História
Antiga
Era uma vez,
lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto1
E duas grandes tranças.
A gente
olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na
verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades
e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou
milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas
mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para
crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
Miguel Torga, “História Antiga”,
in Diário I, 1941 (3 de janeiro de 1932 a 15 de agosto de 1941)
Vocabulário
1 Cabresto: correia ou peça
de couro colocada na cabeça de um animal (como um burro ou cavalo) para o
controlar e conduzir.
Proposta de
escrita
Escolhe uma
das opções apresentadas abaixo e elabora um comentário, explicando de que modo
o poema desenvolve essa ideia:
Opção A: O
bem pode manifestar-se mesmo nos contextos de maior crueldade.
Opção B: Uma
pequena esperança pode transformar o mundo.