A UM POETA
Surge et ambula!
Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,
Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...
Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! São canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!
Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate.
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,
Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...
Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! São canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!
Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate.
Antero de Quental, Sonetos
TEXTO DE APOIO
Neste soneto, o termo "Poeta" poderá remeter para a figura de um idealista, possivelmente em consonância com o espírito da época. A referência ao espírito do mundo romântico, lúgubre e sombrio, percebe-se quando, personificando o sol, usa a metáfora em "Afugentou as larvas tumulares" (v. 6) e "Um mundo novo espera só um aceno" (v. 8). Mas o que interessa, sobretudo, é perceber que o sujeito lírico faz um apelo a todo aquele que é capaz de sonhar, mas vive alheado e num estado de inércia quando é necessária a luta revolucionária ao lado de um povo que sofre e que busca a liberdade.
Na primeira quadra (que constitui uma tese argumentativa) encontramos a estagnação, a passividade e o alheamento do poeta em relação à realidade social e política do mundo, "Longe da luta e do fragor terreno" (v. 4); na segunda quadra e no primeiro terceto (antítese, com a explanação e confirmação da tese), surge o apelo à consciencialização do poeta para a necessidade de mudar de atitude pois está em causa um povo que precisa da solidariedade, "Escuta! é a grande voz das multidões! I São teus irmãos" vv. 9, 10); no último terceto (síntese conclusiva), irrompe o apelo para a ação - "Ergue-te" (v. 12) - destacando a importância da poesia como arma de combate, como voz da revolução, apelidando o Poeta de "soldado do Futuro" (v. 12) e "Sonhador" (v. 14).
Em todo o soneto se encontra um apelo para a necessidade de agir e que está bem expressa na gradação verbal: "Tu, que dormes", "Acorda!", “Escuta!”, "Ergue-te", "Faze". Este poema mostra bem a sua aposta na poesia como "voz da revolução".
Antero de Quental foi um verdadeiro apóstolo social, solidário e defensor da justiça, da fraternidade e da liberdade. Mas as preocupações nunca o deixaram desde que entrou nos meios universitários de Coimbra e se tornou líder da Geração de 70 que, em Lisboa, continuou a sua luta. É o próprio que, numa carta autobiográfica, de 14 de Maio de 1887, dirigida a Wilhelm Storck, afirma que:
"O facto importante da minha vida, durante aqueles anos, e provavelmente o mais decisivo dela, foi a espécie de revolução intelectual e moral que em mim se deu ao sair, pobre criança arrancada do viver quase patriarcal de uma província remota e imersa no seu plácido sono histórico, para o meio da irrespeitosa agitação intelectual de um centro, onde, mais ou menos vinham repercutir-se as encontradas correntes do espírito moderno. Varrida num instante toda a minha educação católica e tradicional, caí num estado de dúvida e incerteza, tanto mais pungentes quanto, espírito naturalmente religioso, tinha nascido para crer placidamente e obedecer sem esforço a uma regra reconhecida. Achei-me sem direção, estado terrível de espírito, partilhado mais ou menos por quase todos os da minha geração, a primeira em Portugal que saiu decididamente e conscientemente da velha estrada da tradição.”
Português A e B: acesso ao ensino superior 2000, Vasco Moreira,
Hilário Pimenta. Porto, Porto Editora, 2000.
(Coleção: Acesso ao ensino superior: preparação para a prova de exame nacional - 12º ano)
Hilário Pimenta. Porto, Porto Editora, 2000.
(Coleção: Acesso ao ensino superior: preparação para a prova de exame nacional - 12º ano)
TESTE DE ESCOLHA MÚLTIPLA
Das hipóteses apresentadas (A, B, C e D), assinala a correta.
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1 -
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O que designa a expressão Geração de 70?
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A) Uma geração de políticos célebres.
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B) Uma família de nobres ilustres.
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C) Um grupo de intelectuais.
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D) Um movimento artístico.
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2 -
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Que causa defendia essa geração?
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A) Os valores nacionais.
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B) O regresso ao passado.
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C) A apologia dos ideais monárquicos.
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D) A ligação de Portugal à Europa.
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3 -
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Qual destes filósofos influenciou decisivamente esta geração?
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A) Descartes.
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B) Proudhon.
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C) Platão.
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D) Rousseau.
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4 -
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Que adjetivo poderá caracterizar a atitude intelectual dessa geração?
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A) Provinciana.
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B) Cosmopolita.
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C) Saudosista.
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D) Materialista.
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5 -
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A Questão Coimbrã colocou frente a frente quem?
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A) Antero de Quental/Eça de Queirós.
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B) Eça de Queirós/Ramalho Ortigão.
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C) Feliciano de Castilho/Antero de Quental.
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D) Feliciano de Castilho/Camilo Castelo Branco.
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6 -
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A questão entre os dois opositores pode resumir-se a um entendimento divergente relativo a quê?
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A) À função da literatura.
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B) Ao valor da filosofia.
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C) Às responsabilidades dos políticos.
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D) À função docente.
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7 -
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Quem idealizou as Conferências do Casino?
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A) Eça de Queirós.
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B) Teófilo Braga.
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C) Antero de Quental.
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D) Adolfo Coelho.
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8 -
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Do programa dessas conferências sobressaía que propósito?
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A) Estudar os valores nacionais.
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B) Recuperar as tradições perdidas.
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C) Reabilitar a literatura romântica.
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D) Ligar Portugal ao movimento moderno.
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9 -
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As Conferências do Casino tiveram uma vida efémera. Porquê?
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A) Porque Antero de Quental se desinteressou.
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B) Porque o Governo proibiu a sua realização.
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C) Porque os conferencistas convidados não apresentaram os temas.
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D) Porque o público não correspondeu às expectativas dos organizadores.
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10 -
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Em que fase da evolução poética de Antero situa o soneto transcrito?
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A) Do apostolado social.
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B) Da crise amorosa.
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C) Do pessimismo.
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D) Da superação mística.
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11 -
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O que marca, na 1.ª quadra, a presença do recetor?
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A) A comparação.
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B) O aposto.
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C) A presença da 2.ª pessoa gramatical.
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D) O pronome relativo que.
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12 -
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Na 1.ª quadra, como é caracterizado o recetor?
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A) Pessimista.
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B) Incoerente.
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C) Indiferente.
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D) Empenhado.
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13 -
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Que função sintática exerce o sintagma espírito sereno?
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A) Sujeito.
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B) Aposto.
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C) Complemento direto.
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D) Vocativo.
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14 -
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Qual é o significado da palavra levita?
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A) Crente.
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B) Pregador.
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C) Sacerdote.
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D) Ateu.
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15 -
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Em que modo se encontram as formas verbais que iniciam as três estrofes seguintes?
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A) Conjuntivo.
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B) Indicativo.
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C) Condicional.
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D) Imperativo.
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16 -
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Através dessas formas verbais, que atitude manifesta o sujeito lírico?
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A) Revolta.
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B) Indiferença.
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C) Sensatez.
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D) Empenhamento.
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17 -
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"O sol já alto...tumulares". Com esta imagem, o que é que o poeta pretende significar?
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A) O passado será reabilitado.
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B) A força do conhecimento venceu.
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C) A morte será vencida.
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D) O sol brilhará para todos.
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18 -
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Quem serão os irmãos que o poeta refere?
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A) Os poetas contemporâneos.
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B) Os poetas românticos.
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C) O povo.
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D) Os intelectuais.
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19 -
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Qual destas frases traduz o conceito de poesia defendido pelo sujeito poético?
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A) A poesia deve expressar apenas sentimentos individuais.
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B) A poesia deve estar ao serviço das grandes causas humanitárias.
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C) A poesia vive apenas pela forma.
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D) A poesia tem uma função essencialmente moralista.
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20 -
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Qual o sentido da metáfora soldado do futuro?
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A) Poeta empenhado.
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B) Poeta alienado.
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C) Poeta sentimental.
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D) Poeta satírico.
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CHAVE DE CORREÇÃO
1C ‑ 2D – 3B – 4B – 5C – 6A – 7C – 8D – 9B – 10A – 11C – 12C – 13B – 14C – 15D – 16D – 17B – 18C – 19B – 20A
Disponível em http://www.profareal.pt/testes/doc.asp?tema_id=762, consultado em 2006-05-10
LINHAS DE LEITURA PARA UM COMENTÁRIO DE TEXTO
Redija o comentário global do texto transcrito, desenvolvendo, com clareza e correção, os seguintes tópicos:
- tema/assunto e seu desenvolvimento
- inserção da frase bíblica "Surge et ambula" (Ergue-te e caminha) no frontispício do poema
- relação sujeito poético/destinatário
- aspetos estilísticos relevantes
- enquadramento na época da sua produção
CRITÉRIOS I SUGESTÕES DE CORREÇÃO
Na produção e correção do comentário de texto deverão ser tidos em conta os seguintes objetivos:
- Reconhecer elementos estruturadores do poema
- Deduzir sentidos implícitos
- Contextualizar um autor I obra / movimento cultural
- Estabelecer relações
- Documentar afirmações
- Avaliar a intencionalidade
- Redigir com clareza e correção
Considerem-se as seguintes sugestões:
• Apelo do poeta (eu) a outro poeta (tu).
• Constatação da passividade do tu ("que dormes") e urgência da luta-atitude ativa ("faze espada de combate").
• Distinção de dois tempos / espaços. O 1º corresponde à 1ª quadra: estático, obscuro e bem definido; o 2º corresponde à 2ª quadra e tercetos: a mudança e a perspetiva futura.
• Incitamento à luta pela construção do mundo novo através de uma frase bíblica que remete para o Cristianismo (Cristo I Lázaro) - tempo da Revolução primeira do mundo Antigo. Deslocação do significado da frase para um aqui e agora - atualização da força e veemência do apelo-mágico.
• Relação baseada no apelo do sujeito poético ao destinatário de forma a fazê-lo sair do marasmo a que se votou
- importância do título/dedicatória.
• Recursos que realçam a urgência de uma nova atitude:
- vocativos
- imperativos
- frases exclamativas e reticentes
- gradação verbal
• Soneto pertencente à fase mais combativa de Antero, reflete sobre a condição humana, sobretudo no papel do poeta enquanto força vital das mudanças operadas nas consciências e na sociedade
- Antero e a Geração de 70
- A Geração de 70 e o seu posicionamento anti-Romantismo.
Prova de Aferição de Português A. 12ºano de escolaridade
(plano curricular correspondente ao Dec.-Lei nº 286/89, de 29 de Agosto). Ponto 708, 1995, época normal.
(plano curricular correspondente ao Dec.-Lei nº 286/89, de 29 de Agosto). Ponto 708, 1995, época normal.
COMENTÁRIO DE TEXTO
Antero de Quental, autor das Odes Modernas, é quem desencadeia as irritações e tempestades do meio literário português do seu tempo, conhecidas por "Questão Coimbrã". Com efeito, Antero, ainda estudante de Coimbra, rebela-se contra a poesia oficial de Castilho e seus protegidos, e proclama a independência e combatividade dos poetas. Este acto de rebeldia surge como consequência, não só do seu temperamento e desejo de justiça, mas duma forte reacção ao Romantismo que, entre nós, degenerara num Ultra-romantismo vazio e convencional.
Este soneto, publicado na 3ª parte dos Sonetos Completos, traduz o carácter combativo e revolucionário que o poeta deveria assumir, o que já havia dado origem às Odes Modernas, onde Antero, numa nota da 1ª edição, afirma : "a Poesia moderna é a voz da Revolução".
A estrutura deste soneto é contínua, formada por duas partes sintáctica e semanticamente complementares: na 1ª estrofe, descreve-se a atitude do poeta perante o mundo; nas estrofes seguintes, essa descrição desaparece para dar lugar a uma série de apelos dirigidos ao Tu do início do poema.
Esta estrutura é progressiva, já que estes apelos, dados pelos imperativos, estão organizados de forma crescente de intensidade, redobrando-se na última estrofe.
O poema começa com o pronome tu apontando-nos de imediato para uma situação de comunicação directa, própria do estilo coloquial.
A oração relativa restritiva e a sinédoque que se lhe seguem desfazem a indefinição referida no título. Temos, então, não um poeta qualquer, mas aquele que dorme, isto é, aquele que é só espírito porque está morto há muito ("à sombra dos cedros seculares"). E está morto porque alheio, arredado da vida ("longe da luta e do fragor terreno"). O particípio passado "posto" e o adjectivo "sereno" sublinham esta passividade e alheamento.
A comparação entre o poeta e um sacerdote desvenda-nos a metáfora do 2º verso: o sacerdote "à sombra dos altares" dá lugar a um ritual, sempre o mesmo, de todos já sabido; o poeta, "à sombra dos cedros seculares", oficia o ritual de uma mesma poesia: velha, por todos já conhecida.
As aliterações em /s/ dos dois primeiros versos e em /l/ dos dois últimos delimitam os dois termos da comparação.
A rima interpolada entre dois adjectivos que, pelo contexto semântico se opõem, e o quiasmo existente entre os dois últimos termos dos 1º e 4º versos, realçam e ampliam o divórcio entre o poeta de que se fala e a vida real.
A rima emparelhada sublinha a igualdade de posições entre o poeta e o sacerdote, dada pela comparação entre as duas metáforas em que a repetição do complemento de lugar "à sombra" expressa uma atitude de refúgio na passividade do ritual.
A 2º parte é iniciada pelo imperativo "Acorda!" que é, por um lado, a articulação sintáctica com a 1º estrofe e, por outro, o começo de um estilo mais emotivo e apelativo que caracteriza o resto do poema. Segue-se-lhe uma justificação ("é tempo!") que, por sua vez, é também explicada: o sol, pela sua posição no céu, indica o momento do dia em que as sombras desaparecem e tudo se torna mais nítido e brilhante.
O advérbio de tempo "já" reforça e actualiza este momento em que já não há condições para que as larvas tumulares sobrevivam porque são o produto da decomposição dos corpos mortos e, portanto, imagem da poesia velha, caduca, criada por aquele poeta.
No verso 7, o termo "seio" revela-nos, no seu sentido etimológico, a profundidade dos mares que o deítico "esses" indica serem a luta e o fragor terrenos.
Para que dessa profundeza nasça um mundo novo, o poeta terá apenas que dar o seu "aceno", o seu sinal que será uma poesia nova, diferente.
O 1º terceto funciona como nexo do último verso da 1ª parte. É um novo apelo ao poeta que, depois de ter acordado, deve ouvir com atenção ("Escuta!") o que as multidões em uníssono clamam ("a grande voz").
No 2º verso desta estrofe, definem-se os nomes presentes no verso anterior: as multidões são irmãos do poeta; a voz são canções.
No verso seguinte, a adversativa mas explicita qualquer ideia que possa ter surgido com as reticências: as canções são de alerta e de guerra, isto é, de revolução.
Na última estrofe, temos a conclusão, desaparecendo, por isso, todas as reticências.
Depois de ter acordado por ser pleno dia e de ter escutado o clamor das multidões, o poeta deve erguer-se, tal como os seus irmãos, transformado já em "soldado do Futuro". Soldado, porque integrado nas multidões que se preparam para a revolução; do Futuro, porque se opõe ao poeta do presente que dorme, longe desta luta que deflagra com canções de uma nova poesia.
O termo Futuro surge como símbolo do mundo novo. O poeta ("sonhador") terá como missão o combate, feito de sonho e desinteresse ("sonho puro"), através da sua poesia ("espada") que será a porta-voz, a luz da revolução anunciada.
Temos, portanto, um poema de empenho social e de cariz revolucionário.
Antero de Quental assume-se como o profeta, tal como o da Bíblia que diz "Surge et ambula!", que anuncia um mundo novo, do qual o poeta deve ser o arauto e aquele que indica o caminho a seguir pelas multidões.
Maria José Santos, http://almanaque.extar.net/autores/mjs.html, Fevereiro de 2004
SUGESTÕES DE LEITURA
► Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para
análise literária de textos de Antero de Quental, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, 2021 (3.ª edição) <https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/Lit-Acoriana/antero-de-quental>
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