segunda-feira, 8 de setembro de 2014

CANÇÕES HEROICAS DE FERNANDO LOPES GRAÇA




          
Acordai
acordai
homens que dormis
a embalar a dor
dos silêncios vis
vinde no clamor
das almas viris
arrancar a flor
que dorme na raiz

Acordai
acordai
raios e tufões
que dormis no ar
e nas multidões
vinde incendiar
de astros e canções
as pedras do mar
o mundo e os corações

Acordai
acendei
de almas e de sóis
este mar sem cais
nem luz de faróis
e acordai depois
das lutas finais
os nossos heróis
que dormem nos covais
Acordai!
         
Fernando Lopes Graça (música)
José Gomes Ferreira (letra)
        
              





        
         
JORNADA

Não fiques pra trás ó companheiro
É de aço esta fúria que nos leva.
Pra não te perderes no nevoeiro
Segue os nossos corações na treva.


Vozes ao alto
Vozes ao alto
Unidos como os dedos da mão
Havemos de chegar ao fim da estrada,
Ao som desta canção.


Aqueles que se percam no caminho,
Que importa! Chegarão no nosso brado.
Porque nenhum de nós anda sozinho,
E até mortos vão ao nosso lado.


Vozes ao alto
Vozes ao alto
Unidos como os dedos da mão
Havemos de chegar ao fim da estrada,
Ao som desta canção.
         
Fernando Lopes Graça (música)
José Gomes Ferreira (letra)
       
    
Ouvir a canção de luta, cantada por um coletivo de músicos na Festa Comício do PCP em 1977:

                
           

        
As «Canções Heroicas» e as Canções Regionais Portuguesas de Fernando Lopes Graça.
             

Estas canções contribuíram de uma forma inequívoca para a solidificação de um espírito de resistência e de contestação a um estado totalitário de direita do Estado Novo salazarista. Elas assumir-se-ão também, como as sementes das futuras canções de intervenção. As suas mensagens, de deliberada esperança num futuro diferente, disseminam-se nas diversas composições de poetas anti-fascistas nos quais o compositor Fernando Lopes Graça se apoiou. Exemplos de José Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira, João José Cochofel, Antunes da Silva entre outros. A “heroica” «Acordai» de Lopes Graça proclama:
Acordai /homens que dormis /a embalar a dor
Dos silêncios vis /vinde no clamor /das almas viris …
Acordai /acendei/de almas e de sóis
Este mar sem cais /nem luz de faróis/
Os nossos heróis dormem nos covais / Acordai!
Este apelo, esta súplica ao despertar dos nossos heróis oprimidos pelo terror e pela dor prossegue com um apelo à unicidade, ao espírito gregário, condição sine qua non para enfrentar o poder instituído. Este chamamento simultaneamente dramático e vigoroso visa abalar a consciência dos heróis que têm de assumir a liderança de todos os opositores com vista à libertação de um povo até ao momento sem rumo, sem mar, sem cais. Como acredita o tema “Jornada” no refrão: “vozes ao alto, vozes ao alto /unidos como os dedos da mão /havemos de chegar ao fim da estrada/ao som desta canção.”
A ambição de liberdade vivida pelo Coro da Academia dos Amadores de Música do Maestro Lopes Graça propiciou, apesar dos variados problemas criados pela censura do regime, bons espectáculos não só musicais como políticos a muitos portugueses. A este propósito, Lopes Graça considerou as suas canções “politicamente empenhadas” ; citado por Eduardo M. Raposo (Canto de Intervenção. Lisboa, Público, Comunicação Social, SA, 2007, p.27)
“(…) no sentido, ou na medida, em que pretenderam contribuir para a luta do povo português, a que primordialmente foram destinadas, contra o regime despótico, antidemocrático e violentador de corpos e almas que durante cerca de cinquenta anos lhe foi imposto. Eram, pois, essas obrinhas, essas canções uma arma: uma arma pacífica mas não inocente ao serviço da nossa oprimida grei, da sua libertação, da sua exaltação, da sua fraternização.”
Por seu turno, as Canções Regionais Portuguesas, recolhidas e harmonizadas em parceria com uma outra figura incontornável da música portuguesa – Michel Giacometti constituem a memória viva de um povo. É através delas que o povo se revela, se identifica e afirma os seus ideais. Destaquemos também, por isso, a importância crucial deste etno-musicólogo, de origem italiana, na valiosa recolha de temas regionais genuínos que, desta forma, se recuperaram, evitando a sua perda irreparável para sempre. Paradigma deste esforço de Giacometti é a recolha em parceria com Lopes Graça da “Antologia da Música Regional Portuguesa “com temas tradicionais de todo o país de valor inestimável para a cultura musical.
A Obra de Lopes Graça resulta, por um lado, da sua natural criatividade e erudição dando voz inclusive a grandes poetas e, por outro, da peculiar influência popular. Estes factos propiciaram uma atmosfera musical, cultural e política que se constituirá como o natural embrião da canção de intervenção. Este movimento de resistência cultural repercutiu-se ao longo dos tempos na sociedade portuguesa.
         
José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010, pp. 58-59.
       
            
Poderá também gostar de:
                    
LEMBRANDO AS HEROICAS, concerto comentado.
Canções de Fernando Lopes-Graça e seus contemporâneos
            
Cantores
Ana Ester Neves, soprano
Luís Rodrigues, barítono
Mário Redondo, barítono
Músicos
Francisco Ribeiro, clarinete I
Jorge Trindade, clarinete II
Carmen Cardeal, harpa
António Figueiredo, violino
Bruno Silva, viola
Irene Lima, violoncelo
Pedro Araújo e Silva, percussão
João Paulo Santos, piano e direção
           
           
            
Venha celebrar o 25 de Abril ao Teatro Aberto Lembrando as Heroicas, um concerto a partir de canções de Fernando Lopes-Graça e seus contemporâneos. Com direcção musical de João Paulo Santos e interpretação dos solistas Ana Ester Neves, Luís Rodrigues e Mário Redondo, serão apresentadas composições representativas de vários aspectos da obra do compositor Fernando Lopes-Graça. Este concerto continua a temporada 2014 da Música em Palco no Teatro Aberto.
            
Neste dia em que se comemoram os 40 anos da Revolução de Abril, o Teatro Aberto e o maestro João Paulo Santos prestam homenagem a Fernando Lopes-Graça, compositor, pianista, pedagogo, crítico e ensaísta. No prefácio à obra Marchas, danças e canções (Lisboa: Seara Nova, 1946) Fernando Lopes-Graça escrevia que …Só mediante o veículo da música, através do canto, ela pode viver verdadeiramente e agir a fundo sobre a sensibilidade, estimulando à acção. É o que se pode verificar através de toda a história, nos períodos em que as consciências se acham abaladas e os homens sentem a necessidade de comungar e de se fortalecer num mesmo ideal.
           
            
   
           
           
            
     Poesia útil e literatura de resistência” (A literatura como arma contra a ditadura e a guerra colonial portuguesas), José Carreiro

   
                         
    

[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2014/09/08/heroicas.aspx]

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