quinta-feira, 11 de outubro de 2012

PANTEÍSMO (Antero de Quental)



                               

  
             
                   
PANTEÍSMO

I

Aspiração... desejo aberto todo 
Numa ânsia insofrida e misteriosa... 
A isto chamo eu vida: e, deste modo,

Que mais importa a forma? silenciosa 
Uma mesma alma aspira à luz e ao espaço 
Em homem igualmente e astro e rosa!

A própria fera, cujo incerto passo 
Lá vaga nos algares da devesa, 
Por certo entrevê Deus – seu olho baço

Foi feito para ver brilho e beleza... 
E se ruge, é que a agita surdamente 
Tua alma turva, ó grande natureza!

Sim, no rugido há vida ardente, 
Uma energia íntima, tão santa 
Como a que faz trinar a ave inocente...

Há um desejo intenso, que alevanta 
Ao mesmo tempo o coração ferino, 
E o do ingénuo cantor que nos encanta...

Impulso universal! forte e divino, 
Aonde quer que irrompa! e belo e augusto, 
Quer se equilibre em paz no mudo hino

Dos astros imortais, quer no robusto 
Seio do mar tumultuando brade, 
Com um furor que se domina a custo,

Quer durma na fatal obscuridade 
Da massa inerte, quer na mente humana 
Sereno ascenda à luz da liberdade...

É sempre a eterna vida, que dimana 
Do centro universal, do foco intenso, 
Que ora brilha sem véus, ora se empana...

É sempre o eterno gérmen, que suspenso 
No oceano do Ser, em turbilhões 
De ardor e luz, envolve, ínfimo e imenso!

Através de mil formas, mil visões, 
O universal espírito palpita 
Subindo na espiral das criações!

Ó formas! vidas! misteriosa escrita 
Do poema indecifrável que na Terra 
Faz de sombras e luz a Alma infinita!

Surgi, por céu, por mar, por vale e serra! 
Rolai, ondas sem praia, confundindo 
A paz eterna com a eterna guerra!

Rasgando o seio imenso, ide saindo 
Do fundo tenebroso do Possível, 
Onde as formas do Ser se estão fundindo…

Abre teu cálix, rosa imarcescível! 
Rocha, deixa banhar-te a onda clara! 
Ergue tu, águia, o voo inacessível!

Ide! crescei sem medo! não é avara 
A alma eterna que em vós anda e palpita 
Onda, que vai e vem e nunca pára!

Semeador de mundos, vai andando 
E a cada passo uma seara basta 
De vidas sob os pés lhe vem brotando!

Essência tenebrosa e pura... casta 
E todavia ardente... eterno alento! 
Teu sopro é que fecunda a esfera vasta... 
Choras na voz do mar... cantas ao vento...


II

Porque o vento, sabei-o, é pregador 
Que através dos soidões vai missionando 
A eterna Lei do universal Amor.

Ouve-o rugir por essas praias, quando, 
Feito tufão, se atira das montanhas, 
Como um negro Titã, e vem bradando...

Que imensa voz! que prédicas estranhas! 
E como freme com terrível vida 
A asa que o livra cm extensões tamanhas!

Ah! quando em pé no monte, e a face erguida 
Para a banda do mar, escuto o vento 
Que passa sobre mim a toda a brida,

Como o entendo então! e como atento 
Lhe escuto o largo canto! e, sob o canto, 
Que profundo e sublime pensamento!

Ei-lo, o Ancião-dos-dias! ei-lo, o Santo, 
Que já na solidão passava orando, 
Quando inda o mundo era negrume e espanto!

Quando as formas o orbe tenteando 
Mal se sustinha e, incerto, se inclinava 
Para o lado do abismo, vacilando;

Quando a Força, indecisa, se enroscava 
Às espirais do Caos, longamente, 
Da confusão primeira ainda escrava;

Já ele era então livre! e rijamente 
Sacudia o Universo, que acordasse... 
Já dominava o espaço, omnipotente!

Ele viu o Princípio. A quanto nasce 
Sabe o segredo, o germe misterioso. 
Encarou o Inconsciente face a face, 
Quando a Luz fecundou o Tenebroso.


III

Fecundou!... Se eu nas mãos tomo um punhado 
Da poeira do chão, da triste areia, 
E interrogo os arcanos do seu fado,

O pó cresce em mim... engrossa... alteia... 
E, com pasmo, nas mãos vejo que tenho 
Um espírito! o pó tornou-se ideia!

Ó profunda visão! mistério estranho! 
Há quem habita ali, e mudo e quedo 
Invisível está... sendo tamanho!

Espera a hora de surgir sem medo, 
Quando o deus encoberto se revele 
Com a palavra do imortal segredo!

Surgir! surgir! – é a ânsia que os impele 
A quantos vão na estrada do infinito 
Erguendo a pasmosíssima Babel!

Surgir! ser astro e flor! onda e granito! 
Luz e sombra! atração e pensamento! 

Um mesmo nome em tudo está escrito...
...........................................

Eis quanto me ensinou a voz do vento.
        
1865-1874
Antero de Quental, [Livro Primeiro]
           




           
TEXTOS DE APOIO / LINHAS DE LEITURA
         
O primeiro dos dois livros, em que se dividem as Odes, caracteriza-se por umatemática doutrinária, filosófica, baseada na exposição de teses. Tem como epígrafe o verso de Goethe, do Fausto: AlIein im lnnern leuchtet helles Licht («só no interior de mim mesmo a clara luz esplende»).
          
Segundo Joaquim de Carvalho (Estudos sobre a Cultura Portuguesa do Século XIX, voI. I, Coimbra, 1955, pág. 71), «Antero colheu no sistema hegeliano, principalmente, três conceções: a da Ideia; a da História, como desenvolução da Ideia; e a da Filosofia, como sistema de explicação total», mas observa que só as duas primeiras convergem nas Odes Modernas. ‑ A temática da ode caracteriza-se por uma mistura de hegelianismo e de pampsiquismo, que se exprime também nos Sonetos (por exemplo,Redenção) e na sua obra filosófica (Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX).
          
Segundo Teófilo Braga, em Ideia do Livro, prefácio a Visão dos Tempos: «A Arte Moderna pende para o panteísmo: nem se concebe uma sem o outro. É a religião do sentimento, da verdade, porque o coração não erra, porque não sabe raciocinar. Esta dependência entre o absoluto e a relatividade, (…) tal é o pensamento profundo da Arte Moderna, da Poesia do futuro.»
          
v. 1 e segs. Aspiração: Conceito metafísico da Vida, que é identificada à Natureza e se traduz por aspiração (cf. vontade schopenhauriana e força spenceriana). E o «desejo intenso», «impulso universal» que abrange todo o Universo (a fera, a ave, o astro, o mar), no homem, «na mente humana», é ascensão «à luz da liberdade», o que denota influência da filosofia de Hegel. Com efeito, para este filósofo, a Natureza e o Espírito são formas evolutivas, sucessivas, de um único Ser absoluto, que, nas suas manifestações, se concebe a si próprio como razão pensante. A Natureza é, pois, o grau preparatório do Espírito, a «aspiração» inconsciente para ascender à razão e à liberdade. E esta liberdade realiza-se nas criações da Humanidade: o Estado, a História, a Arte e a Religião. (Cf. António Sérgio, Prefácio a Odes Modernas de Antero de Quental,Lisboa, 1952)
O primeiro terceto exprime a visão panteísta da existência, considerada como produto «de uma essência, germe e razão de ser de tudo o que advém e aspira à vida»). (Cf. Joaquim de Carvalho, Estudos sobre a Cultura Portuguesa do Século XIX, voI. I, Coimbra, 1955, pág. 76.)
Repare-se na sugestão sonora das imagens por que se exprime a aspiração em todos os planos da Natureza: a fera ruge; a ave trina; o mar brada.
v. 13 e segs. Repare-se na definição poética da vida, refletindo a conceçãofilosófica do poeta.
vv. 31-36. Os diversos graus da evolução da Ideia. Note-se que (e de acordo com Joaquim de Carvalho. ob. cit., pág. 77) «a consideração da Ideia, enquanto «eterno germe) e «espírito universal», fundamentou na mente de Antero a substituição do Absoluto de transcendência religiosa, em que fora educado, pelo Absoluto de uma essência imanente â realidade natural e histórica).
vv. 34-36, Repare-se como o poeta exprime, por imagens, a ascensão da Natureza, a que já nos referimos.
vv.37-45. Explica a luta para ascender à liberdade.
v.60. Como observa A. Sérgio (cf. ob. cit.), Antero representa assim o movimento conceptual por tese, antítese, e síntese, isto é, cada uma das fases da evolução, segundo Hegel. ‑ A influência deste filósofo é tão evidente nas Odes, que o poeta manteve a terminologia hegeliana no título de dois sonetos, Tese e Antítese. O próprio Antero confessou (Carta Autobiográfica, 1887): «O Hegelianismo foi o ponto de partida das minhas especulações filosóficas, e posso dizer que foi dentro dele que se deu a minha evolução intelectual.» ‑ Certas composições (v. Ideia, Tese, Antítese) não só estão impregnadas de espírito hegeliano, mas até apresentam reminiscências da sua terminologia. Note-se, porém, que, se o hegelianismo terá iniciado Antero na especulação metafísica, há nítida discordância entre a interpretação corrente do sistema de Hegel e a ideologia política que Antero pôs vigorosamente em ação.
v.74 e segs. Repare-se que Antero considera-se o «vidente do futuro», o guia da sociedade, o que explica o estilo profético e bíblico, oracular, da sua poesia.
v. 110 «Um mesmo nome em tudo está escrito...» ‑ Síntese da visão panteísta de inspiração hegeliana. Também o panteísmo de Schelling (1775-1854), filósofo alemão, contemporâneo de Hegel, cuja filosofia tem como fulcro o sentimento romântico da Natureza, deve ter influenciado o pensamento de Antero, como todo o Romantismo. Poderíamos ainda citar Haeckel (1834-1919), naturalista alemão, discípulo de Darwin, a propósito do conceito geral da evolução, aqui expresso.
v. 111 «a voz do vento»: simboliza a ânsia de libertação da alma.
          
Maria Ema Tarracha Ferreira, Antologia Literária Comentada. Século XIX. Do Romantismo ao Realismo. Poesia, Lisboa, Editora Ulisseia, 1985, 2ª edição.
          
          
*
          
Este homem de grande vontade e de carácter sincero, passou toda a sua vida correndo atrás de ideais que ele considerava as suas verdades. A luta pela verdade foi sempre o seu lema. Só que, para ele, não havia verdades relativas: a sua alma imensa alimentava-se só do absoluto, E, como nesta vida o bem e a verdade nunca se atingem como absolutos, este herói romântico (apesar de lutar ao lado da geração que defendeu os valores realistas) foi perdendo sucessivamente cada um dos seus ideais utópicos e sofrendo outras tantas desilusões. Poeta-filósofo, Antero evoluiu de um panteísmo romântico para uma ascese de índole budista, acabando por desembocar numa espécie de Nirvana.
          
António Afonso Borregana, Antero de Quental. O Texto Em Análise - Ensino Secundário, Lisboa, Texto Editora, 1998
          
        
        
SUGESTÕES DE LEITURA
        
 Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária de textos de Antero de Quental, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, 2021 (3.ª edição) <https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/Lit-Acoriana/antero-de-quental>



[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/10/11/panteismo.aspx]

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

EM VIAGEM (Antero de Quental)


   ANTERO DE QUENTAL, por Urbano, Coleção Escola Secundária Antero de Quental
        
        
EM VIAGEM

Pelo caminho estreito, aonde a custo
Se encontra uma só flor, ou ave, ou fonte,
Mas só bruta aridez de áspero monte
E os sóis e a febre do areal adusto,

Pelo caminho estreito entrei sem susto
E sem susto encarei, vendo-os defronte,
Fantasmas que surgiam do horizonte
A acometer meu coração robusto...

Quem sois vós, peregrinos singulares?
Dor, Tédio, Desenganos e Pesares...
Atrás deles a Morte espreita ainda...

Conheço-vos. Meus guias derradeiros
Sereis vós. Silenciosos companheiros,
Bem-vindos, pois, e tu, Morte, bem-vinda!
          
Antero de Quental
        


        
        
1. Atente no percurso do eu.

1.1. Precise o sentido do adjetivo em «caminho estreito».

1.2. Saliente a disforia da linguagem na caracterização desse percurso.

1.3. Trata-se de um caminho sem «flor, ou ave ou fonte». Que significado atribui a este facto?

1.4. Explique o emprego da maiúscula nos vocábulos do verso 10.

2. Que papel se confere à Morte no poema?

3. «Viagem» é uma metáfora de quê?
           
Ser em Português 12ºA (coord. A. Veríssimo, Areal Ed.,1999).
           
        
        
SUGESTÕES DE LEITURA
        
 Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária de textos de Antero de Quental, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, 2021 (3.ª edição) <https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/Lit-Acoriana/antero-de-quental>



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terça-feira, 9 de outubro de 2012

AD AMICOS (Antero de Quental)

  museudochiadoipmuseus
        
       
AD AMICOS1
     
Propter solatium2
        
Renasço, amigos, vivo! Há pouco ainda
Disse ao viver: 
«Afunda-te no nada!»

E já, bem vedes, surjo à luz dourada,
‑ No lábio o rir, no peito esp'rança infinda!

Ah, flor da vida! flor viçosa e linda!
Envolto na mortalha regelada
Do só pensar ‑ perdão! ‑ foste olvidada...
Flor do sentir e crer e amar... bem vinda!

A vida! como a sinto, ardente, imensa!
Não única! tomando a imensidade!
Livre! perante Deus surgindo forte!

Que amor! que luz! que pira vasta, intensa!
Plenitude! harmonia! realidade!
Mas melhor que tudo isto é sempre a morte!
         
(1859 a 1863)
Antero de Quental, Raios de Extinta Luz
           
_________________
Expressão latina: «Aos amigos».
Expressão latina: «Para (vossa) consolação».
        
           
              
1. Demonstre, com expressões do poema, que quase todo ele (13 versos) constitui um cântico de exaltação da vida.
2. O último verso do poema poderá considerar-se uma conclusão lógica do soneto? Justifique a sua resposta.
3. Delimite as duas partes em que o poema se divide e confirme que elas se relacionam antiteticamente.
       
António Afonso Borregana, Antero de Quental. O Texto Em Análise - Ensino Secundário, Lisboa, Texto Editora, 1998
          
        
                        Geração de 70 
          
            
AD AMICOS

Em vão lutamos. Como névoa baça,

A incerteza das coisas nos envolve.
Nossa alma, em quanto cria, em quanto volve,
Nas suas próprias redes se embaraça.

O pensamento, que mil planos traça,
É vapor que se esvai e se dissolve;
E a vontade ambiciosa, que resolve,
Como onda entre rochedos se espedaça.

Filhos do Amor, nossa alma é como um hino
À luz, à liberdade, ao bem fecundo,
Prece e clamor dum pressentir divino;

Mas num deserto só, árido e fundo,
Ecoam nossas vozes, que o destino
Paira mudo e impassível sobre o Mundo.
        
Antero de Quental, Sonetos Completos
           
                 
1. Indique de que forma os sonetos transcritos confirmam (ou não) esta afirmação de Vitorino Nemésio: «[…] a dificuldade ao abeirarmo-nos deste homem genial [Antero]reside na contradição aparente do seu espírito, tão depressa elevado a  uma esfera de doce conformidade como abatido a um abismo enegrecido de desesperos».
2. Justifique o emprego da conjunção adversativa no verso 12.
3. Saliente a expressividade da comparação e da metáfora.
           
Ser em Português 12ºA (coord. A. Veríssimo, Areal Ed.,1999).
           
        
        
PERFIL BIOGRÁFICO, CULTURAL E LITERÁRIO
           
O poeta e filósofo Antero Tarquínio de Quental, português nascido em Ponta Delgada, capital dos Açores, na ilha de São Miguel a 18 de abril de 1842, revolucionou o contexto literário e político da sociedade coeva, plena de um Romantismo decadente.
Em 1852 segue para Lisboa, junto à mãe Ana Guilhermina da Maia para estudar no colégio Pórtico, na época dirigido pelo poeta António Feliciano de Castilho.
Quatro anos depois encerra os estudos preparatórios para entrar na Universidade de Coimbra, e escreve seus primeiros versos (mais tarde publicados nas revistas literárias: Prelúdios LiteráriosO Académico O Fósforo). Cursando Direito, em 1858 participa da Sociedade do Raio, grupo secreto que trará os nomes de: José e Alberto Sampaio, António Azevedo Castelo Branco, João de Sousa Avelino, entre outros também estudantes ávidos por mudanças naquele meio académico.
Além de escrever folhetos e textos para os jornais da Universidade, tem, em 1861, publicado os seus primeiros Sonetos, prefaciados por João de Deus, poeta e amigo do jovem (a quem dedicou o artigo ―”A propósito de um poeta”).
A partir de 1865 cresce a sua produção e atuação escrita e política na sociedade portuguesa, em que destacamos: o opúsculo Defesa da Carta Encíclica de Sua Santidade Pio IX contra a chamada opinião liberal, louvando a figura do Papa antiliberal e antiprogressista; a 1.ª edição das Odes Modernas (dedicada ao dileto amigo Germano Meireles); a divulgação da carta destinada a Castilho, intitulada Bom Senso e Bom Gosto, polemizando e gerando a Questão Coimbrã (revolucionando o meio intelectual e literário); e o folheto A Dignidade das Letras e As Literaturas Oficiais. Nesse mesmo ano o poeta destrói algumas poesias sentimentais.
No ano seguinte viaja a Paris com dois intuitos: oferecer um exemplar das Odes, para Michelet e trabalhar como tipógrafo, passando por lá cerca de cinco meses, e voltando desiludido, já com sintomas de um mal que o acompanharia por toda a vida: os problemas físicos que o levariam a quadros de depressão e angústia.
Em 1868, já na cidade de Lisboa, após ter passado um ano em São Miguel, participa do Cenáculo, grupo que defendia as ideias de uma República Federal Ibérica, com as figuras históricas de Eça de Queiroz, Guerra Junqueiro, Ramalho Ortigão, entre outros.
Passados os anos, em 1871 inaugura as Conferências do Cassino, logo proibidas pelo governo, por seu teor ‘subversivo‘, proferindo na conferência o texto ―As causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos séculos”.
E, para aliviar os males do corpo e os problemas familiares, dedica-se ao estudo das línguas, da literatura comparada e da filosofia, além de iniciar uma tradução do Fausto de Göethe.
No ano seguinte, publica as Primaveras Românticas — Versos dos vinte anos e o folheto político O que é a Internacional, de cunho socialista.
Seu pai Fernando de Quental falece no outro ano, justamente quando o poeta retornara à ilha natal.
Em 1875 sai a segunda edição das Odes (contendo treze novos poemas, substituindo alguns eliminados, que estavam na primeira edição), mas em contrapartida suas crises aumentam. O que, no ano posterior é agravada com o falecimento da mãe. Seguem os anos... dividindo as dores e tempestades psicológicas, com as visitas dos amigos, principalmente Oliveira Martins, companheiro sempre presente, inclusive evitando, em 1879, a primeira tentativa de suicídio do poeta, ao tirar de suas mãos o revólver com que tentara se matar.
Em 1881, retorna à Vila do Conde, desejando buscar ares melhores para viver, porém as alegrias são poucas, entre elas a publicação dos Sonetos, pela Biblioteca Renascença.
É no ano de 1885 que Antero inicia sua preciosa amizade epistolar, mais tarde pessoal, com a filóloga Carolina Michaëlis de Vasconcelos, basilar para a divulgação dos seus versos.
No ano seguinte surgem seus Sonetos Completos (com 109 sonetos, e cinco poemas em quadras, devidamente ‘salvos‘ por Martins, antes do poeta, em uma das suas crises, tentar rasgá-los).
Em 1890 acontece o Ultimato Britânico nas celeumas políticas e econômicas da Inglaterra com Portugal, e Antero é chamado para assumir a presidência da Liga Patriótica do Norte, mais um fracasso pessoal do país e do homem, fazendo-o voltar, definitivamente, para S. Miguel.
Em 1891, ano fatídico, em 11 de setembro suicida-se com dois tiros na boca, na ilha que o acolheu derradeiramente.
No seu tempo tornou-se a voz do novo pensamento de Portugal, bebendo nas fontes da filosofia alemã, de Hegel e Schopenhauer, e na francesa, de Michelet e Proudhon (seu autor preferido). Bem como no universo poético vindos da França, Alemanha e Inglaterra, construindo ideologicamente, em seu país, o Realismo, junto a Eça de Queiroz e outros companheiros. Antero também anunciou o Simbolismo em Portugal, que viria surgir em 1890, e preparou o surgimento do Modernismo de 1915, que traria em Fernando Pessoa o idealizador.
          
Neilton Limeira Florentino de Lima, Diálogo poético entre Antero de Quental e Augusto dos Anjos: a modernidade luso-brasileira (Dissertação de mestrado).  Recife, Universidade Federal de Pernambuco, 2007, pp. 11-13
           
           
TEMÁTICA, ESTILO E LINGUAGEM DA POESIA DE ANTERO DE QUENTAL
  • Amor (retrato da mulher anjo como reflexo da "divina formosura", característica dos românticos, lirismo de êxtase);
  • Sonho (transfiguração do ambiente circundante, tendência para a evasão através do sonho);
  • Morte (presença da noite, debilidade espiritual, a dor de Ser, solidão, ceticismo);
  • Tédio (inquietações metafisicas, introversão);
  • Sentimento/Razão (um sentimento de contraste e consciência da limitação de todas as coisas, perspetiva filosófica da vida e do mundo, anseio de renovação moral e social);
  • Grandes ideais (Liberdade, Justiça, Amor, Bem, poesia de combate);
  • Religiosidade (busca de um Deus diferente);
  • Tom arrebatado e solene;
  • Grande expressividade semântica e morfológica (verbos, adjetivos, advérbios, conjunções adversativas e copulativas);
  • Linguagem clássica ("coorte"," verbo", etc.);
  • Expressividade sonora e rítmica (encavalgamento, rima monótona, aliteração, polissíndeto, anáfora);
  • Uso de determinados recursos estilísticos como forma de expressão dos seus estados de espírito (vocativo, reticências, interrogações);
  • Alegorias (Ideia, Razão, Noite, Morte, etc.);
  • Forma dialogada em alguns poemas.
           
Cecília Sucena e Dalila Chumbinho, Sebenta de Português: Antero de Quental – introdução ao estudo da obra, Estoril, Edição da papelaria Bonanza, [Edição: 2006]
        
A angústia existencial. Figurações do poeta. Diferentes configurações do Ideal.
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 Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária de textos de Antero de Quental, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, 2021 (3.ª edição) <https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/Lit-Acoriana/antero-de-quental>



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