terça-feira, 21 de abril de 2009

MEDEIA



MEDEIA
     
(Recitando o texto de Eurípedes.) «Jasão, perdoa-me o que disse. Tens de suportar este génio violento. Partilhamos tantas recordações do nosso amor!» Eu ralho comigo mesma, «Como és doida, Medeia, teimas em te queixar, quando o que os outros pretendem é levar a vida da melhor maneira possível, teimas em te queixar, erguendo-te contra o Rei e contra o teu próprio marido.»
[…]
«A vossa mãe está fora do Mundo», dizes calmamente enquanto enches o cachimbo, «e há quase vinte anos que anda agarrada como um abutre à carcaça de Medeia. Como e dorme com os seus demónios, de que outra coisa quer ela saber?» E os pequenos ouvem-te. O mais velho pelo menos ainda te presta atenção, vendo no pai aquilo que pretende ser, um «pragmático» com a ambição toda que cabe nesta palavra»
[…]
«A chuva desta noite espalhou pela terra as azeitonas antes que amadurecessem.» O texto de Eurípedes não contém, mas deveria conter, uma fala assim. Bem mais felizes terão sido essas mulheres antigas, descidas de um reino de taças de veneno e de tronos derrubados, desgrenhando a cabeleira no ventre dos seus amantes. Pariam em sangue, em sangue assassinavam.
[…]

Durante muitos anos tive aquele pesadelo. O homem, jovem de mais para mim, erguia-se na última fila da plateia. Disparava três vezes. Eu caía na grande luz do palco. E o público levantava-se para me aplaudir.
    
    
MÁRIO CLÁUDIO, MEDEIA
Lisboa, Publ. Dom Quixote, 2008
    

     
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2009/04/21/medeia.aspx]  


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