“Desde a Antiguidade, críticos literários e filósofos compararam muitas vezes as artes […]. A definição mais antiga e mais célebre é a de Simonide, para quem a poesia é uma pintura falante e a pintura uma poesia muda. A estas fórmulas podem juntar-se as da arquitectura, música petrificada, e a da música, arquitectura fluida, fórmulas inventadas, segundo Walzel(1917), na época do romantismo. No interior da literatura, é principalmente a poesia a ter o privilégio de se ver comparada às artes: são perceptíveis aproximações com a música, fundamentalmente graças a certas analogias ao nível da prosódia, com a arquitectura, mas em primeiro lugar, com a pintura” (A. Kibédi Varga, Teoria da Literatura, 1981)
Assim, a comparação entre a poesia e a pintura foi realizada sob diferentes ópticas por literatos e investigadores de todos os tempos, que se servem, com muita frequência, da famosa formulação horaciana do v. 361 da Ars poética: “ut pictura poesis”. A poesia é como a pintura.
Segundo Carlos de Miguel Mora, da Universidade de Aveiro, “os pontos que permitem estabelecer a comparação são basicamente dois, insinuados de maneira implícita pelo poeta: a técnica do engano e a falta de utilidade” (“Os limites de uma comparação: ut pictura poesis”, Ágora. Estudos Clássicos em Debate 6, 2004; www.dlc.ua.pt/classicos/pictura.pdf).
Francisco Oliveira e Silva, Alegoria, micropintura, Ponta Delgada, 2003.
SEGREDO ABERTO
Caminha a dualidade sexuada da frase
suspensa na sua entrega e abandono.
O que leva o homem a colocar-se na partida e
na razão masculina de si?
Implacável a radiação do tempo na superfície
cósmica
que a força da mão pretende gastar
quase anular através de reminiscências aquáticas,
enlameadas e em coagulação elementar.
Em relativo distanciamento uma trama quase
desvenda uma corporização.
É de trama, porém, a corporização e o seu interior
é inane.
Trama irresolúvel, corporização não inteirada,
não assumida na sua propriedade nem na sua
conformidade.
Convivência tensiva de si para si.
E, mesmo assim, o artista está em convite aceso
a espreitarmos os traslados da sua fundura ôntica.
O Êxtase de Santa Teresa (grafito anónimo, Lisboa, 1994)
O grafito de Santa Teresa d'Ávila é a expressão visual espontânea que inesperadamente irrompeu dos muros da cidade de Lisboa, em 1994, nomeadamente num dos suportes do viaduto de Alcântara.
Esta é uma reprodução a partir da escultura barroca de Bernini(1598-1680), a quem Lacan reconheceu a expressão de tanto desejo.
Embora o grafito já tenha desaparecido daqueles muros, ficou noticiado no número zero da revista MetropoLis (Janeiro de 1994) e, agora, tenho o gosto de o divulgar na Internet.
O Êxtase de Santa Teresa, Bernini
Esta escultura de Bernini foi realizada entre 1645 e 1652 para a capela do cardeal Federico Cornaro. Representa o êxtase místico de Santa Teresa, ferida por uma seta de amor divino disparada por um anjo (que não nos deixa de lembrar Cupido). Nela podemos observar o rico jogo de mármores e dos dourados, as inúmeras linhas ondeantes e de fuga, o corpo da santa e a seta em diagonais opostas. Tal como a pintura, a escultura barroca é plena de sensualidade e movimento.
Teresa de Jesus morreu em Alba de Tormes em 4 de Outubro de 1582.
Miguel Torga, na autobiografia ficcionada que tem por título A Criação do Mundo (1937-1981; 1ª ed. conjunta: 1991; 3ª ed. 2002, Publicações Dom Quixote, p.279), escreve acerca dessa fome de absoluto que atormentou Santa Teresa:
Nos tempos de Coimbra, durante o curso, encarregara os caloiros da casa de trazerem das terras nativas quantos alfarrábios por lá encontrassem, que lhes pagava a vinte escudos o quilo. E numa dessas aquisições a peso vieram-me ter à mãos as obras completas da Doutora. Las Moradas, primeiro, e Castillo Interior, depois, transformaram-me num seu devoto leitor. Ficara enredado nas malhas daquela personalidade ao mesmo tempo ingénua e subtil, maternal e combativa, que se exprimia numa linguagem chá, popular, cheia de graça e de finura, em que cada palavra é a sístole ou a diástole dum coração que nunca deixou de bater humanamente, apesar de abrasado de amor divino. Pela primeira vez encontrava unidos e harmonizados numa criatura o gosto activo dos frutos da terra e a ânsia contemplativa dos manás do céu. E acabara por inscrevê-la no meu calendário ibérico, com um poema que arrepiara o Alvarenga. Mais chegado à condição traída da mulher do que à vocação realizada da monja, embora fosse um preito, era também uma profanação. Morta e sepultada, a decompor-se, a freira enfrentava desencantadamente o vazio da eternidade, numa espécie de êxtase às avessas...
Vivo sin vivir en mí, y de tal manera espero, que muero porque no muero.
Vivo ya fuera de mí después que muero de amor; porque vivo en el Señor, que me quiso para sí; cuando el corazón le di puse en él este letrero: que muero porque no muero.
Esta divina prisión del amor con que yo vivo ha hecho a Dios mi cautivo, y libre mi corazón; y causa en mí tal pasión ver a Dios mi prisionero, que muero porque no muero.
¡Ay, qué larga es esta vida! ¡Qué duros estos destierros, esta cárcel, estos hierros en que el alma está metida! Sólo esperar la salida me causa dolor tan fiero, que muero porque no muero.
¡Ay, qué vida tan amarga do no se goza el Señor! Porque si es dulce el amor, no lo es la esperanza larga. Quíteme Dios esta carga, más pesada que el acero, que muero porque no muero.
Sólo con la confianza vivo de que he de morir, porque muriendo, el vivir me asegura mi esperanza. Muerte do el vivir se alcanza, no te tardes, que te espero, que muero porque no muero.
Mira que el amor es fuerte, vida, no me seas molesta; mira que sólo te resta, para ganarte, perderte. Venga ya la dulce muerte, el morir venga ligero, que muero porque no muero.
Aquella vida de arriba es la vida verdadera; hasta que esta vida muera, no se goza estando viva. Muerte, no me seas esquiva; viva muriendo primero, que muero porque no muero.
Vida, ¿qué puedo yo darle a mi Dios, que vive en mí, si no es el perderte a ti para mejor a Él gozarle? Quiero muriendo alcanzarle, pues tanto a mi Amado quiero, que muero porque no muero.
Santa Teresa d’Ávila
Obras Completas, Burgos, Editorial "Monte Carmelo”
CARREIRO, José. “O êxtase de Santa Teresa d'Ávila”. Portugal,
Folha
de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 04-11-2006. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2006/11/o-extase-de-santa-teresa-davila.html
(2.ª edição) (1.ª edição: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2006/11/04/O-_CA00_XTASE-SANTA-TERESA-D_3F00C100_VILA.aspx)
“Dois poderosos mitos fizeram-nos acreditar que o amor podia,devia sublimar-se em criação estética: o mito socrático(amar serve para criar uma multidão de belos e magníficos discursos) e o mito romântico(produzirei uma obra imortal escrevendo a minha paixão).”
Roland Barthes,Fragmentos de um discurso amoroso, 1977
Segundo Arturo Casas (Universidade de Santiago de Compostela, 2006), a poética elíptica de José Maria de Aguiar Carreiro apresenta uma “decidida tematización da espacialidade, da habitabilidade, dos ocos e os baleiros revisitados ou presaxiados, dos segmentos de vida formulada. Mediterráneo acaso malia o lugar onde foi pensado, grego na semántica como o foron algúns dos arcaicos, entregando case todo ao non dito ou só suxerido, e sendo á vez, en simultaneidade inesquivábel, metadiscursivos, reiterados e autorreferentes na textualidade que se demora como coordenadas non só da escrita senón tamén do experimentado, da vida en suma e dos seus azares obxectivos.”
CARREIRO, José. “Fragmentos de um discurso amoroso”. Portugal,
Folha
de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 26-10-2006. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2006/10/fragmentos-de-um-discurso-amoroso.html
(2.ª edição) (1.ª edição: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2006/10/26/CHUVA-DE-_C900_POCA-ou-NADA-NUNCA-DE-NINGU_C900_M-_2800_2_2900_.aspx)