terça-feira, 9 de setembro de 2014

MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VONTADES


           
            
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, 
Muda-se o ser, muda-se a confiança; 
Todo o mundo é composto de mudança, 
Tomando sempre novas qualidades.
Refrão
E se todo o mundo é composto de mudança 
Troquemos-lhe as voltas que o dia é uma criança!
Continuamente vemos novidades, 
Diferentes em tudo da esperança; 
Do mal ficam as mágoas na lembrança, 
E do bem, se algum houve, as saudades. 

O tempo cobre o chão de verde manto, 
Que já coberto foi de neve fria, 
E em mim converte em choro o doce canto. 

E, afora este mudar-se cada dia, 
Outra mudança faz de mor espanto: 
Que não se muda já como soía.
Refrão
E se todo o mundo é composto de mudança 
Troquemos-lhe as voltas que o dia é uma criança!
         
Soneto de Luís de Camões adaptado pelo cantor José Mário Branco em 1971.
              
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Notas:
v. 16: soía – costumava.

José Mário Branco para além de compor musicalmente “Mudam-se os Tempos Mudam-se as Vontades”, acrescentou-lhe um refrão, o que provocou uma alteração substancial na sua interpretação. Como iremos constatar, o cantautor utilizou esta composição clássica de Luís de Camões para, de uma forma subtil, apelar às pessoas, uma vez mais, à necessidade da mudança do regime político então vigente.


             
Questionário
               
Após uma leitura atenta do texto responde às seguintes questões:
1. Qual é o tema da composição? Justifica.
2. Divide ideologicamente o poema em partes.
3. A composição revela em toda a sua extensão um paralelismo. Explicita-o.
4. O que constata o poeta no último terceto? Avalia a sua importância no contexto do poema.
5. Qual é o estado de espírito predominante do poeta? Comprova com duas expressões do texto.
6. Interpreta a introdução do refrão na canção de José Mário Branco, tendo em conta a análise que efetuaste do soneto de Camões.
              
José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010.
             
                  
Textos de apoio
            
A Simbiose Sinestésica Intertextual da Poesia Musicada em Sala de Aula:“Mudam-se os tempos mudam-se as vontades” (Luís de Camões com adaptação de letra e música José Mário Branco)
                
Ritmo – Binário, com a noção de marcha em aumento de intensidade expresso pela viola
Melodia ‑ Em crescendo nas quadras até ao refrão em coro. Apresenta-se mais rica na parte das quadras com uma ligeira variação no refrão. Este, contudo, é mais marcante para o ouvido pois é facilmente memorizado. A intervenção do flautim e dos timbales emprestam-lhe um ar festivo
Harmonia - As vozes, a viola, o piano, os timbales e o flautim proporcionam um tema elaborado.
Análise semântica – Embora este soneto seja do século XVI, da autoria de Luís Vaz de Camões foi um tema musicado por José Mário Branco no ano de 1971. Proceder-se-á inicialmente à análise do soneto original, para numa segunda fase, adiantar as razões que motivaram o interesse do cantor em musicar e divulgar esta nova interpretação musical.
O soneto renascentista, de influência greco-latina, cujo tema é a mudança, está disposto, em termos temáticos, numa dualidade entre a natureza e o próprio sujeito poético. Destaca-se o carácter positivo da natureza – o verde manto da Primavera substitui a neve fria do Inverno que se opõe ao doce canto que se converte em choro. Encontramos um poeta cético, sem perspetivas futuras ‑ a mudança, as transformações, no tempo do discurso, tornam-se diferentes em tudo da esperança, ou seja, acontecem numa ótica negativa, cada vez mais pessimista.
Numa análise pormenorizada concluímos que a primeira quadra aborda a tese da mudança em termos gerais – os tempos, as vontades, o ser, a confiança – são reforçados os eixos quer da temporalidade quer da espacialidade num ritmo insistentemente binário através da acentuação na 6ª e 10ª sílaba. O mesmo complementa-se com o paralelismo musical entre as quadras e o refrão.
Na segunda quadra, o poeta por experiência própria utiliza o verbo “vemos “ comprovando a observação direta do mundo. Desta forma, a mensagem adquire outra dimensão – Todos testemunham, de uma forma universal, tais mudanças. De seguida Camões apresenta o sentido negativo da mudança – o mal persiste e intensifica-se enquanto o bem desaparece. A frase que exprime a condição reforça a ideia da dúvida na existência de algum bem. A mudança, como já se referiu, faz-se para um estado ainda mais negativo. O poeta exemplifica o mundo objetivo da Natureza com as expressões antitéticas – o que era neve fria passou a verde manto. Por outro lado, ao nível da subjetividade o sujeito poético revela o doce canto transformado agora em choro. O tempo é o agente responsável pela mudança. O último terceto reforça a ideia de para além desta situação implacável, para a qual não há remédio, surge algo também de incontornável ‑ o Destino que já não permite a mudança como era hábito. A mudança torna-se motivo de instabilidade porquanto ela provocará um constante agravamento. Contudo, José Mário Branco acrescenta o seguinte refrão “ …
E se todo o mundo é composto de mudança 
Troquemos-lhe as voltas porque ainda é uma criança!
Este refrão é repetido após as duas quadras seguintes; todavia, é iniciado pela adversativa “Mas” que contraria o conformismo da versão camoniana. O autor da nova versão revela nestes dois versos a sua verdadeira intenção: para evitar a censura própria da época da ditadura do antigo regime, serve-se da mensagem conformista do soneto de Camões para com este “artificioso” acrescento, alterar o espírito inicial da composição e reivindicar “a troca das voltas”, do destino que parecia ser adverso aos portugueses. Destaque-se o inconformismo, a contestação de um “status quo” que urge corrigir. Como justifica o músico porque o mundo, entenda-se país ainda é muito jovem, todos incluindo-se o próprio, podem inverter o clima de repressão, de medo, de censura vivido nos anos 70 de ditadura e ambicionar uma “adolescência” e “uma idade adulta” em Democracia e em Liberdade. Para manifestar musicalmente este contexto, o músico recorre ao coro em uníssono, ao estilo revolucionário, vigoroso numa atitude corajosa, de rutura com o “status quo“. É um desejo de mudança que o cantor exprime numa dupla variação de tons com o intuito de salientar a importância do refrão que se tornou com profunda alteração do tema clássico de Luís de Camões, o verdadeiro “leit-motiv” do tema.
Por último, de destacar que primeiro verso do soneto foi utilizado como título do Álbum do músico publicado em Novembro de 1971.Pode-se,desde já, inferir a importância crucial que ele atribuía a este soneto agora aplicado, como se constatou num contexto cultural e político diferente.
José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010, pp. 124-126.
            
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O Cantautor José Mário Branco
          
José Mário Branco iniciou a sua juventude inscrevendo-se como membro dos jovens estudantes católicos. Contudo, a sua crença no General Humberto Delgado, candidato à Presidência da República, motivou-o a inscrever-se no Partido Comunista Português. Este facto implicou a participação em encontros clandestinos com a finalidade de manifestar oposição face ao regime vigente. Preso, foge de seguida, para França a fim de prosseguir a sua luta antifascista. Irá dedicar-se à canção de intervenção participando em variados recitais, por diversos países da Europa com temas contra o regime, entre os quais a guerra do Ultramar. Consideramos abordar algumas canções sobretudo do primeiro e segundo álbum que foram publicados antes do 25 de Abril de 1974-em 1971 e 1973, respetivamente: “Mudam-se os tempos Mudam-se as vontades” e “Margem de Certa Maneira.” Temos ainda a acrescentar um tema considerado emblemático da sua filosofia de vida: “Le Déserteur”de Boris Vian. Apesar de não ser de sua autoria, José Mário Branco interpretou-a diversas vezes sobretudo nos seus espetáculos em França, como forma de revelar a sua viva contestação ao regime ditatorial no que concerne à guerra colonial.
O tema original: “Le Déserteur” foi interpretado, várias vezes, por Boris Vian autor da carta original dirigida ao Presidente da República Francesa no contexto da guerra da Indochina. A adaptação do tema por parte de José Mário Branco teve como objetivo sensibilizar todos os portugueses para a necessidade de resistir a ordens belicistas proclamadas pelo regime em favor da guerra do Ultramar. Tornava-se urgente, segundo o cantor português, espalhar a notícia da renúncia à guerra. O propósito revelado na carta assentava no direito à indignação, à recusa na participação da guerra tornando-se um desertor, um objector de consciência. Após ter sofrido várias contrariedades familiares com mortes, sofrimento dos irmãos e dos filhos, o autor como desertor, incentiva todos os portugueses a recusar a guerra. Prossegue com o conselho de ser o próprio Presidente a oferecer o seu sangue na defesa do que considera os interesses nacionais. Finalmente, adverte o mesmo Presidente de que ele possui armas e que os seus agentes poderão disparar sobre ele. Está implícita a mensagem da não violência, do incentivo ao diálogo, ao entendimento entre os povos. A canção: “Le Deserteur” …traduzida por José Mário Branco, é um desafio de uma filosofia de vida de um pacifista:
Ao senhor presidente e chefe da nação /escrevo a presente /p’ra sua informação. /Recebi um postal/um papel militar/com ordem p’ra marchar/p’rà guerra colonial /diga aos seus generais /que eu não faço essa guerra/porque eu não vim à Terra/pra matar meus iguais /e aqui digo ao senhor/queira o senhor ou não/tomei a decisão/de ser um desertor / desde que me conheço/já vi meu pai morrer/vi meus irmãos sofrer/”
vi meus filhos sem berço /…à guerra dizei 'não!'/a gente negra sofre/e como nós é pobre/somos todos irmãos/ e se quer continuar/a matar essa gente/vá o senhor presidente/tomar o meu lugar…”
        
O Tema “Perfilados do Medo”, “do álbum “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades”, aborda a temática do sofrimento perante a repressão vivida. Resta aos portugueses a tábua de salvação cómoda da loucura, ou seja, as pessoas que pensam são consideradas loucas, subterfúgio para evitar a morte. A coragem não é valorizada. O cantautor ironiza o conformismo de alguns patriotas resumido nas afirmações:
Perfilados de medo agradecemos /O medo que nos salva da loucura. Decisão e coragem valem menos /e a vida sem viver é mais segura.
             
Apelidado de rebanho, perseguido pelo medo, o povo, incluindo-se o próprio autor, viveu de tal forma em comunidade, mas de maneira acéfala e isolada do resto da Europa e do Mundo que já não sabe dar sentido à vida:
Perfilados de medo sem mais voz /o coração nos dentes oprimido /os loucos os fantasmas somos nós. / Rebanho pelo medo perseguido /já vivemos tão juntos e tão sós /que da vida perdemos o sentido.
          
O tema da Emigração é também de primordial importância para este cantautor porquanto viveu essa experiência de emigrante exilado desde 1963 até 1974. Como alude na canção: “Por Terras de França” – “Não foi por vontade nem por gosto/que deixei a minha terra. A fuga em busca de uma viela de esperança representa, uma vez mais, todos aqueles que não acreditavam no seu país para se realizarem quer económica, quer política, quer socialmente. O tema musical imprime um ritmo vivo e simultaneamente irónico que perpassa toda a mensagem enquanto o Zé-povinho não descansa, há sempre uma França /Brasil do operário /…na miragem da abastança /roendo a nossa grade. José Mário Branco enaltece o valor de um país como a França, paradigma de todos os países que albergaram os nossos compatriotas e constituiu-se como um “Brasil “símbolo da salvação tanto das famílias implicadas como do país. A França assumiu uma importância relevante na oportunidade de propiciar empregos, de concretizar sonhos que, de outra forma, não seriam realizáveis. A França, sobretudo Paris, a grande capital cultural da Europa, tornou-se um refúgio, não somente para o próprio cantautor, como para outros ilustres resistentes casos do Dr. Mário Soares, do poeta Manuel Alegre, dos cantores Luís Cília e Sérgio Godinho entre outros.
A actividade de José Mário Branco, em França, foi bastante profícua. Segundo Eduardo M. Raposo (Canto de Intervenção. Lisboa, Público, Comunicação Social, SA, 2007, p. 92),
(…) o cantautor faz recitais frequentes em que denuncia a guerra e o fascismo, por vários países e cidades de Europa. Mas paralelamente continua a cantar para a comunidade portuguesa. É todavia com o Maio de 68 que se dá a viragem total, o travar de conhecimentos iniciando então um relacionamento com artistas franceses, começando a cantar em cabarés…
        
Citado por Raposo (2007:93) José Mário Branco confessa as suas influências:
(…) a maior de todas é o Ferré, embora também tivesse muito marcado por muitas outras coisas, o Brel, a canção brasileira, a balada romântica do pós-guerra em França, a Juliette Gréco […] os portugueses sobretudo o Zeca e as músicas dos povos – etnomusicologia.
          
No entanto, a situação em Portugal, como aponta Sérgio Godinho na composição “Cantiga do fogo e da guerra”, alegoria cantada por José Mário Branco, era “escaldante”, ou seja, repressiva
Em Portugal há um fogo enorme no jardim da guerra /e os homens semeia fagulhas na terra /os homens passeiam co’s pés no carvão/que os deuses acendem luzindo um tição.
        
O ambiente é de muita tensão a ponto de dar lugar à sátira antitética entre os mortos que já não têm sede e os embaixadores e pirómanos e senhores importantes “que engolem sangria dos sangues fanados e enxugam os beiços na pele dos queimados.”
O poeta Sérgio Godinho utiliza certas expressões, que poderíamos apelidar de “humor negro” para denegrir a imagem de sobranceria deixada pelos homens do poder e de desprezo para com os soldados, vulgarmente conhecidos de “carne para canhão “.
Por outro lado, para atingir o espaço democrático, os portugueses terão, segundo José Mário Branco, de esquecer a ideia saudosista de pensar na vinda de um D. Sebastião presente na canção: ”Onde vais ó caminheiro” – “ Era príncipe herdeiro, nevoeiro, príncipe agoireiro, o príncipe mal esperado.” Neste poema o poeta estabelece um diálogo com o caminheiro a fim de abordar a célebre temática para os portugueses – D. Sebastião. Torna-se uma crítica a todos aqueles crentes no mito sebastianista que acreditavam na vinda de um Salvador da Pátria que viria resolver os problemas do país.
A abordagem cíclica desta temática está, desta vez, pejada de ironia para destroçar qualquer veleidade na crença dos sebastianistas: Ver o rei Sebastião primeiro /há tanto tempo esperado /voltou no seu veleiro //no nevoeiro /sem glória, nem dinheiro num lençol amortalhado /…Vou ao cais para ficar bem certeiro /de que é morto e enterrado.
É nesta crença de mudança que surge:” Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”
Embora o soneto seja do século XVI, da autoria de Luís Vaz de Camões, foi um tema musicado por José Mário Branco no ano de 1971. O cantor, aproveitando a composição original acrescenta-lhe um refrão que lhe altera o sentido inicial, transformando o soneto num canto de intervenção.
            
José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010, pp. 74-77.
            
             
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 Poesia útil e literatura de resistência” (A literatura como arma contra a ditadura e a guerra colonial portuguesas), José Carreiro

   
            


[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2014/09/09/mudam-se-os-tempos-Jose-Mario-Branco.aspx]                                                                                                        

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

CANÇÕES HEROICAS DE FERNANDO LOPES GRAÇA




          
Acordai
acordai
homens que dormis
a embalar a dor
dos silêncios vis
vinde no clamor
das almas viris
arrancar a flor
que dorme na raiz

Acordai
acordai
raios e tufões
que dormis no ar
e nas multidões
vinde incendiar
de astros e canções
as pedras do mar
o mundo e os corações

Acordai
acendei
de almas e de sóis
este mar sem cais
nem luz de faróis
e acordai depois
das lutas finais
os nossos heróis
que dormem nos covais
Acordai!
         
Fernando Lopes Graça (música)
José Gomes Ferreira (letra)
        
              





        
         
JORNADA

Não fiques pra trás ó companheiro
É de aço esta fúria que nos leva.
Pra não te perderes no nevoeiro
Segue os nossos corações na treva.


Vozes ao alto
Vozes ao alto
Unidos como os dedos da mão
Havemos de chegar ao fim da estrada,
Ao som desta canção.


Aqueles que se percam no caminho,
Que importa! Chegarão no nosso brado.
Porque nenhum de nós anda sozinho,
E até mortos vão ao nosso lado.


Vozes ao alto
Vozes ao alto
Unidos como os dedos da mão
Havemos de chegar ao fim da estrada,
Ao som desta canção.
         
Fernando Lopes Graça (música)
José Gomes Ferreira (letra)
       
    
Ouvir a canção de luta, cantada por um coletivo de músicos na Festa Comício do PCP em 1977:

                
           

        
As «Canções Heroicas» e as Canções Regionais Portuguesas de Fernando Lopes Graça.
             

Estas canções contribuíram de uma forma inequívoca para a solidificação de um espírito de resistência e de contestação a um estado totalitário de direita do Estado Novo salazarista. Elas assumir-se-ão também, como as sementes das futuras canções de intervenção. As suas mensagens, de deliberada esperança num futuro diferente, disseminam-se nas diversas composições de poetas anti-fascistas nos quais o compositor Fernando Lopes Graça se apoiou. Exemplos de José Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira, João José Cochofel, Antunes da Silva entre outros. A “heroica” «Acordai» de Lopes Graça proclama:
Acordai /homens que dormis /a embalar a dor
Dos silêncios vis /vinde no clamor /das almas viris …
Acordai /acendei/de almas e de sóis
Este mar sem cais /nem luz de faróis/
Os nossos heróis dormem nos covais / Acordai!
Este apelo, esta súplica ao despertar dos nossos heróis oprimidos pelo terror e pela dor prossegue com um apelo à unicidade, ao espírito gregário, condição sine qua non para enfrentar o poder instituído. Este chamamento simultaneamente dramático e vigoroso visa abalar a consciência dos heróis que têm de assumir a liderança de todos os opositores com vista à libertação de um povo até ao momento sem rumo, sem mar, sem cais. Como acredita o tema “Jornada” no refrão: “vozes ao alto, vozes ao alto /unidos como os dedos da mão /havemos de chegar ao fim da estrada/ao som desta canção.”
A ambição de liberdade vivida pelo Coro da Academia dos Amadores de Música do Maestro Lopes Graça propiciou, apesar dos variados problemas criados pela censura do regime, bons espectáculos não só musicais como políticos a muitos portugueses. A este propósito, Lopes Graça considerou as suas canções “politicamente empenhadas” ; citado por Eduardo M. Raposo (Canto de Intervenção. Lisboa, Público, Comunicação Social, SA, 2007, p.27)
“(…) no sentido, ou na medida, em que pretenderam contribuir para a luta do povo português, a que primordialmente foram destinadas, contra o regime despótico, antidemocrático e violentador de corpos e almas que durante cerca de cinquenta anos lhe foi imposto. Eram, pois, essas obrinhas, essas canções uma arma: uma arma pacífica mas não inocente ao serviço da nossa oprimida grei, da sua libertação, da sua exaltação, da sua fraternização.”
Por seu turno, as Canções Regionais Portuguesas, recolhidas e harmonizadas em parceria com uma outra figura incontornável da música portuguesa – Michel Giacometti constituem a memória viva de um povo. É através delas que o povo se revela, se identifica e afirma os seus ideais. Destaquemos também, por isso, a importância crucial deste etno-musicólogo, de origem italiana, na valiosa recolha de temas regionais genuínos que, desta forma, se recuperaram, evitando a sua perda irreparável para sempre. Paradigma deste esforço de Giacometti é a recolha em parceria com Lopes Graça da “Antologia da Música Regional Portuguesa “com temas tradicionais de todo o país de valor inestimável para a cultura musical.
A Obra de Lopes Graça resulta, por um lado, da sua natural criatividade e erudição dando voz inclusive a grandes poetas e, por outro, da peculiar influência popular. Estes factos propiciaram uma atmosfera musical, cultural e política que se constituirá como o natural embrião da canção de intervenção. Este movimento de resistência cultural repercutiu-se ao longo dos tempos na sociedade portuguesa.
         
José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010, pp. 58-59.
       
            
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LEMBRANDO AS HEROICAS, concerto comentado.
Canções de Fernando Lopes-Graça e seus contemporâneos
            
Cantores
Ana Ester Neves, soprano
Luís Rodrigues, barítono
Mário Redondo, barítono
Músicos
Francisco Ribeiro, clarinete I
Jorge Trindade, clarinete II
Carmen Cardeal, harpa
António Figueiredo, violino
Bruno Silva, viola
Irene Lima, violoncelo
Pedro Araújo e Silva, percussão
João Paulo Santos, piano e direção
           
           
            
Venha celebrar o 25 de Abril ao Teatro Aberto Lembrando as Heroicas, um concerto a partir de canções de Fernando Lopes-Graça e seus contemporâneos. Com direcção musical de João Paulo Santos e interpretação dos solistas Ana Ester Neves, Luís Rodrigues e Mário Redondo, serão apresentadas composições representativas de vários aspectos da obra do compositor Fernando Lopes-Graça. Este concerto continua a temporada 2014 da Música em Palco no Teatro Aberto.
            
Neste dia em que se comemoram os 40 anos da Revolução de Abril, o Teatro Aberto e o maestro João Paulo Santos prestam homenagem a Fernando Lopes-Graça, compositor, pianista, pedagogo, crítico e ensaísta. No prefácio à obra Marchas, danças e canções (Lisboa: Seara Nova, 1946) Fernando Lopes-Graça escrevia que …Só mediante o veículo da música, através do canto, ela pode viver verdadeiramente e agir a fundo sobre a sensibilidade, estimulando à acção. É o que se pode verificar através de toda a história, nos períodos em que as consciências se acham abaladas e os homens sentem a necessidade de comungar e de se fortalecer num mesmo ideal.
           
            
   
           
           
            
     Poesia útil e literatura de resistência” (A literatura como arma contra a ditadura e a guerra colonial portuguesas), José Carreiro

   
                         
    

[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2014/09/08/heroicas.aspx]