A Flávio Migliaccio e aos sem ração ou conforto sem-terra sem-teto aos movimentos de mulheres LGBTI às centrais sindicais às organizações de favelas de olhos aparelhados em campo de pregos - tantos houvesse jamais votei em facho, esse que da vida é porcino. Menino de perdidos cantos, dai engenho a uma vida inteira pois de sorte boa do planalto nem votos apenas sangue e língua viperina.
José Carreiro, 2020-05-21
Análise textual
O poema
"Morrer de Brasil", de José Maria de Aguiar Carreiro, é uma espécie
de manifesto contra a opressão e a injustiça social que afetam os mais
vulneráveis da sociedade brasileira. O título é uma frase forte que sugere a
situação desesperante de muitos brasileiros, especialmente os mais pobres e
marginalizados. A homenagem ao ator Flávio Migliaccio, que na sua carta de
despedida lamenta a situação do país e a desilusão com a humanidade, dá uma
dimensão ainda mais trágica ao poema.
O poema
começa com uma referência direta aos mais pobres da sociedade e aos grupos que
lutam por uma vida digna: "sem-terra/sem-teto/aos movimentos de
mulheres/LGBTI/às centrais sindicais/às organizações de favelas". Trata-se,
pois, de uma homenagem aos "sem ração ou conforto" que são vítimas de
opressão e exclusão social. O sujeito poético reconhece a importância dos
movimentos de mulheres e LGBTI, bem como das organizações de favelas e das
centrais sindicais, que lutam pela igualdade e justiça social.
Ele mostra
solidariedade para com essas pessoas e afirma que nunca votou em
"facho", um termo pejorativo para designar os políticos de extrema
direita que promovem a intolerância e apoiam medidas autoritárias e
repressivas. A escolha da palavra "porcino" para caracterizar o facho
é significativa, pois o porco é um animal que muitas vezes é associado à sujidade.
Deste modo, o sujeito poético critica os políticos fascistas e sua falta de
humanidade, comparando-os a porcos.
O sujeito
poético utiliza ainda a imagem de um menino que canta canções perdidas e que
precisa encontrar engenho para enfrentar as dificuldades da vida. É como se
este menino representasse as comunidades marginalizadas que lutam pela
sobrevivência num país que as marginaliza. A sorte boa do planalto, que o sujeito
poético menciona, não é compartilhada por estas comunidades, que só conhecem a
viperina língua dos opressores. Diante das dificuldades do país, não se pode
contar com a sorte ou com a benevolência do poder político. É necessário lutar,
com todas as armas à disposição, para se fazer ouvir e transformar a realidade:
"dai engenho a uma vida inteira/pois de sorte boa do planalto nem
votos/apenas sangue e língua viperina".
O poema
"Morrer de Brasil" é um grito de dor e de esperança, um apelo à
consciência de todos os que se preocupam com a justiça social e com o futuro da
sociedade brasileira. É também uma homenagem àqueles que, como Flávio
Migliaccio, lutaram e sofreram por um país mais justo e mais humano.
Análise textual solicitada em 19-02-2023 a ChatGPT (Feb 13 Version), disponível em https://chat.openai.com/chat (texto
revisto e adaptado)
Cajuína
Existirmos, a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria-vida era tão fina
e éramos olharmo-nos intacta a retina
A Cajuína, cristalina em Teresina
“Cajuína” in Cinema transcendental, 1979, Caetano Veloso
“Existirmos:
a que será que se destina?” é o primeiro verso de “Cajuína”, uma canção de
Caetano Veloso. Bela, solar e dançante, “Cajuína” refere-se a uma bebida
homónima à base de sumo de caju, típica de Teresina, capital do Piauí.
Caetano inspirou-se
no néctar cristalino e doce para escrever um forró em homenagem a Torquato
Neto, poeta e parceiro que suicidou-se muito novo, em 1972, não só mas também
por não aguentar os anos de chumbo da ditadura militar brasileira.
Torquato escreveu, Caetano musicou e Gal Cantou: “Mamãe, mamãe não
chore / Eu quero, eu posso, eu quis, eu fiz, Mamãe, seja feliz / Mamãe, mamãe
não chore / Não chore nunca mais, não adianta eu tenho um beijo preso na
garganta / Eu tenho um jeito de quem não se espanta / Eu tenho corações fora
peito / Mamãe, não chore, não tem jeito.”
Não teve jeito. Para Torquato. Nem para Flávio Migliaccio, ator
veterano de tantas novelas que também passaram aqui em Portugal e que há alguns
dias se enforcou. Flávio deixou uma carta a dizer: “Tive a impressão que foram
85 anos jogados fora num país como este e com esse tipo de gente que acabei
encontrando.”
Alguém escreveu que Migliaccio morreu de Brasil. A frase faz
sentido, mas é imprecisa. Morrer de Brasil refere uma doença mais geral,
endémica, que atravessa séculos. Sempre se morreu de Brasil, às vezes de
escravidão, seca no sertão, outras pela inflação ou por corrupção e tantos
outros “ãos”, que fazem boas rimas pobres, mas nunca uma solução.
Para se morrer de Brasil não é necessário estar no Brasil. O mundo
morre de Brasil a cada árvore queimada da Amazónia, a cada criança favelada que
não sobrevive pela ação do tráfico, pela falta de esgotos, pela subnutrição.
Crescida, tal criança poderia ser um Pelé, um Vinicius de Morais, uma Elis
Regina, um Ayrton Senna e assim deixar o mundo mais vivo. Mas não.
Portugal também morre de Brasil pois a tragédia moral e social de
um país, qualquer país, é uma tragédia que contagia, que ensombra toda uma
ideia de civilização. Mais ainda quando acontece a um povo com quem partilhamos
o sangue e a língua.
Mas, repito, a doença agora é outra. Ou outras. Há a covid e há o
bolsonarismo. São vírus de cepas parecidas, levam à falência de órgãos vitais,
seja um pulmão ou o coração ou cérebro ou o congresso nacional.
Pode não parecer, mas este texto é sobre a vida. Falar de mortos é
lembrar aos vivos (inclusive eu) que sobramos nós para fazer alguma coisa.
“Existirmos: a que será que se destina?”
Humildemente, respondo: para vencer as trevas é preciso luz, é
preciso arte, é preciso diálogo, é preciso poesia, é preciso redescobrir a
empatia.
O antídoto para uma coisa má costuma ser o seu antónimo: uma coisa
boa. Esta aí: pessoas boas (e o Brasil tem destas quase duas centenas de
milhão) precisam compreender isto e atuar enquanto há tempo. Só assim é que
poderemos (todos) não morrer mais de Bolsonaro.
Edson Athayde, “Como não
morrer de Bolsonaro”, Lisboa, Jornal de Negócios, 2020-05-20
CARREIRO, José. “Morrer de Brasil”. Portugal, Folha
de Poesia, 21-05-2020 (última atualização: 19-02-2023). Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/05/morrer-de-brasil.html
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