domingo, 23 de setembro de 2012

NOX (Antero de Quental)

  
ANTERO DE QUENTAL
             
            
NOX1

Noite, vão para ti meus pensamentos, 
Quando olho e vejo, à luz cruel do dia, 
Tanto estéril lutar, tanta agonia, 
E inúteis tantos ásperos tormentos... 

Tu, ao menos, abafas os lamentos, 
Que se exalam da trágica enxovia... 
O eterno Mal, que ruge e desvaria, 
Em ti descansa e esquece alguns momentos... 

Oh! Antes tu também adormecesses 
Por uma vez, e eterna, inalterável, 
Caindo sobre o Mundo, te esquecesses, 

E ele, o Mundo, sem mais lutar nem ver, 
Dormisse no teu seio inviolável, 
Noite sem termo, noite do Não-ser! 
       
Antero de Quental
            
___________
1 Nox: noite.
          


           
TEXTO DE APOIO
           
O poeta, nas quadras, começa por invocar a Noite, caracterizando-a por oposição ao dia onde reina o Mal; nos tercetos, manifesta o desejo de que a noite seja a libertação deste Mal que assola o Mundo, impedindo-o de “lutar” e “ver”.

Note-se que esta Noite surge conotada com a Morte pois é "Noite sem termo, noite do Não-ser!" (v. 14). A noite apresenta-se como fim eterno, que anula toda a possibilidade de ser (capaz de libertar totalmente da adversidade sensível).

Os elementos apolíneos, que surgem na referência à "luz cruel do dia" (v. 2) em que decorreram as suas lutas, são substituídos pelos noturnos, que melhor lhe permitem exprimir a agonia e a inutilidade dos tormentos passados. Considera que o seu "apostolado social" não lhe permitiu a realização do sonho, não foi mais do que ''Tanto estéril lutar, tanta agonia" (v. 3). Sente inglória a sua luta e a luta do Homem, ao longo da história. Resta-lhe o desejo de uma noite eterna que adormeça e que caia sobre o Mundo para sempre.

Antero de Quental mostra-se atormentado pela sede de infinito. Nos seus sonetos, há a dor e a esperança, a razão e o sentimento, a revolta e a fé, o combate e a desilusão.

A poesia de Antero de Quental está sempre carregada de misticismo, de crítica filosófica, histórica, social e política. Como afirma Oliveira Martins, Antero é "um poeta que sente, mas é um raciocínio que pensa. Pensa o que sente; sente o que pensa".
           
Português A e B: acesso ao ensino superior 2000, Vasco Moreira, Hilário Pimenta. Porto, Porto Editora, 2000. 
(Coleção: Acesso ao ensino superior: preparação para a prova de exame nacional - 12º ano)
           


           
LINHAS DE LEITURA
           
Elabore um comentário global do soneto "NOX" de Antero de Quental, focando os seguintes tópicos:

• tema

• função apelativa da linguagem utilizada

• modos e tempos verbais predominantes no poema

• recursos estilísticos e sua expressividade

• marcas características da poesia anteriana
           
           

CRITÉRIOS SUGESTÕES DE CORREÇÃO
           
Integrados no comentário global do texto, devem ser focados os seguintes tópicos:
           
• Tema
O desejo de libertação dirigido à noite como símbolo do apaziguamento, da evasão, do inexistir.
           
• Função apelativa da linguagem utilizada
- Os vocativos "Noite"... , "Noite"... a enquadrar um discurso dirigido a uma entidade apostrofada, a Noite;
- presença explícita e frequente do pronome pessoal de 2ª pessoa: "para ti"; "Tu"; "Em ti"; "tu"; "te" e ainda do possessivo "teu";
- ‘diálogo’ entre um "eu" que tem a palavra e um "tu" recetor de um apelo;
- modo verbal conjuntivo, "adormecesses", "esquecesses", na 2ª pessoa, que exprime o apelo à realização de um desejo.
           
• Modos e tempos verbais predominantes no poema
- O carácter real, factual do presente do indicativo usado nas quadras - situação de que se parte;
- o carácter hipotético e desiderativo do imperfeito do conjuntivo, predominante, nos tercetos, - apelo à possibilidade de realização do desejo de libertação da situação apresentada.
           
• Recursos estilísticos e sua expressividade
- adjetivação expressiva
- metáfora
- reiteração
- aliteração
- exclamação e suspensão
- apóstrofe
………….
(Deve ser comentado o efeito de intensificação expressiva dos recursos apontados.)
           
• Marcas características da poesia anteriana
- A nível temático, estão presentes a angústia existencial e a Morte como libertação, tópicos relevantes na poesia de Antero.
- Formalmente o poema é um soneto, tipo de composição muito frequente e com grande importância na obra deste poeta.
- A construção rítmica que acompanha a expressão poética, no seu evoluir em crescendo ou decrescendo, obtida pelo pontuar da frase e sua construção, é também um traço marcante da poesia deste autor. (Ex. “Tanto estéril lutar, tantaagonia, / E inúteis tantos ásperos tormentos...”)
- Verifica-se, também, a presença de metáforas recorrentes nesta poesia, como a do sono e a da noite.
           
Exame Nacional do Ensino Secundário nº 138. Prova Escrita de Português A, 12º Ano 
(plano curricular correspondente ao Dec.-Lei nº 286/89, de 29 de Agosto)
Curso de Carácter Geral – Agrupamento 4. 1997, 1ª fase, 1ª chamada.
           
        
        
SUGESTÕES DE LEITURA
        
 AApresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária de textos de Antero de Quental, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, 2021 (3.ª edição) <https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/Lit-Acoriana/antero-de-quental>



[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/09/23/NOX.aspx]

sábado, 22 de setembro de 2012

ACORDANDO (Antero de Quental)

  
 estreia em televisão… “Anthero – O Palácio da Ventura”, dia 1 de Junho

           
        
ACORDANDO

Em sonho, às vezes, se o sonhar quebranta
Este meu vão sofrer, esta agonia,
Como sobe cantando a cotovia,
Para o céu a minh'alma sobe e canta.

Canta a luz, a alvorada, a estrela santa,
Que ao mundo traz piedosa mais um dia...
Canta o enlevo das coisas, a alegria
Que as penetra de amor e as alevanta...

Mas, de repente, um vento húmido e frio
Sopra sobre o meu sonho: um calafrio
Me acorda - A noite é negra e muda: a dor

Cá vela, como dantes, a meu lado...
Os meus cantos de luz, anjo adorado,
São sonho só, e sonho o meu amor!
         
Antero de Quental, Sonetos
       



           
TEXTO DE APOIO
          
No poema “Acordando”, de Antero de Quental, “é nítida a oposiçãoSonho/Realidade, que constitui precisamente o tema do poema.

Na verdade, estes dois aspetos estão perfeitamente delimitados no texto, estando o Sonho expresso nas quadras e a Realidade nos tercetos. Assim, poderemos distinguir dois momentos neste soneto:

- o primeiro, correspondente às duas primeiras estrofes, onde o poeta manifesta o desejo de se evadir da realidade, que lhe provoca sofrimento, através do sonho;

- o segundo, constituído pelos dois tercetos, iniciado pela conjunção coordenativa adversativa "Mas" que marca, precisamente, a oposição ao sonho do qual o sujeito poético desperta em consequência da ação do vento que o leva novamente para a realidade fria, desconfortável e desoladora.
          
Cecília Sucena e Dalila Chumbinho, Sebenta de Português: Antero de Quental – introdução ao estudo da obra,
Estoril, Edição da papelaria Bonanza, [Edição/reimpressão: 2006]
          
          


LINHAS DE LEITURA PARA UM COMENTÁRIO DE TEXTO
         
Elabore um comentário do poema “Acordando” de Antero de Quental, integrando o tratamento dos seguintes tópicos:

- tema;

- desenvolvimento do tema;

- campos semânticos opostos;

- caracterização do sujeito poético;

- recursos expressivos importantes;

- relação do texto com a evolução literária do autor.
           

            
COMENTÁRIO DE TEXTO (PROPOSTA DE RESOLUÇÃO)
   
O soneto apresentado para objeto de comentário é da autoria de Antero de Quental, poeta da segunda metade do século XIX, que teve uma ação preponderante em todos os movimentos culturais do seu País, nomeadamente na chamada Questão Coimbrã (1865) e nas célebres Conferências do Casino (1871). No primeiro caso, bateu-se pela renovação contra o imobilismo de Castilho e da geração que este representava, pela inovação contra a imitação sem originalidade, pela liberdade e isenção contra o compadrio e a dependência do poder estabelecido; no segundo acontecimento, lançou, com outras eminentes personalidades, os fundamentos programáticos da ação renovadora. É considerado unanimemente a "alma" da Geração de 70, constituída por um vasto leque de exímias personalidades, de nível sobretudo literário, empenhadas na transformação política, Europa como modelo a seguir. Educado tradicionalmente, místico por natureza, chegou a Coimbra e sofreu os efeitos de um meio totalmente diverso do familiar. Sentindo-se atraído por um mundo ideal, utópico, deixa-se influenciar pelo socia lismo de Proudhon e pelo idealismo de Hegel. A mediocridade da realidade contrasta com o mundo que traz gravado no seu coração e, por isso, sente-se sempre um inadaptado, vivendo um permanente conflito, oriundo dessa oposição.
       
A oposição entre o sonho e a realidade é precisamente o tema do soneto "Acordando", composto, como é de lei, por duas quadras e dois tercetos, com o esquema rimático abba, ccd, eed, de versos decassílabos interpolados (a a, d d) e emparelhados (bb, cc, ee). O sonho está expresso sobretudo nas quadras – primeiro momento -, através de vocabulário de carácter positivo: “o sonhar quebranta...”, "a cotovia", "Céu", "canta", "luz", "alvorada", "estrela", "dia", "enlevo", "alegria" e "amor". Sente-se a atração, a magia que este conjunto semântico de felicidade exerce sobre o sujeito poético. Com efeito, é através do sonho que o Poeta se eleva para o "Céu", para o ideal, aquele mundo perfeito que Platão soube expor em textos ainda sedutores e identificados com o desejo do "Bem Absoluto", aspiração que mora na alma de cada ser humano. Comparando-se a uma cotovia, é embalado pelo canto desta ave: a repetição do verbo "subir" e do verbo "cantar" acentua essa evasão para o paraíso do sonho. De realçar o gerúndio "cantando" a sugerir a permanência do canto/sonho, e ainda a expressividade da substância fónica dos versos 3 e 4 realizada, quer pelas leves aliterações /c/, /t/, /s/, quer pelo tom nasal, quer pela repetição da vogal /i/. Nesta quadra, encontra-se já claramente definida a oposição entre o sonho e a realidade. Há dois campos semânticos opostos: sofrer, agonia", cotovia, Céu. A rima explicita também esta oposição: quebranta/canta, agonia/cotovia. O entusiasmo, a magia do canto é muito mais evidente na segunda quadra. Na verdade, o verbo cantar, repetido anaforicamente, dá O tom a todo um discurso embalador, feito sobretudo da enumeração assindética de muitos elementos, todos eles apelando para um mundo pleno de alegria. A rima entre santa e alevanta, dia e alegria, o vocabulário positivo, luminoso, a pontuação suspensiva, a construção paralelística (vv. 5-6, 7-8) são aspetos bem sugestivos de que no mundo do sonho paira um mar de felicidade.

Todavia, nos versos 1 e 2, há um indício claro de que o sonho é passageiro e a realidade persiste: "às vezes, se o sonhar quebranta/Este meu vão sofrer, esta agonia". É essa realidade que se instala no primeiro terceto e no primeiro verso do segundo terceto - segundo momento do texto.

A adversativa "Mas" impõe uma oposição. Por isso, o discurso regressa à realidade, trazendo para o texto todo um vocabulário negativo: "vento húmido e frio", "um calafrio", "A noite é negra e muda", "a dor", recupera-se o vocabulário dos versos 1 e 2 da primeira quadra, numa circularidade simbólica, a sugerir o eterno retorno à realidade cruel.

Personificando o vento, caracterizado pelo duplo adjetivo "húmido" e "frio", faz dele o elemento destruidor do mundo onírico: "Sopra sobre o meu sonho", que acorda, em calafrio, o Poeta. Repare-se no travessão como divisória, afastando o sonho e impondo a crueldade da realidade: "A noite é negra e muda". As palavras de sentido negativo, a aliteração do som nasal [ n ] e [m], a dupla adjetivação, tudo se agrupa num campo semântico para criar a relação antitética entre dia noite, sonho realidade. Em consequência, nova realidade antitética se gera: a alegria e a dor. Já não há canto, já não há aves, já não há luz, já não 'há amor; só a dor aparece vigilante. O encavalgamento estrófico é elucidativo do estado de tristeza que avassala a realidade. O verbo "velar", do campo semântico da vigilância, que não pode permitir evasões, impõe a dor, personificada, feita companheira inseparável do sujeito poético. Compreende-se a expressividade do título "Acordando", um gerúndio, a sugerir a dificuldade do abandono do sonho e da entrada na realidade.

Em sinal de honestidade, o sujeito poético não deixa de, num terceiro momento, se dirigir em apóstrofe ao seu destinatário "anjo adorado", lembrando-lhe que os seus cantos – os seus poemas - são "sonho só" e nada mais. Ele sonha o "seu amor". Nova circularidade a ressaltar que a passagem do mundo real ao mundo irreal se faz "às vezes", mas a realidade acaba sempre por se impor.

Poema belo, simples e dramático. Vocabulário fácil e expressivo, realidade dramática: o "eu" não consegue libertar-se do mundo real, que o oprime.
              
Quem não vê aqui a trajetória da evolução literária de Antero? Poeta combativo, luminoso, otimista, paladino de um mundo orientado pela Razão, Justiça, Verdade, Amor, Liberdade, procurando "O palácio encantado da Ventura", tentando realizar o que afirmara em 'Odes Modernas': "A Poesia moderna é a voz da Revolução"; poeta abatido, desalentado, destruído, pessimista, apelando ao Nada, ao Nirvana, ao Não-Ser, onde possa descansar do seu inútil combate. Ele é verdadeiramente o cavaleiro andante que, no "Palácio encantado da Ventura", encontrou "silêncio e nada mais". Ficou, todavia, a sua obra como manifestação imorredoura do drama que acompanhará sempre a humanidade dividida entre o sonho e a realidade.
     
João Guerra e José Vieira, Aula Viva – Português A. 12º Ano, 1º vol. Porto Editora, 1999
             
             

QUESTIONÁRIO INTERPRETATIVO
             
1. Neste soneto de Antero é nítida a oposição sonho/realidade.

1.1. Faça a delimitação textual da presença desses dois aspetos.

1.2. Indique os elementos que o poeta faz corresponder a cada um dos polos
da oposição.

1.2.1. Explique as razões da sua utilização tendo em conta o modo como alguns deles são caracterizados.

1.3. Nos dois últimos versos do segundo terceto, o poeta faz uma constatação.

1.3.1. Refira-se a ela, evidenciando o seu contributo para a compreensão global do texto.

1.4. Atente no título do poema.

1.4.1. Comente a utilização do gerúndio Acordando.

2. Na poesia anteriana, o plano do real é sempre confrontado com o plano do ideal.

2.1. Reporte-se a uma das fases da sua produção poética e, não ultrapassando as 8 linhas, demonstre a veracidade da afirmação.
      
Exame Nacional do Ensino Secundário nº 139. Prova Escrita de Português B, 12º Ano (plano curricular correspondente ao Dec.-Lei nº 286/89, de 29 de Agosto). 1996, 1ª fase, 1ª chamada.
             
        
        
SUGESTÕES DE LEITURA
        
 AApresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária de textos de Antero de Quental, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, 2021 (3.ª edição) <https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/Lit-Acoriana/antero-de-quental>


[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/09/22/acordando.aspx]

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A UM POETA (Antero de Quental)


  



        
A UM POETA
     
Surge et ambula!
    

Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,

Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...

Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! São canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate.
          
Antero de Quental, Sonetos
      



TEXTO DE APOIO
        
Neste soneto, o termo "Poeta" poderá remeter para a figura de um idealista, possivelmente em consonância com o espírito da época. A referência ao espírito do mundo romântico, lúgubre e sombrio, percebe-se quando, personificando o sol, usa a metáfora em "Afugentou as larvas tumulares" (v. 6) e "Um mundo novo espera só um aceno" (v. 8). Mas o que interessa, sobretudo, é perceber que o sujeito lírico faz um apelo a todo aquele que é capaz de sonhar, mas vive alheado e num estado de inércia quando é necessária a luta revolucionária ao lado de um povo que sofre e que busca a liberdade.

Na primeira quadra (que constitui uma tese argumentativa) encontramos a estagnação, a passividade e o alheamento do poeta em relação à realidade social e política do mundo, "Longe da luta e do fragor terreno" (v. 4); na segunda quadra e no primeiro terceto (antítese, com a explanação e confirmação da tese), surge o apelo à consciencialização do poeta para a necessidade de mudar de atitude pois está em causa um povo que precisa da solidariedade, "Escuta! é a grande voz das multidões! I São teus irmãos" vv. 9, 10); no último terceto (síntese conclusiva), irrompe o apelo para a ação - "Ergue-te" (v. 12) - destacando a importância da poesia como arma de combate, como voz da revolução, apelidando o Poeta de "soldado do Futuro" (v. 12) e "Sonhador" (v. 14).

Em todo o soneto se encontra um apelo para a necessidade de agir e que está bem expressa na gradação verbal: "Tu, que dormes", "Acorda!", “Escuta!”, "Ergue-te", "Faze". Este poema mostra bem a sua aposta na poesia como "voz da revolução".
        
Antero de Quental foi um verdadeiro apóstolo social, solidário e defensor da justiça, da fraternidade e da liberdade. Mas as preocupações nunca o deixaram desde que entrou nos meios universitários de Coimbra e se tornou líder da Geração de 70 que, em Lisboa, continuou a sua luta. É o próprio que, numa carta autobiográfica, de 14 de Maio de 1887, dirigida a Wilhelm Storck, afirma que:
        
"O facto importante da minha vida, durante aqueles anos, e provavelmente o mais decisivo dela, foi a espécie de revolução intelectual e moral que em mim se deu ao sair, pobre criança arrancada do viver quase patriarcal de uma província remota e imersa no seu plácido sono histórico, para o meio da irrespeitosa agitação intelectual de um centro, onde, mais ou menos vinham repercutir-se as encontradas correntes do espírito moderno. Varrida num instante toda a minha educação católica e tradicional, caí num estado de dúvida e incerteza, tanto mais pungentes quanto, espírito naturalmente religioso, tinha nascido para crer placidamente e obedecer sem esforço a uma regra reconhecida. Achei-me sem direção, estado terrível de espírito, partilhado mais ou menos por quase todos os da minha geração, a primeira em Portugal que saiu decididamente e conscientemente da velha estrada da tradição.”
        
Português A e B: acesso ao ensino superior 2000, Vasco Moreira,
Hilário Pimenta. Porto, Porto Editora, 2000.
(Coleção: Acesso ao ensino superior: preparação para a prova de exame nacional - 12º ano)
        
        


TESTE DE ESCOLHA MÚLTIPLA
        


Das hipóteses apresentadas (A, B, C e D), assinala a correta.

1 - 
O que designa a expressão Geração de 70?
A) Uma geração de políticos célebres.
B) Uma família de nobres ilustres.
C) Um grupo de intelectuais.
D) Um movimento artístico.

2 - 
Que causa defendia essa geração?
A) Os valores nacionais.
B) O regresso ao passado.
C) A apologia dos ideais monárquicos.
D) A ligação de Portugal à Europa.

3 - 
Qual destes filósofos influenciou decisivamente esta geração?
A) Descartes.
B) Proudhon.
C) Platão.
D) Rousseau.

4 - 
Que adjetivo poderá caracterizar a atitude intelectual dessa geração?
A) Provinciana.
B) Cosmopolita.
C) Saudosista.
D) Materialista.

5 - 
Questão Coimbrã colocou frente a frente quem?
A) Antero de Quental/Eça de Queirós.
B) Eça de Queirós/Ramalho Ortigão.
C) Feliciano de Castilho/Antero de Quental.
D) Feliciano de Castilho/Camilo Castelo Branco.

6 - 
questão entre os dois opositores pode resumir-se a um entendimento divergente relativo a quê?
A) À função da literatura.
B) Ao valor da filosofia.
C) Às responsabilidades dos políticos.
D) À função docente.

7 - 
Quem idealizou as Conferências do Casino?
A) Eça de Queirós.
B) Teófilo Braga.
C) Antero de Quental.
D) Adolfo Coelho.

8 - 
Do programa dessas conferências sobressaía que propósito?
A) Estudar os valores nacionais.
B) Recuperar as tradições perdidas.
C) Reabilitar a literatura romântica.
D) Ligar Portugal ao movimento moderno.

9 - 
As Conferências do Casino tiveram uma vida efémera. Porquê?
A) Porque Antero de Quental se desinteressou.
B) Porque o Governo proibiu a sua realização.
C) Porque os conferencistas convidados não apresentaram os temas.
D) Porque o público não correspondeu às expectativas dos organizadores.

10 - 
Em que fase da evolução poética de Antero situa o soneto transcrito?
A) Do apostolado social.
B) Da crise amorosa.
C) Do pessimismo.
D) Da superação mística.

11 - 
O que marca, na 1.ª quadra, a presença do recetor?
A) A comparação.
B) O aposto.
C) A presença da 2.ª pessoa gramatical.
D) O pronome relativo que.

12 - 
Na 1.ª quadra, como é caracterizado o recetor?
A) Pessimista.
B) Incoerente.
C) Indiferente.
D) Empenhado.

13 - 
Que função sintática exerce o sintagma espírito sereno?
A) Sujeito.
B) Aposto.
C) Complemento direto.
D) Vocativo.

14 - 
Qual é o significado da palavra levita?
A) Crente.
B) Pregador.
C) Sacerdote.
D) Ateu.

15 - 
Em que modo se encontram as formas verbais que iniciam as três estrofes seguintes?
A) Conjuntivo.
B) Indicativo.
C) Condicional.
D) Imperativo.

16 - 
Através dessas formas verbais, que atitude manifesta o sujeito lírico?
A) Revolta.
B) Indiferença.
C) Sensatez.
D) Empenhamento.

17 - 
"O sol já alto...tumulares". Com esta imagem, o que é que o poeta pretende significar?
A) O passado será reabilitado.
B) A força do conhecimento venceu.
C) A morte será vencida.
D) O sol brilhará para todos.

18 - 
Quem serão os irmãos que o poeta refere?
A) Os poetas contemporâneos.
B) Os poetas românticos.
C) O povo.
D) Os intelectuais.

19 - 
Qual destas frases traduz o conceito de poesia defendido pelo sujeito poético?
A) A poesia deve expressar apenas sentimentos individuais.
B) A poesia deve estar ao serviço das grandes causas humanitárias.
C) A poesia vive apenas pela forma.
D) A poesia tem uma função essencialmente moralista.

20 - 
Qual o sentido da metáfora soldado do futuro?
A) Poeta empenhado.
B) Poeta alienado.
C) Poeta sentimental.
D) Poeta satírico.
        

CHAVE DE CORREÇÃO
        
1C ‑ 2D – 3B – 4B – 5C – 6A – 7C – 8D – 9B – 10A – 11C – 12C – 13B – 14C – 15D – 16D – 17B – 18C – 19B – 20A
        
Disponível em http://www.profareal.pt/testes/doc.asp?tema_id=762, consultado em 2006-05-10
        



        
LINHAS DE LEITURA PARA UM COMENTÁRIO DE TEXTO
        
Redija o comentário global do texto transcrito, desenvolvendo, com clareza e correção, os seguintes tópicos:

- tema/assunto e seu desenvolvimento

- inserção da frase bíblica "Surge et ambula" (Ergue-te e caminha) no frontispício do poema

- relação sujeito poético/destinatário

- aspetos estilísticos relevantes

- enquadramento na época da sua produção
        
        

CRITÉRIOS SUGESTÕES DE CORREÇÃO
        
Na produção e correção do comentário de texto deverão ser tidos em conta os seguintes objetivos:
- Reconhecer elementos estruturadores do poema
- Deduzir sentidos implícitos
- Contextualizar um autor obra / movimento cultural
- Estabelecer relações
- Documentar afirmações
- Avaliar a intencionalidade
- Redigir com clareza e correção

        
Considerem-se as seguintes sugestões:
        
• Apelo do poeta (eu) a outro poeta (tu).
        
• Constatação da passividade do tu ("que dormes") e urgência da luta-atitude ativa ("faze espada de combate").
        
• Distinção de dois tempos / espaços. O 1º corresponde à 1ª quadra: estático, obscuro e bem definido; o 2º corresponde à 2ª quadra e tercetos: a mudança e a perspetiva futura.
        
• Incitamento à luta pela construção do mundo novo através de uma frase bíblica que remete para o Cristianismo (Cristo Lázaro) - tempo da Revolução primeira do mundo Antigo. Deslocação do significado da frase para um aqui e agora - atualização da força e veemência do apelo-mágico.
        
• Relação baseada no apelo do sujeito poético ao destinatário de forma a fazê-lo sair do marasmo a que se votou
- importância do título/dedicatória.
        
• Recursos que realçam a urgência de uma nova atitude:
- vocativos
- imperativos
- frases exclamativas e reticentes
- gradação verbal
        
• Soneto pertencente à fase mais combativa de Antero, reflete sobre a condição humana, sobretudo no papel do poeta enquanto força vital das mudanças operadas nas consciências e na sociedade
- Antero e a Geração de 70
- A Geração de 70 e o seu posicionamento anti-Romantismo.
        
Prova de Aferição de Português A. 12ºano de escolaridade
(plano curricular correspondente ao Dec.-Lei nº 286/89, de 29 de Agosto). Ponto 708, 1995, época normal.
        
        
      
COMENTÁRIO DE TEXTO
   
            
Antero de Quental, autor das Odes Modernas, é quem desencadeia as irritações e tempestades do meio literário português do seu tempo, conhecidas por "Questão Coimbrã". Com efeito, Antero, ainda estudante de Coimbra, rebela-se contra a poesia oficial de Castilho e seus protegidos, e proclama a independência e combatividade dos poetas. Este acto de rebeldia surge como consequência, não só do seu temperamento e desejo de justiça, mas duma forte reacção ao Romantismo que, entre nós, degenerara num Ultra-romantismo vazio e convencional.
Este soneto, publicado na 3ª parte dos Sonetos Completos, traduz o carácter combativo e revolucionário que o poeta deveria assumir, o que já havia dado origem às Odes Modernas, onde Antero, numa nota da 1ª edição, afirma : "a Poesia moderna é a voz da Revolução".
A estrutura deste soneto é contínua, formada por duas partes sintáctica e semanticamente complementares: na 1ª estrofe, descreve-se a atitude do poeta perante o mundo; nas estrofes seguintes, essa descrição desaparece para dar lugar a uma série de apelos dirigidos ao Tu do início do poema.
Esta estrutura é progressiva, já que estes apelos, dados pelos imperativos, estão organizados de forma crescente de intensidade, redobrando-se na última estrofe.
O poema começa com o pronome tu apontando-nos de imediato para uma situação de comunicação directa, própria do estilo coloquial.
A oração relativa restritiva e a sinédoque que se lhe seguem desfazem a indefinição referida no título. Temos, então, não um poeta qualquer, mas aquele que dorme, isto é, aquele que é só espírito porque está morto há muito ("à sombra dos cedros seculares"). E está morto porque alheio, arredado da vida ("longe da luta e do fragor terreno"). O particípio passado "posto" e o adjectivo "sereno" sublinham esta passividade e alheamento.
A comparação entre o poeta e um sacerdote desvenda-nos a metáfora do 2º verso: o sacerdote "à sombra dos altares" dá lugar a um ritual, sempre o mesmo, de todos já sabido; o poeta, "à sombra dos cedros seculares", oficia o ritual de uma mesma poesia: velha, por todos já conhecida.
As aliterações em /s/ dos dois primeiros versos e em /l/ dos dois últimos delimitam os dois termos da comparação.
A rima interpolada entre dois adjectivos que, pelo contexto semântico se opõem, e o quiasmo existente entre os dois últimos termos dos 1º e 4º versos, realçam e ampliam o divórcio entre o poeta de que se fala e a vida real.
A rima emparelhada sublinha a igualdade de posições entre o poeta e o sacerdote, dada pela comparação entre as duas metáforas em que a repetição do complemento de lugar "à sombra" expressa uma atitude de refúgio na passividade do ritual.
A 2º parte é iniciada pelo imperativo "Acorda!" que é, por um lado, a articulação sintáctica com a 1º estrofe e, por outro, o começo de um estilo mais emotivo e apelativo que caracteriza o resto do poema. Segue-se-lhe uma justificação ("é tempo!") que, por sua vez, é também explicada: o sol, pela sua posição no céu, indica o momento do dia em que as sombras desaparecem e tudo se torna mais nítido e brilhante.
O advérbio de tempo "já" reforça e actualiza este momento em que já não há condições para que as larvas tumulares sobrevivam porque são o produto da decomposição dos corpos mortos e, portanto, imagem da poesia velha, caduca, criada por aquele poeta.
No verso 7, o termo "seio" revela-nos, no seu sentido etimológico, a profundidade dos mares que o deítico "esses" indica serem a luta e o fragor terrenos.
Para que dessa profundeza nasça um mundo novo, o poeta terá apenas que dar o seu "aceno", o seu sinal que será uma poesia nova, diferente.
O 1º terceto funciona como nexo do último verso da 1ª parte. É um novo apelo ao poeta que, depois de ter acordado, deve ouvir com atenção ("Escuta!") o que as multidões em uníssono clamam ("a grande voz").
No 2º verso desta estrofe, definem-se os nomes presentes no verso anterior: as multidões são irmãos do poeta; a voz são canções.
No verso seguinte, a adversativa mas explicita qualquer ideia que possa ter surgido com as reticências: as canções são de alerta e de guerra, isto é, de revolução.
Na última estrofe, temos a conclusão, desaparecendo, por isso, todas as reticências.
Depois de ter acordado por ser pleno dia e de ter escutado o clamor das multidões, o poeta deve erguer-se, tal como os seus irmãos, transformado já em "soldado do Futuro". Soldado, porque integrado nas multidões que se preparam para a revolução; do Futuro, porque se opõe ao poeta do presente que dorme, longe desta luta que deflagra com canções de uma nova poesia.
O termo Futuro surge como símbolo do mundo novo. O poeta ("sonhador") terá como missão o combate, feito de sonho e desinteresse ("sonho puro"), através da sua poesia ("espada") que será a porta-voz, a luz da revolução anunciada.
Temos, portanto, um poema de empenho social e de cariz revolucionário.
Antero de Quental assume-se como o profeta, tal como o da Bíblia que diz "Surge et ambula!", que anuncia um mundo novo, do qual o poeta deve ser o arauto e aquele que indica o caminho a seguir pelas multidões.
                 
Maria José Santoshttp://almanaque.extar.net/autores/mjs.html, Fevereiro de 2004
              
            
        
        
SUGESTÕES DE LEITURA
        
 Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária de textos de Antero de Quental, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, 2021 (3.ª edição) <https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/Lit-Acoriana/antero-de-quental>


[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/09/21/a.um.poeta.aspx]