tanta gente de pele escura e linguajar estranho.
 Aconteceu num dia mundial da poesia – e sou poeta. Aconteceu na cidade de lisboa – e dediquei-lhe em livro um monumento de palavras intitulado Lisbon Blues. Foi no bairro de campo de ourique, e estavam os meus livros numa feira no jardim da parada. Aconteceu na Casa Fernando Pessoa, e sou tradutor dele. Foi num dia mundial contra a discriminação racial e senti-me profundamente preto.

José Luiz Tavares
Lisboa, 22 de março de 2018
https://santiagomagazine.cv/index.php/cultura/1299-um-amargo-dia-mundial-da-poesia



TABAKARIA

N ka nada.
Nunka n ka ta ser nada.
N ka pode kre ser nada.
Trandu kel li, n ten dentu di mi tudu sonhu di mundu.
//
Janelas di nha kuartu, di nha kuartu di un-dus milion di mundu ki ningen 
                                                                                       ka sabe é kenha        
 (I s'es sabeba é kenha, kuse k'es sabeba?),
Nhos ta da pa un rua undi ninhun pensamentu ka ta txiga,
Rial, inpusivelmenti rial, sertu, diskonhisidamenti sertu,
Ku misteriu di kusas baxu di pedras ku seris,
Ku morti ta poi umidadi na paredi i kabelu branku na omis,
Ku distinu ta konduzi karosa di tudu pa strada di nada.
//
Oxi n sta dirotadu, sima ki n sabe verdadi.
Oxi n sta odja klaru, sima ki n sta pa n more,
I n ka tenba más armundadi ku kusas
Sinon un dispidida, ki ta bira es kaza i es ladu di rua
Fileras di karuaji dun konboiu, i un partida pitadu 
Di dentu di nha kabesa
I nhas nerbu sakudidu ku osu ta xukalia na ta bai.
N sta spantadu oxi, sima kenha ki pensa i atxa i skese.
Oxi n sta divididu entri lialdadi ki n debe
Tabakaria di kel otu ladu di rua, sima kusa rial pur fora,
I sensason ma tudu é sonhu, sima kusa rial pur dentu.
//
N fadja na tudu kusa.
Komu n ka fase ninhun prupózitu, si kadjar tudu era nada.
Skola k'es da-m
N dixi d'el pa janela di trás di kaza.
N ba ti txada ku prupostus tamanhu,
Mas so erbas ku arvis ki n atxa la,
I ora ki tenba algen era igual a kes otu.
N ta sai di janela, n ta xinta nun kadera. Na kuze ki n al pensa?
Kuze ki n sabe di kel ki n ta fase ben ser, mi ki n ka sabe kuze ki n é?                                                                                                   
Ser kel ki n ta pensa? Mas n ta pensa ma mi n é tantu kusa!
I ten tantus ki ta pensa ser mesmu kusa ki ka pode ten tantus!
Jeniu? Nes mumentu ten mil sérebrus ta sunha ta atxa, sima mi, ma
                                                                                        es é jeniu,
I kenha ki sabe, stória ka ta marka nen un,
Ka ten sinon strumu di tantu konkista futuru.
Nau n ka ta akridita na mi.
Na tudu manikómiu ten dodus maluku ku tantu serteza!
Mi ki n ka ten ninhun serteza, mi é más sertu o menus sertu?
Nau, nen na mi....
Na kantu kuartu pertu di seu i kuartus ka pertu di seu di mundu
Nes ora ka sta jenius pa-es-propi ta sunha?
Kantu aspirason altu nobri i tomadu ku klareza —
Sin, verdaderamenti altu nobri i tomadu ku klareza —,
I kenha ki sabe si pusível di rializa,
Ka ta odja nunka sol ta ratxa rial nen es ka ta atxa obidu di algen?
Mundu é pa kenha ki nanse pa konkista-l
I non pa kenha ki ta sunha ma pode konkista-l sikre e ten razon.
N ten sunhadu más ki kusas ki Napulion fase.
N ten pertadu na petu, k'é ka rial, más umanidadi ki kristu.
N ten fetu, sukundidu, filuzufia ki ninhun Kant ka skrebe.
Mas mi é, i si kadjar n ta ser senpri, kel di kuartu pertu di seu,
Sikre n ka mora na el;
N ta ser senpri kel ki ka nanse pa kel li;
N ta ser senpri apenas kel ki tinha kolidadis;
N ta ser senpri kel ki djuntu dun paredi sen porta e spera p'es abri-l 
                                                                                                     porta
I kanta kantiga d'infinitu nun kapuera,
I obi vos di dios nun posu tapadu.
Kre na mi? Nau, nen na nada.
Pa natureza dirama-m riba di kabesa ta arde
Si sol, si txuba, kel bentu ki ta atxa-m kabelu
I restu ki ta ben si ben, o ten ki ben, o dexa di ben.
Skravus kardíaku di strelas,
Nu ta konkista mundu interu antis d'e  labanta-nu di kama;
Mas nu ta korda i el fitxadu
Nu ta labanta e ka ta djobe nen pa nos,
Nu ta sai di kaza i el é tera interu,
Djuntadu ku sistema solar i karera nhu santiagu i indifinidu.
//
(Kume xukulati, minina,
Kume xukulati!
Odja ma ka ten más metafízika na mundu sinon xukulati.
Odja ma tudu rilijion ka ta nxina sinon faze fatiota.
Kume, minina tudu ntoladu, kume,
Si n podeba kume xukulati ku o-mesmu verdadi ki bu ta kume!
Mas mi n ta pensa i, na ta tra papel di prata, k'e di fodja di stanhu,
N ta bota tudu pa txon, sima n ten botadu bida):
//
Mas o-menus ta fika di margura di kel ki nunka n ka ta ser
Kaligrafia rápidu d'es versus
Portal kebradu pa inpusível.
Mas o-menus n konsagra pa mi un disprezu sen lágrimas,
Nobri pelu menus na jestu largu ki n ta fúlia
Kel ropa xuxu ki mi n é, sen rol, pa kusas na ses kontise,
I n ta fika la na kaza sen kamiza.
//
(Bo, ki bu ta konsola, ki bu ka izisti i purisu bu ta konsola,
Ó deuza grega, konsebedu sima un státua bibu,
Ó patrísia rumana, ki más nobri i más disdisgrasada é npusível                                                                              
Ó prinseza di trovadoris, ton gentil i kulurida,
Ó markeza di séklu dizoitu, dikotadu la lonji,
Ó kes mudjeris freska, famadu, di tenpu di nos pai,
Ó n ka sabe kuse k'é mudernu — n ka ta konsebe ben kuse —
Tudu kel li, seja kuse ki bu é, pode nspiradu pa nspira!
Nha kurason é un baldi dispixadu.
Sima kes ki ta invoka spritu ta invoka spritu, n ta invoka
Mi propi i n ka ta atxa nada.
N ta txiga pa janela i n ta odja rua ku un klareza total.
N ta odja lojas, n ta odja paseius, n ta odja karus ta pasa,
N ta odja kriaturas bibu ki ta kruza bistidu,
N ta odja katxor ki tanbé izisti
I tudu kel li ta peza-m sima ki n kondenadu bai pa lonji,
I kel li tudu é stranjeru sima tudu kuza.)
//
N vive, n studa, n ama, ti n akridita,
I ka ten algen ki ta pidi zimola ki n ka ta inveja oxi so pamodi el é ka mi
N ta odja pa ratadju di kada un, si txagas i mintira,
N ta pensa: si kadjar nunka bu ka vive nen bu ka studa nen bu ama nen 
                                                                                      bu ka kridita
(Pamodi é pusível fase rialidadi di tudu kel li sen fase nada di kel li);
Si kadjar n izisti apenas sima un lagartu ki kortadu rabu
I k'é rabu pa la di lagartu ta ramexe manenti.
//
N fase di mi kuse ki n ka sabe,
I kusé ki n podeba fase di mi n ka fase.
Kel domino ki n bisti staba eradu.
N fika konxedu logu pa kenha ki n ka era i n ka disminti, i n perde.
Kantu n razolbe tra maskra,
E staba pegadu na nha rostu.
Kantu n tra-l i n djobe na spedju
Dja n staba bedju.
N staba moku, dja n ka sabeba bisti domino ki n tra.
N bota maskra fora i n durmi na kau bisti
Sima un katxor ki jerensia ta tolera
Pamodi e ka ta fase ninhun mal
I n ta ba skrebe es stória pa n prova ma mi é sublimi.
Isensia muzikal di nhas versu inútil,
N ta kreba atxaba-bo sima kusa ki n faseba,
I n ka fikaba senpri dianti di tabakaria dipadianti,
Ta kalka ku pe konsiensia di sta izisti
Sima un tapeti ki un mokeru tropesa n'el
O un kapaxu ki siganus furta i ka baleba nada.
//
Mas donu di tabakaria txiga porta i e fika na porta.
Ku diskonfortu n djobe-l ku kabesa tortu
I ku diskonfortu di nha alma ta ntende mal.
El e ta more i mi n ta more.
El e ta dexa tabuleta, mi n ta dexa versus.
Nun sertu altura tabuleta ta more tanbé i rua undi ki tabuleta stevi,
I kel língua ki versus foi skritu na el.
Dipos ta more kel planeta ta da boita undi tudu kel li kontise.
Notus satéliti dotus sistema kualker kusa parsedu ku algen
Ta kontinua ta fase kusa parsedu ku versus ta vive baxu di kusas
                                                                     parsedu ku tabuletas,
Un kusa senpri dianti di kel otu,
Senpri un kusa ton inútil sima kel otu,
Inpusível senpri ton stúpidu sima rial,
Misteriu di fundu senpri ton sertu sima sonu di misteriu di superfisi
Senpri kel li senpri otu kusa o nen un kusa nen otu.
//
Mas un omi entra na tabakaria (pa kunpra sigaru?)
I rialidadi ki ta faze sentidu kai di rapenti riba di mi.
N arma labanta si xeiu di forsa, konvensidu, umanu,
I n sta ba tensiona skrebe es versus undi n ta fla u-kontráriu.
Ora ki n sta pensa skrebe-s n ta sende un sigaru
I na sigaru n ta saboria libertason di tudu pensamentu.
N ta sigi fumu di sigaru sima ki n sta sigi un rota singular,
I n ta goza, nun mumentu konpitenti i di sensason,
Libertason di tudu spekulason
I konsiensia ma metafízika é un konsikuensia di sta mal-dispostu.
//
Dipos n ta deta pa trás na kadera
I n ta kontinua ta fuma.
Timenti Distinu ta pirmiti-m kel li n ta kontinua ta fuma.
//
(Si n kazaba ku fidju-fémia di mudjer ki ta lababa-mi ropa
Si kadjar n ta serba filis).
N ta bisti kel li n ta labanta di kadera. N ta bai janela.
//
Omi sai di tabakaria (ta ba ta mete troku na djilbera?).
Ah, n konxe-l: é Stevis sen metafízika.
(Donu di tabakaria txiga porta)
Sima ki pur un instintu divinu Stevis vira e odja-m.
E fase-m adios ku mo, n grita-l adios o Stevis, i universu
Rakonstrui pa mi sen idial nen speransa, i Donu di Tabakaria poi ta suri.  

Rinxoa, abril di 2007