Balada Astral Letra e música: Miguel Araújo Miguel Araújo: Voz e guitarra acústica Inês Viterbo: Voz Maria Vasquez: Acordeão João Martins: Saxofone Alto e arranjo de sopros Paulo Gravato: Saxofone Tenor Rui Pedro Silva: Trompete Paulo Perfeito: Trombone David Lloyd: Violino Pedro Romualdo: Guitarra acústica Diogo Santos: Piano Pedro Santos: Baixo Eléctrico Mário Costa: Bateria Bruno Ribeiro: percussões
Gravado, misturado e masterizado por João Bessa nos Boom
Studios em Dezembro de 2013. Produzido por João Bessa, João Martins e Miguel Araújo
E
aqui está a primeira música a sair do lote das faixas que fazem parte das "Crónicas da Cidade Grande". Esta versão foi
gravada mesmo assim, ao vivo nos Boom Studios, sem cortes
nem edições. Aquele saravá do coração ao João Martins e ao João Bessa, que produziram
o disco comigo, e a todos os músicos cujo talento e generosidade compõe
este novo álbum.
Obrigado
ao grande André Tentugal pelo vídeo. Um grande beijinho à Inês Viterbo por cantá-lá tão bem. Obrigado à Rádio
Comercial pela força, mais uma vez. E claro, aquele saravá ao Luis e à Maria,
cujo casamento serviu de mote a esta Balada Astral e
permitiu que eu conhecesse os talentos de uma tal Inês, que eu desconhecia até
esse dia. Espero que gostem!" Foi assim que Miguel Araújo Jorge que
apresentou o seu novo tema. Digam o que acharam de "Balada
Astral".
Em
Outubro de 1973, recebi no interior da Guiné mais uma daquelas encomendas que o
meu querido amigo e poeta J. H. Santos Barros me ia fazendo chegar como
contributo para a minha sanidade mental e sobrevivência no pântano. Era a
manifestação possível de amizade por parte de quem já fizera a sua experiência
de sobrevivência em Angola.
Essa
encomenda incluía um precioso livrinho de Maria Velho da Costa, «Desescrita»,
editado nesse mesmo ano e que trazia um notável texto curto intitulado «Ova
ortegrafia». Publicado anteriormente no jornal «República» em Junho de 1972,
era um inteligente e sagaz exercício literário e linguístico sobre a censura,
melhor dizendo, sobre os censores, os «cortadores» da palavra, da língua.
Convocando,
em registo derrisório,alguns chavões do
discurso político dominante e também os preconceitos contra o experimentalismo
literário, mimetizandoa «escrita do
corte»(a cortegrafia), «Ova Ortegrafia»
constituía ainda assim uma manifestação de experimentalismo, instaurava no seu
interior imprevistas e subtis derivas semânticas e constituía uma denúncia da
instituição censória, jogando abertamente no terreno do inimigo, a quem o texto
seria dado aler.
Deixo
abaixo o texto, em dupla evocação:da
autora ede J. H. Santos Barros, falecido
abruptamente a 20 de Maio de 1983.
Ecidi
escrever ortado; poupo assim o rabalho a quem me orta. Orque quem me orta é
pago para me ortar. Também é um alariado. Também ofre o usto de ida. Orque a
iteratura deve dar sinal da ircunstância, e não tem ustificação oral. E ais
deve ter em conta todos os ofrimentos, esmo e rincipalmente os daqueles ujo
rabalho é zelar pela oralidade e ordem ública – os ortadores.
Eu acho
que enho andado esavinda omigo e com a grei, com tanta iberdade de estilos e
emas e xperimentalismos e rocadilhosque
os ríticos eeitores dizem arrocos e os
ortadores, pelo im pelo ão, ortam. A iteratura eve ser uma oisa éria e
esponsável. Esta é a minha enúncia ública. (Eço esculpa de esitar nalguns
ortes, mas é por pouco calhada neste bom modo de scrita usta ao empo e aos
odos).
Izia eu
que o ortuguês que ora, nesta ora de rudência e sforço, se não reduz à orma imples,
não erve a vera íngua da Pátria. (Por enquanto só orto ao omeço, porque a arte
de ortar não é fácil; rometo reinar-me até udo me aír aturalmente ortado e ao
eio e ao im).
Outros
jovens me eguirão o rilho. Odos não eremos emais para ervir na etaguarda os
que, em árias frentes, por nós se mputam.
A issão
do scritor é dar estemunho e efrigério aos e dos omentos raves da istória, ao
erviço dos ideais da sua omunidade; ervir a oz do ovo, espeitar a oz dos
overnantes egítimos.
Olegas,
em ome da obrevivência da íngua, vos eço pois:
Reinai-vos
a ortar-vos uns aos outros
como eu
me ortei.
(«Desescritas».
Afrontamento, 1973)
CARREIRO, José. “Ova
Ortegrafia, Maria Velho da Costa”. Portugal, Folha de Poesia, 24-05-2020.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/05/ova-ortegrafia-maria-velho-da-costa.html
A Flávio Migliaccio e aos sem ração ou conforto sem-terra sem-teto aos movimentos de mulheres LGBTI às centrais sindicais às organizações de favelas de olhos aparelhados em campo de pregos - tantos houvesse jamais votei em facho, esse que da vida é porcino. Menino de perdidos cantos, dai engenho a uma vida inteira pois de sorte boa do planalto nem votos apenas sangue e língua viperina.
José Carreiro, 2020-05-21
Análise textual
O poema
"Morrer de Brasil", de José Maria de Aguiar Carreiro, é uma espécie
de manifesto contra a opressão e a injustiça social que afetam os mais
vulneráveis da sociedade brasileira. O título é uma frase forte que sugere a
situação desesperante de muitos brasileiros, especialmente os mais pobres e
marginalizados. A homenagem ao ator Flávio Migliaccio, que na sua carta de
despedida lamenta a situação do país e a desilusão com a humanidade, dá uma
dimensão ainda mais trágica ao poema.
O poema
começa com uma referência direta aos mais pobres da sociedade e aos grupos que
lutam por uma vida digna: "sem-terra/sem-teto/aos movimentos de
mulheres/LGBTI/às centrais sindicais/às organizações de favelas". Trata-se,
pois, de uma homenagem aos "sem ração ou conforto" que são vítimas de
opressão e exclusão social. O sujeito poético reconhece a importância dos
movimentos de mulheres e LGBTI, bem como das organizações de favelas e das
centrais sindicais, que lutam pela igualdade e justiça social.
Ele mostra
solidariedade para com essas pessoas e afirma que nunca votou em
"facho", um termo pejorativo para designar os políticos de extrema
direita que promovem a intolerância e apoiam medidas autoritárias e
repressivas. A escolha da palavra "porcino" para caracterizar o facho
é significativa, pois o porco é um animal que muitas vezes é associado à sujidade.
Deste modo, o sujeito poético critica os políticos fascistas e sua falta de
humanidade, comparando-os a porcos.
O sujeito
poético utiliza ainda a imagem de um menino que canta canções perdidas e que
precisa encontrar engenho para enfrentar as dificuldades da vida. É como se
este menino representasse as comunidades marginalizadas que lutam pela
sobrevivência num país que as marginaliza. A sorte boa do planalto, que o sujeito
poético menciona, não é compartilhada por estas comunidades, que só conhecem a
viperina língua dos opressores. Diante das dificuldades do país, não se pode
contar com a sorte ou com a benevolência do poder político. É necessário lutar,
com todas as armas à disposição, para se fazer ouvir e transformar a realidade:
"dai engenho a uma vida inteira/pois de sorte boa do planalto nem
votos/apenas sangue e língua viperina".
O poema
"Morrer de Brasil" é um grito de dor e de esperança, um apelo à
consciência de todos os que se preocupam com a justiça social e com o futuro da
sociedade brasileira. É também uma homenagem àqueles que, como Flávio
Migliaccio, lutaram e sofreram por um país mais justo e mais humano.
Análise textual solicitada em 19-02-2023 a ChatGPT (Feb 13 Version), disponível em https://chat.openai.com/chat (texto
revisto e adaptado)
Cajuína
Existirmos, a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria-vida era tão fina
e éramos olharmo-nos intacta a retina
A Cajuína, cristalina em Teresina
“Cajuína” in Cinema transcendental, 1979, Caetano Veloso
“Existirmos:
a que será que se destina?” é o primeiro verso de “Cajuína”, uma canção de
Caetano Veloso. Bela, solar e dançante, “Cajuína” refere-se a uma bebida
homónima à base de sumo de caju, típica de Teresina, capital do Piauí.
Caetano inspirou-se
no néctar cristalino e doce para escrever um forró em homenagem a Torquato
Neto, poeta e parceiro que suicidou-se muito novo, em 1972, não só mas também
por não aguentar os anos de chumbo da ditadura militar brasileira.
Torquato escreveu, Caetano musicou e Gal Cantou: “Mamãe, mamãe não
chore / Eu quero, eu posso, eu quis, eu fiz, Mamãe, seja feliz / Mamãe, mamãe
não chore / Não chore nunca mais, não adianta eu tenho um beijo preso na
garganta / Eu tenho um jeito de quem não se espanta / Eu tenho corações fora
peito / Mamãe, não chore, não tem jeito.”
Não teve jeito. Para Torquato. Nem para Flávio Migliaccio, ator
veterano de tantas novelas que também passaram aqui em Portugal e que há alguns
dias se enforcou. Flávio deixou uma carta a dizer: “Tive a impressão que foram
85 anos jogados fora num país como este e com esse tipo de gente que acabei
encontrando.”
Alguém escreveu que Migliaccio morreu de Brasil. A frase faz
sentido, mas é imprecisa. Morrer de Brasil refere uma doença mais geral,
endémica, que atravessa séculos. Sempre se morreu de Brasil, às vezes de
escravidão, seca no sertão, outras pela inflação ou por corrupção e tantos
outros “ãos”, que fazem boas rimas pobres, mas nunca uma solução.
Para se morrer de Brasil não é necessário estar no Brasil. O mundo
morre de Brasil a cada árvore queimada da Amazónia, a cada criança favelada que
não sobrevive pela ação do tráfico, pela falta de esgotos, pela subnutrição.
Crescida, tal criança poderia ser um Pelé, um Vinicius de Morais, uma Elis
Regina, um Ayrton Senna e assim deixar o mundo mais vivo. Mas não.
Portugal também morre de Brasil pois a tragédia moral e social de
um país, qualquer país, é uma tragédia que contagia, que ensombra toda uma
ideia de civilização. Mais ainda quando acontece a um povo com quem partilhamos
o sangue e a língua.
Mas, repito, a doença agora é outra. Ou outras. Há a covid e há o
bolsonarismo. São vírus de cepas parecidas, levam à falência de órgãos vitais,
seja um pulmão ou o coração ou cérebro ou o congresso nacional.
Pode não parecer, mas este texto é sobre a vida. Falar de mortos é
lembrar aos vivos (inclusive eu) que sobramos nós para fazer alguma coisa.
“Existirmos: a que será que se destina?”
Humildemente, respondo: para vencer as trevas é preciso luz, é
preciso arte, é preciso diálogo, é preciso poesia, é preciso redescobrir a
empatia.
O antídoto para uma coisa má costuma ser o seu antónimo: uma coisa
boa. Esta aí: pessoas boas (e o Brasil tem destas quase duas centenas de
milhão) precisam compreender isto e atuar enquanto há tempo. Só assim é que
poderemos (todos) não morrer mais de Bolsonaro.
Edson Athayde, “Como não
morrer de Bolsonaro”, Lisboa, Jornal de Negócios, 2020-05-20
CARREIRO, José. “Morrer de Brasil”. Portugal, Folha
de Poesia, 21-05-2020 (última atualização: 19-02-2023). Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/05/morrer-de-brasil.html
Há uma espécie de poética pandémica, um discurso
levantado do vocabulário que subitamente se inventou ou colocou a uso, e que
vai procurando dar sentido a tanto que começámos por não saber explicar.
Metidos em cárcere, por
mais privilegiado, expressões novas ou recuperadas procuram servir de clarões
naquilo que tentamos dizer, não apenas para sabermos como nos sentimos mas,
sobretudo, numa ansiosa estratégia para entender como ficaremos depois disto.
O vocabulário anda à
procura do sentido, anda à procura do futuro, naturalmente que para nos educar
acerca de como chegar ao desejável. Os nomes que damos aos assuntos deste
cárcere é também como pensamos que sairemos dele.
Uma das razões para que os
escritores se encontrem detidos no monotema do Mundo passa pela sensação
desnatural de convocar outras dimensões da vida que não a sobrevivência
elementar a um inimigo invisível e ubíquo. Qualquer esforço para apelar a
causas e interesses que não se relacionem com o espectro da realidade atual
acaba por parecer uma pretensão arrogante, até uma forma de inconsciência ou
desrespeito para com quem batalha, padece, morre ou arrisca morrer.
Os escritores estão como
oráculos a auscultar na página branca, a partir de seus obstinados diários da
pandemia, o que a sorte, a ciência e a política ditam para amanhã. Contudo, o
mais que se vai lendo são deriva e angústia. Os escritores encontrarão uma
solução tão à sorte quanto o mais afincado cientista. A intuição aponta mas não
é concreto esclarecimento. É uma inclinação. Tem mais de medo ou desejo do que
de evidência puramente racional.
O esforço que nos está a
competir a todos - nós, aqueles cujo contributo maior é o isolamento mais
rigoroso possível - passa por uma revisão ética e pela higienização dos gestos
e dos compromissos. E isso começa no cuidado com o discurso, e a força de não
compactuar com as narrativas extremas.
Estamos num tempo em que
os grandes jogadores apostam nos extremos. Pois é exatamente contra quem nos
devemos atempar. Entre tudo quanto se procura desenhar, parasitando agora o
susto da pandemia e as inevitáveis faltas que acontecerão, o mais grave do
futuro será colaborarmos ingenuamente com quem dissemina já discursos de
intolerância e ódio para ratificar a intolerância e o ódio e, naquela poética
pandémica que define sobretudo como nos preparamos para uma nova normalidade,
convencer as pessoas a quererem isso mesmo: a intolerância e o ódio.
Se puderem atentar no modo
como falam do que nos acontece, escolham a paritária, livre, construção humana.
Só assim fará sentido que mereçamos sequer voltar às ruas um dia.