MANUSCRITOS (PRESENÇA DA CANTIGA NOS CANCIONEIROS): BN
828, V 414
Dizia la bem talhada, BN_381_175_828
Dizia la bem talhada, V_140_066_0414
As
estrofes V-VI aparecem em ordem inversa no Cancioneiro da Biblioteca Nacional, sendo
que Rip Cohen seguiu a lição do Cancioneiro da Biblioteca Vaticana.
NOTAS:
A interpretación desta cantiga admite dúas direccións
conforme se considerar que a amiga fala de unha rival, ou, contrariamente, que a
voz feminina se dirixe a outra amiga, isto é, que se trate dunha cantiga lésbica
(véxase Callón Torres 2017: II, 31; 2018;
2020).
1-4
Ao longo do corpus nunca se rexistra ningunha forma
de artigo arcaico (lo,
la) en inicio de período
e/ou de verso. É por isto que nesta cantiga se percibe con clareza o notorio contraste
que marca o emprego da forma la do artigo, en contexto posvocálico, na primera cobra,
e o uso da forma normal a no inicio da segunda, no verso reflexo (Dizia la ben-talhada vs.
A ben-talhada dizia). A
manutención de /l/ na forma do artigo indica a procura dunha retórica arcaizante
na elaboración de cantigas de amigo (véxase Ferreiro 2008b, 2013), igual que acontece
noutras cantigas (587, 609, 704, 735, 781, 864, 891, 892, 903, 969, 1130, 1166, 1167, 1169, 1201, 1206, 1281, 1294, 1297, 1299, 1304 e 1314) e do mesmo xeito que acontece coas correspondentes
formas pronominais (véxase nota a 586.5).
"Penada se a eu visse", verso 7, BN
"Penada se a eu visse", verso 7, V
O incipit desta cantiga de Pedr’Eanes Solaz foi aproveitado
por Afonso Sanchez noutra cantiga de amigo, cunha intertextualidade reforzada pola
aparición da forma la do
artigo (véxase 781.5).
2-5
Nestes dous versos, na dirección que marcou a edición
de Machado, Cohen consolidou a segmentación do pronome feminino en Agor’a e Penad’a, respectivamente,
fornecendo fluidez discursiva a un texto que ficaba deficiente na tradicional edición
de Nunes (e de Reali e mais de Littera).
7-10
Nótese a emenda no pronome feminino que Nunes (nos
dous versos), Reali (só no v. 10) e Littera realizaron, inxustificadamente, no texto,
talvez para procurar unha presenza masculina que non existe na cantiga (se a eu visse penada, v. 7;
Penada se a eu...).
13-18
A troca de lugar das estrofas V-VI en Littera carece,
en aparencia, de xustificación.
Nas estrofes
I e II a construção pode ser assim parafraseada: “Quem me dera vê-la sofrer por
quem eu sinto amor.”
Na estrofe
III: “Porque se eu a visse sofrer, eu não estaria tão infeliz por quem eu sinto
amor...”.
Na estrofe
IV: “Não há dor que eu sentisse por quem eu sinto amor...”.
Nas estrofes
V-VI: “Queria que alguém dissesse àquele por quem sinto amor que ele (por quem sinto
amor) não se atrasasse mas chegasse…” – e aqui ond’
eu amor ei funciona como oração relativa dependente de
lh’ e, juntamente com o seu antecedente
omitido, constitui o sujeito gramatical de veesse,
chegasse e non tardasse
(e pode suplementarmente significar “ao lugar
de onde”; cf. CSM 26.93-94
que fosse tornar / a alma onde a trouxeron).
(I) Dicía a amiga fermosa: «Oxalá
agora a vise penada alí onde teño amor!». (II)
A amiga fermosa dicía: «Oxalá penada a vise eu un día alí onde teño amor, (III) pois, se a vise penada, non
sufría tanto alí onde teño amor!».
(IV)
Se a eu vise penada, non sentiría ningún mal, alí onde teño amor!». (V)
Quen hoxe por min lle dixese que non tardase e que viñese alí onde teño amor!». (VI)
Quen hoxe por min lle rogase que non tardase e que chegase alí onde teño amor!».
A cantiga comeza cunha enunciación sen identificar
(quizais o quen dos vv. 13 e 16?), que é testemuña do que ouviu dicirlle á
ben-talhada, á bela, a quen se lle transfire a voz a continuación. A muller
expresa o seu desexo de ver penada unha outra figura feminina, no lugar onde
ela ten agora amor. No segundo par de cobras, a ben-talhada sinala que se vise
que esa figura feminina está triste, ela non estaría tan mal. Xa nas
derradeiras estrofas, desexa que alguén lle dixese (suponse que á figura
feminina até aí referida) que fose ao seu encontro. O refrán marca o amor
topograficamente: o desexo é ver a tristura e o reencontro nun espazo concreto.
Transmítesenos ademais o movemento desde o despeito até o desexo da
reconciliación, mais sempre a dependencia afectiva.
CARREIRO, José. “Dizia
la bem talhada, Pedro Anes Solaz (Pedr'Eanes Solaz)”. Portugal, Folha de
Poesia, 23-07-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/07/dizia-la-bem-talhada-pedro-anes.html
Trovador ativo em
meados do século XIII, muito provavelmente natural da região de Pontevedra,
Galiza, onde, em Meis, se situava o mosteiro de Nogueira, referido numa das suas composições1. No verdade, o seu apelido, ao
contrário do que pensava D. Carolina Michaëlis (que o explicava como alcunha e
supunha Pedro Anes jogral)2, deverá ter origem num topónimo
atestado na Galiza, indicando a sua eventual pertença a uma família da pequena
nobreza da região, estatuto social talvez mais conforme com a colocação das
suas composições nos cancioneiros (numa zona de autores nobres). De resto, Ron
Fernández3 localizou um indivíduo com o mesmo
apelido, um João Solaz, na documentação de Lugo (atestado em 1304). À exceção
destes dados indiretos, não possuímos, no entanto, qualquer outro dado que nos
permita traçar a biografia mínima do trovador.
Referências
1 Oliveira,
António Resende de (2001), O trovador galego-português e o seu mundo,
Lisboa, Editorial Notícias, p. 200.
2 Vasconcelos, Carolina
Michaëlis de (1990), Cancioneiro da Ajuda, vol. II, Lisboa,
Imprensa nacional - Casa da Moeda (reimpressão da edição de Halle, 1904), p.
450.
3 Ron Fernández, Xavier
(2005), “Carolina Michaelis e os trobadores representados no Cancioneiro da
Ajuda”, in Carolina Michaelis e o Cancioneira da Ajuda hoxe,
Santiago de Compostela, Xunta de Galicia. Aceder à página Web
Fonte:
Lopes, Graça Videira; Ferreira, Manuel Pedro et al. (2011-), Cantigas Medievais Galego Portuguesas [base de dados online]. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais, FCSH/NOVA.
[Consulta em 2022-07-22] Disponível em: <https://cantigas.fcsh.unl.pt/autor.asp?pv=sim&cdaut=118>.
PRESENÇA DA CANTIGA NOS
CANCIONEIROS: CBN 829, CV 415
Cancioneiro da Biblioteca Nacional – manuscrito B 829
Cancioneiro da Vaticana – manuscrito V 415
LÉXICO:
1. velida - bela, formosa.
2. Na interpretação recente de Rip Cohen e Federico
Corriente ("Lelia Doura revisited", in La Corónica:
a Journal of Medieval Hispanic Languages, Literatures and Cultures, 2002, vol.
31, n.º 1.), a expressão árabe significará "é a minha vez" ("a
noite roda" ou "é longa" eram anteriores propostas de tradução).
Nota de Rip
Cohen em500 Cantigas d’Amigo: Edição Crítica / Critical Edition.
Porto: Campo das Letras, 2003, p. 288: «vv. 2, 4, etc.: lelia
doura pode ser lido como líya
ddáwra “a mim a vez (= é a minha vez)” em árabe
andaluz. líya,
um alomorfe de li ‘a mim,’
‘para mim’, é foneticamente /leia/, e lelia pode
ser ou um erro por leiia ou,
mais plausivelmente, uma transcrição de líya (cinco
vezes em Martin Giinzo devemos pronunciar Cecilia
como /sesia/ em rima, sendo todas as rimas
perfeitas). Ed oi é
romance ibérico arcaico < et hodie com
vocalização do -t- intervocálico
no interior da expressão. Assim ed oi /
MUDANÇA DE CÓDIGO / líya ddáwra =
“E hoje / MUDANÇA DE CÓDIGO / é a minha vez” – um verso bilingue, como ocorre
em tantas kharajat.»
3. "e hoje", ainda segundo Cohen e
Corriente, que entendem o termo não como árabe, mas como uma expressão em
antiga língua romance, proveniente do Latim "et hodie" – já na
anterior interpretação de Brian Dutton("Lelia doura,
edoy lelia doura, na arabic refrain in a thirteenth-century galician poem?",
in Bulletin of Hispanic Studies, 1964, XLI), tratar-se-ia de um termo árabe,
cujo sentido seria "esmoreço".
4. Nota
de Rip Cohen em500 Cantigas d’Amigo: Edição Crítica / Critical Edition.
Porto: Campo das Letras, 2003, p. 288: «vv. 25, 27, 29, 31: leli
pode ser lido em árabe andaluz como layli,
o substantivo layl ‘noite’
com sufixo pronominal da primeira pessoa (cf. Dutton 1964, mas o nome é
colectivo, não o nomen unitatis,
que seria laylati).
ya layli é uma expressão
comum que significa qualquer coisa como “que noite eu tive”. O primeiro elemento
pode ser omitido por razões métricas ou para exprimir emoção intensa.»
5. Equivalente ao atual "diabos levem".
NOTA GERAL:
Durante
muito tempo esta notável cantiga de amigo de Pedro Anes Solaz não encontrou uma
explicação cabal, dada a estranheza do seu duplo refrão, que era entendido como
puramente onomatopaico (ou seja, como um mero conjunto de sons exclamativos). A
sugestão de Brian Dutton (19641)
e Firmino Crespo (19672),
de que se trataria, na verdade, de um refrão em língua árabe, significando
"e a noite roda" ou "a noite é longa" (o que se enquadraria
bastante bem na voz da donzela que não consegue dormir), veio trazer mais
alguma luz à composição. Já mais recentemente, Rip Choen e Federico Corriente3 interpretaram
de forma diferente os versos do refrão, propondo a tradução "é a minha
vez" (v. 2), "e hoje é a minha vez" (v. 4) e ainda, quanto
a leli (v. 25), a exclamação "A minha noite!".
Por explicar fica esta utilização da língua árabe no refrão, caso único em toda
a poesia galego-portuguesa. Este facto, juntamente com as alterações algo
bruscas no paralelismo (nas estrofes 5 e 6, e nas estrofes finais), alterações que
parecem introduzir inesperados desvios de sentido na voz da donzela, continuam
a dificultar uma interpretação cabal da cantiga. Lamento? Canto de júbilo?
Original sátira indireta? (nesta última interpretação, o trovador poderia
aludir aqui aos amores proibidos entre uma donzela e um muçulmano, talvez um
músico, dentre os que sabemos terem estado ao serviço dos soberanos
peninsulares). Seja como for, sublinhe-se o facto de estarmos perante uma
cantiga de amigo que, sem nada perder do seu notável lirismo, é, na sua
originalidade, de difícil classificação.
2 Crespo, Firmino (1967),
"Lelia Doura ou o estranho refrão de uma cantiga trovadoresca",
in Colóquio, 42, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian. Aceder à página Web
3 Cohen, Rip e Corriente,
Federico (2002), "Lelia Doura revisited", in La
Corónica: a Journal of Medieval Hispanic Languages, Literatures and Cultures,
vol. 31, nº 1. Aceder à página Web
O verso “edoi lelia doura” serve de título à
Antologia das Vozes Comunicantes da Moderna Poesia Portuguesa organizada
por Herberto Helder (Lisboa: Assírio & Alvim,1985).
CARREIRO, José. “Eu
velida nom dormia, Pedro Anes Solaz (Pedr'Eanes Solaz)”. Portugal, Folha
de Poesia, 22-07-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/07/eu-velida-nom-dormia-pedro-anes-solaz.html
Levad', amigo, que dormides as manhanas frias
tôdalas aves do mundo d'amor dizia[m]:
leda m'and'eu.
Levad', amigo que dormide'las frias manhanas
tôdalas aves do mundo d'amor cantavam:
leda m'and'eu.
Tôdalas aves do mundo d'amor diziam,
do meu amor e do voss[o] em ment'haviam:
leda m'and'eu.
Tôdalas aves do mundo d'amor cantavam,
do meu amor e do voss[o] i enmentavam:
leda m'and'eu.
Do meu amor e do voss[o] em ment'haviam
vós lhi tolhestes os ramos em que siíam:
leda m'and'eu.
Do meu amor e do voss[o] i enmentavam
vós lhi tolhestes os ramos em que pousavam:
leda m'and'eu.
Vós lhi tolhestes os ramos em que siíam
e lhis secastes as fontes em que beviam;
leda m'and'eu.
Vós lhi tolhestes os ramos em que pousavam
e lhis secastes as fontes u se banhavam;
leda m'and'eu.
Nuno Fernandes Torneol
NOTAS:
Levad’ (verso 1) –
levantai-vos.
manhanas (verso
1) – manhãs.
tôdalas (verso 2) –
todas as.
leda (verso 3) –
alegre.
em ment’haviam (verso
8) – tinham no pensamento.
i enmentavam (verso
11) – nele (no canto), falavam do meu amor e do vosso.
tolhestes (verso
14) – tirastes.
siíam (verso 14) –
estavam pousadas.
u (verso 23) – onde.
Autor:Nuno Fernandes Torneol -trovador
do século XIII. Pensa-se que tenha estado vinculado às cortes de Fernando III e
Afonso X, pois numa cantiga de escárnio é referido que era um cavaleiro ao
serviço de um rico-homem de Castela. São conhecidos vinte e dois poemas da sua
autoria: treze cantigas de amor, oito cantigas de amigo e uma de escárnio e de
maldizer.
Presença da cantiga nos cancioneiros:CV 242, CBN 641
Descrição:
Género: Cantiga de Amigo Subgénero:
Alba
Refrão e Paralelística Cobras
alternadas
Nota geral:
Esta magnífica
alba de Nuno Fernandes Torneol é certamente uma das mais conhecidas e
antologiadas cantigas de amigo de toda a lírica galego-portuguesa, e com
inteira justiça. Como acontece com todas as cantigas que jogam com a dimensão
simbólica, nomeadamente dos elementos naturais a que fazem apelo (no caso,
aves, ramos, fontes), esta é uma composição de sentido aberto, suscetível de
diversas interpretações (que não deixaram de ser feitas, ao longo da sua
história crítica).
Em sentido
estrito, o seu resumo não é difícil: a moça acorda de manhã o seu amigo, que
dorme ainda (pede-lhe para se levantar), enquanto recorda como todas as aves do
mundo cantavam de amor, sentindo-se ela imensamente alegre. Era o amor entre os
dois o que as aves comentavam no seu canto. Mas o amigo cortou os ramos em que
elas pousavam e secou as fontes onde bebiam.
Se a cantiga
nada mais nos diz, duas linhas de leitura parecem, desde logo, evidentes: a
primeira, a identificação que se pode estabelecer entre as aves que cantam e a
moça (que canta), e que é potenciada pela ambiguidade do sujeito do refrão (as
aves cantavam a alegria da moça, ou a alegria da moça é um eco do canto de amor
das aves); a segunda linha de leitura também parece evidente: em algum momento
o amigo perturbou o curso natural do amor, ou seja, a moça alude, nas quatro
estrofes finais (como quatro são as estrofes iniciais), a uma rutura amorosa.
Um primeiro
elemento menos evidente é o facto de o refrão,
cujo tempo é o presente do indicativo, se manter (como lhe compete) inalterado
ao longo de toda a cantiga. Esta reafirmação de uma alegria presente, mesmo nas
estrofes finais, disfóricas, da cantiga, tem sido interpretada duas formas
distintas:
1)
o presente da moça é o de um alegre despertar, depois de uma noite de amor que
se sucedeu a uma rutura, já ultrapassada (recordando esse tempo melancólico, a
moça volta agora a estar alegre);
2)
o presente da moça é o tempo da rutura definitiva, após uma noite que apenas a
confirmou - neste caso, o presente do refrão nas estrofes finais da cantiga
sublinharia, dramaticamente, um tempo feliz recordado na primeira parte e que
não voltará mais (como alguém que insensatamente quer continuar a acreditar
naquilo que sente terminado).
De resto, e
sem com isto tomarmos partido por qualquer uma das duas interpretações (tarefa
que deixamos ao leitor), dois aspetos, de certa forma, complementares, merecem
ainda ser sublinhados. Um deles é a referência às "manhãs frias" (o presente
explícito da moça e do amigo), referência pouco habitual neste tipo de cantigas
de amigo, onde o cenário é geralmente mais idílico e primaveril. De resto,
estas "manhãs frias", juntamente com o fim do canto das aves, as
árvores despidas de ramos e as fontes secas, desenham-nos um cenário de final
do verão ou de inícios de outono, simbolicamente muito paralelo ao tempo
melancólico de uma rutura (passada ou presente).
Seja qual for,
enfim, a interpretação que dermos à cantiga, a arte de Nuno Fernandes Torneol é
plenamente confirmada por esta notável capacidade de aliar o mais elementar ao
mais complexo, ou de condensar, através das formas mais simples e tradicionais,
níveis sucessivos de leitura.
Lopes, Graça Videira; Ferreira, Manuel Pedro et
al. (2011-), Cantigas Medievais Galego Portuguesas [base de dados online]. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais, FCSH/NOVA.
[Consulta em 2022-06-16] Disponível em: <https://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=662&pv=sim>.
Questionário
sobre a leitura da cantiga trovadoresca galego-portuguesa “Levad’, amigo, que
dormides as manhanas frias”.
1.Interprete o
apelo feito pela donzela ao «amigo», nas duas primeiras estrofes.
2.Identifique
duas partes distintas na estrutura temática do poema, justificando a sua
resposta.
3.Analise o
valor simbólico de dois dos elementos da natureza evocados pela donzela.
4.Explicite dois
aspetos que ilustrem a estrutura paralelística presente nesta cantiga.
CENÁRIO DE RESPOSTAS:
1.
Nas duas primeiras estrofes, com o seu apelo, a donzela:
expressa a vontade de acordar o «amigo»;
identifica o interlocutor (através da apóstrofe),
evidenciando a relação amorosa entre ambos;
interpela o «amigo», avisando-o da aproximação do dia (na
tradição da alba).
2. Na estrutura temática do poema,
podem identificar-se duas partes distintas:
nas primeiras quatro estrofes, é sobretudo evocada a felicidade
associada ao sentimento amoroso recíproco;
nas quatro últimas estrofes, predomina a expressão do sofrimento da
donzela pelo fim do idílio.
3. Aos elementos da natureza
evocados pela donzela pode ser atribuído o seguinte valor simbólico:
as aves refletem o sentimento do sujeito lírico, fazendo eco da sua
alegria;
os ramos quebrados pelo amigo sugerem a alteração do estado de
tranquilidade e de felicidade amorosa;
as fontes, após terem secado, simbolizam o termo de um ciclo de
renovação natural (associado à tristeza e ao desconsolo).
4. Os aspetos que ilustram a
estrutura paralelística presente na cantiga são os seguintes:
o paralelismo formal, seguindo um esquema fixo (leixa-pren) de retoma
de versos anteriores em início de estrofe (por exemplo, a repetição do segundo
verso do primeiro dístico no primeiro verso do terceiro dístico);
o paralelismo semântico, verificável na repetição da mesma ideia, de
um dístico para outro, com variações lexicais que assentam frequentemente numa
relação de sinonímia («dizia[m]» / «cantavam»; «siían» / «pousavam»).
Fonte: Exame
Final Nacional de Literatura Portuguesa | Prova 734 | 2.ª Fase | Ensino Secundário | 2022
|11.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho | Decreto-Lei
n.º 27-B/2022, de 23 de março)
Lê agora a versão de Natália Correia desta cantiga de amigo da autoria de Nuno Fernandes Torneol, enquanto ouves a sua gravação áudio.
Ergue-te, amigo que dormes nas
manhãs frias!
Todas as aves do mundo, de amor, diziam: alegre eu
ando.
Ergue-te, amigo que dormes nas
manhãs claras!
Todas as aves do mundo, de amor, cantavam: alegre eu
ando.
Todas as aves do mundo, de amor,
diziam;
do meu amor e do teu se lembrariam: alegre eu
ando.
Todas as aves do mundo, de amor,
cantavam;
do meu amor e do teu se recordavam: alegre eu
ando.
Do meu amor e do teu se
lembrariam;
tu lhes tolheste os ramos em que eu as via: alegre eu
ando.
Do meu amor e do teu se
recordavam;
tu lhes tolheste os ramos em que pousavam: alegre eu
ando.
Tu lhes tolheste os ramos em que
eu as via;
e lhes secaste as fontes em que bebiam: alegre eu
ando.
Tu lhes tolheste os ramos em que
pousavam;
e lhes secaste as fontes que as refrescavam: alegre eu
ando
Nuno Fernandes Torneol, Cantares dos trovadores galego-portugueses,
seleção, introdução, notas e adaptação de Natália Correia, Lisboa, Editorial Estampa,
1978, pp. 219-221
Questionário:
1. Indica a quem se dirige o sujeito poético nas
primeiras quatro estrofes, bem como as razões por que o faz.
2. Identifica os recursos expressivos comuns aos versos 7 e 10: «Todas as aves do mundo, de amor, diziam», «Todas as aves do mundo, de amor, cantavam».
3. Caracteriza psicologicamente o sujeito poético, nas primeiras
quatro estrofes, e relaciona o seu estado de espírito com os elementos da
natureza.
4. Interpreta as metáforas dos versos 19 e 20 («Tu lhes
tolheste os ramos em que eu as via; / e lhes secaste as fontes em que bebiam»),
justificando que tipo de situação amorosa é sugerida pelas ações do amigo.
5. Tem em atenção o refrão «alegre eu ando»,
especialmente a sua presença nas últimas quatro estrofes.
5.1 Escolhe a opção correta. Sendo a relação entre os
amantes agora de natureza diferente da inicial, estas palavras da amiga
apresentam um sentido
a. hiperbólico. b. metafórico. c. irónico. d. eufemístico.
5.2 Justifica.
6. Associa cada tempo verbal a uma estação do ano:
a) pretérito
imperfeito: «as aves […] cantavam»;
b) pretérito perfeito:
«Tu lhes tolheste os ramos […] e lhes secaste as fontes»;
c) presente do
indicativo: «Ergue-te, amigo que dormes nas manhãs frias!».
7. Refere o tema do poema.
8. Identifica as afirmações verdadeiras (V) e as falsas
(F). Corrige as falsas.
a)Neste poema, o poeta dirige-se ao amigo.
b)«Manhãs frias» é o
elemento negativo no cenário que funciona como presságio, pois conota um amor
infeliz.
c)Este poema estrutura-se em duas partes, porque aborda
primeiro o fim do amor e depois a alegria desse amor.
d)As aves eram cúmplices e inconfidentes daquele
amor.
e)Eram as aves que faziam ecoar o amor entre a menina e
o seu amigo.
h)A cantiga está construída com base em estruturas
repetitivas, versos, palavras, refrão.
i)Os versos apresentam-se em estruturas paralelas, como,
por exemplo os vv. 1 e 4 ou vv. 17 e 22.
j)Na poesia lírica em geral as repetições não são uma técnica
muito frequente.
k)Esta cantiga apresenta exemplos de versos cujo sentido
é idêntico a outros anteriores, como sucede, por exemplo, com os vv. 11
(semelhante ao 8.º) e 5 (semelhante ao 2.º).
l)Há uma variação mínima entre as várias estrofes devido
ao paralelismo e ao refrão sempre presente.
Correção:
1. O sujeito poético, uma rapariga, dirige-se a um «tu»,
o seu amigo, num primeiro momento para lhe pedir que acorde e se levante.
2. Personificação, hipérbole...
3. O sujeito poético vive momentos de felicidade, como o refrão
comprova.
Existe uma identificação entre o sujeito poético e a
natureza: à sua alegria corresponde a alegria do cantar das «aves»; ele projeta
o seu estado de alma na natureza circundante.
4. A donzela diz que ele destruiu aquilo que no cenário
contribuía para a amenidade do encontro. A fuga das aves, o corte dos ramos e a
secagem das fontes simbolizam o fim do amor. Tudo se modifica pela ausência do
amigo e o espaço fica vazio sem a presença das aves tal como o espaço do seu
coração está vazio sem a presença do amor.
5.1. c. irónico.
5.2. Trata-se de uma afirmação irónica, pois o enunciador afirma
uma coisa, mas tem outra em mente. Assim, até ao meio da cantiga o refrão seria cantado e tocado
euforicamente, a partir daí sê-lo-ia ironicamente, já que a alegria da donzela
não existia.
Podemos
afirmar que o verso do refrão indica que o sujeito poético não consegue aceitar
o fim do seu amor, porque mesmo quando as aves já não podem cantar o amor, a
rapariga continua a afirmar a sua felicidade. A ênfase posta na alegria por
parte da donzela poderá sugerir que esta ainda não perdeu totalmente a
esperança de reverter a situação e de regressar à alegria e felicidade
experimentadas no passado.
O refrão poderia ter uma outra interpretação, sugerindo o alívio da donzela por ter mandado embora o amigo, uma vez que este a desiludiu.
6. a) Primavera; b) outono;
c) inverno.
7. O tema do poema é o fim do amor.
8. a) F (Neste poema, o sujeito poético, uma menina,
dirige-se ao amigo).
b) V.
c) F (Este poema estrutura-se em duas partes, porque aborda
primeiro a alegria do amor e depois o fim desse amor).
d) F (As aves eram cúmplices e confidentes daquele amor).
e) V.
f) V.
g) F (O sujeito poético culpabiliza o amigo / a rapariga
acusa o amigo de ter destruído o amor, pois este impediu que as aves
continuassem a cantá-lo).
h) V.
i) V.
j) F (Em poesia lírica as técnicas repetitivas são
fundamentais).
k) V.
l) V.
Bibliografia consultada:
Entre Palavras 8, António Vilas-Boas e Manuel
Vieira. Lisboa, Sebenta, 2014 (2.ª ed.).
P8, Lisboa, Ana Santiago e Sofia
Paixão. Lisboa, Texto Editores, 2014 (2.ª ed.).
Ser em português 10 – Português A, coord.
Artur Veríssimo. Porto, Areal Editores, 2003 (2.ª ed.).
"Girl with pigeons", Morris Hirshfield (1872-1946)