Eugénio de Andrade, Poesia
e Prosa (1940-1979), Lisboa, IN-CM, 1980
Elabore um
comentário do poema que integre o tratamento dos seguintes tópicos:
- relação entre o passado
e o presente;
- valor simbólico das
referências espaciais;
- aspetos formais e recursos
estilísticos relevantes;
- importância do título na
construção do sentido.
EXPLICITAÇÃO
DE CENÁRIOS DE RESPOSTA
Relação entre o passado e o presente
Assinalado pelas formas do
pretérito perfeito («dei», «ardi»), o passado é representado como o tempo da
paixão, da intensidade e da impaciência de viver, da adolescência feliz.
Através das formas do
presente do indicativo («prende», «há», «dura», «ponho», «Dizem», «sou»), sinaliza-se
o presente do «eu», tempo da memória, da consciência da fugacidade da vida, do
amor experienciado como saudade, como «a esperança e o calor/ de uns dedos com
restos de ternura».
Afirmando-se preso à
«terra» que foi o lugar do amor-entrega, o «eu» presente define a sua ligação profunda
a esse passado de vivências plenas, tempo que o constitui como ser do «amor» e
da «terra».
Valor simbólico das
referências espaciais
As palavras
que constituem referências espaciais são as seguintes:
Os
elementos espaciais da primeira estrofe metaforizam um tempo passado, o da
descoberta, da paixão, da ligação à natureza.
Na terceira
estrofe, o espaço representado simboliza o tempo do «eu» adulto, consciente da
sua pertença a um lugar que é, no presente, o do «amor a escorrer melancolia» e
foi, no passado, o da vivência intensa do amor. A recusa de espaços
alternativos, que os outros «Dizem» existir, enfatiza a ligação do sujeito à
«terra» primordial.
Aspetos formais e recursos estilísticos
relevantes
De entre os diversos recursos estilísticos,
salientam-se:
- a anáfora «Tudo
me prende», marcando, pela repetição, a insistência e a veemência;
- a personificação
do «rio» e da «luz», convocando metaforicamente múltiplos sentidos (o fluir do tempo,
o «eu» adolescente, o processo de descoberta ... );
- a metáfora da
paixão representada pelo fogo («ardi») e associada ao Verão («as areias»);
- paralelismos de
construção, no recurso, em três momentos, a enumerações tripartidas («o rio», «a
luz», «as areias»; «outros céus», «outras luas», «outros olhos»; «destas
casas», «destas ruas», «deste amor»), produzindo um ritmo ternário;
- antíteses /
oposições («alegria» / «melancolia»; «outros», «outras», «outros» / «destas», «destas»,
«deste»), estabelecendo contrapontos (entre o próximo e o distante, entre o
real e o virtual, entre o próprio e o alheio...);
- …
Quanto aos aspetos formais, há que
destacar, entre outros:
- composição estrófica em quadras;
- rimas cruzadas em
todos os versos, exceto nos versos 1 e 3 (em que há recurso ao verso branco);
- métrica oscilante
(com versos de nove, dez e onze sílabas), com predomínio do decassílabo;
- …
Nota - Para a atribuição
da totalidade da cotação referente ao conteúdo deste tópico do comentário, é considerada
suficiente a apresentação de quatro elementos, englobando obrigatoriamente
recursos estilísticos e aspetos formais.
Importância do título na construção do
sentido
O título «Canção Breve»,
pelas expectativas de leitura que gera, faz sobressair os seguintes traços:
- importância da
musicalidade (ritmos repetitivos, toada embaladora, organização em quadras, rimas
cruzadas ... ) e da expressão de afetos (visível, desde logo, na diversidade de
sentimentos explicitamente convocados: «triste amor», «esperança», «ternura»,
«alegria», «melancolia»);
- brevidade do texto
poético, mas também centralidade do tema da efemeridade da vida (e da fugacidade
da paixão);
- caráter celebratório do
poema, canto de eternização do amor;
- …
(Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário.
12.º Ano de Escolaridade (Dec.-Lei nº 286/89, de 29 de agosto). Curso Geral –
Agrupamento 4. Prova Escrita de Português A nº 138 e respetivos critérios de classificação. Portugal, GAVE [IAVE], 2001, 1.ª fase,
2.ª chamada)
Variações do autor entre “Poema da vida breve” e “Canção breve”
POEMA
DA VIDA BREVE
Tudo
me prende à terra que te dei
—o
sol dependurado nas esquinas,
as
crianças descuidadas como um rio
e
os olhos rasos de água que cantei.
Tudo
me prende do mesmo triste amor
que
há em saber que a vida pouco dura,
e
nela ponho a esperança e o calor
e
um pássaro de versos e brancura.
Dizem
que há outros céus e outras luas
e
outros olhos densos de alegria,
mas
eu sou destas casas, destas ruas,
deste
amor a escorrer melancolia.
Eugénio de Andrade, Os
amantes sem dinheiro, Lisboa, Centro Bibliográfico, 1950
“Poema da vida breve”
“Canção breve”
(in Os amantes sem dinheiro,
Lisboa 1950)
(in Poemas, Porto 1971; Obra
de Eugénio de Andrade / 1, Porto 1973; Poesia e prosa, Lisboa
1990, vol. I)
1. Tudo me prende à terra que te dei
2. —o sol dependurado nas esquinas,
3. as crianças descuidadas como um rio
4. e os olhos rasos de água que cantei.
1. Tudo me prende à terra onde me
dei:
2. o rio subitamente adolescente,
3. a luz tropeçando nas esquinas,
4. as
areias onde ardi impaciente.
5. Tudo me prende do mesmo triste amor
6. que há em saber que a vida pouco
dura,
7. e nela ponho a esperança e o calor
8. e um pássaro de versos e brancura.
5. Tudo me prende do mesmo triste amor
6. que há em saber que a vida pouco
dura,
7. e nela ponho a esperança ou o
calor
8. de uns dedos com restos de
ternura.
No "Poema
da vida breve", depois em "Canção breve", todo o primeiro verso
introduz alterações macroscópicas. O texto é composto por quatro estrofes (a
última não é levada em consideração porque não propõe variantes
significativas), está presente em todas as edições consultadas posteriores à
primeira que, como no caso anterior, relatam a mesma versão do texto, e não
está sujeito a deslocamentos de localização na estrutura geral da coleção.
A ligação declarada
com a terra: "Tudo me prende à terra que te dei" depois "Tudo me
prende à terra onde me dei" expressa-se na ambivalência dos elementos
citados, que se mantém em parte na passagem do primeiro para a segunda versão:
as qualidades humanas são atribuídas aos elementos da natureza.
A luz do sol
do segundo verso e o rio do terceiro na primeira versão parecem ser o ímpeto a
partir do qual a reelaboração começa; o rio, no entanto, não é mais objeto de
uma similitude ("as crianças descuidadas como um rio"), mas torna-se
ele próprio sujeito de uma transformação repentina ("o rio subitamente
adolescente").
A nova
elaboração do quarto verso, que provoca o desaparecimento da repetida analogia
entre as lágrimas dos olhos e as extensões de água que formam a paisagem
("os olhos rasos de água que cantei"), prefere agora o calor
escaldante das areias, onde o desejo frenético do corpo ganhava vida ("as
areias onde ardi impaciente"). Ardor da terra e beijos no primeiro exemplo
citado, fervor da sexualidade no segundo.
O último verso da
segunda estrofe, também radicalmente transformado (só se mantém a rima em -ura:
brancura-ternura), afirma a intervenção da fisicalidade, que agora se
combina com uma relação diferente com o tempo: o pássaro do verso e da brancura
e entre os dedos só resta o calor gerado por algum resquício de ternura. O
ardor inicial foi assim transformado no ténue impulso que a memória pode
oferecer.
Eugénio de Andrade, Poesia
e Prosa (1940-1979), Lisboa, IN-CM, 1980
Nota:
Elegia: poesia de assunto triste ou de lamentação.
Elabore
um comentário do poema que integre o tratamento dos seguintes tópicos:
- importância das marcas de tempo;
- valor simbólico dos elementos da natureza;
- recursos estilísticos e aspetos formais
significativos;
- traços caracterizadores do estado de espírito do
sujeito poético.
EXPLICITAÇÃO DE CENÁRIOS DE RESPOSTA
Importância
das marcas de tempo
A
importância das marcas de tempo é visível no poema na medida em que:
-
o uso exclusivo, na primeira estrofe, do pretérito imperfeito do indicativo
(«era», «cabia», «estavam» - vv. 1, 3, 5 e 8) e a predominância, na segunda
estrofe, do presente do indicativo («vêm», «está», «é», «estão», «ocultam» -
vv. 11, 15, 16 e 17), reforçada pelo advérbio de tempo («Hoje» - v. 9),
sublinham a oposição passado/presente como uma linha estruturante do texto;
-
a inclusão de «domingo» no título salienta, desde logo, a excecionalidade desse
dia da semana para o sujeito poético, sugerindo, ainda, pela ligação com
«elegia», a ideia de que é um tempo recordado com tristeza;
-
a dupla ocorrência do vocábulo «domingo» no corpo do poema (vv. 1 e 15) reforça
a importância deste dia, que ganha uma conotação positiva quando associado ao
passado e à presença do «tu» (cf. 1.ª estrofe), e um valor negativo quando é
lido em função do presente do sujeito, tempo da ausência do ser amado (cf. 2.ª
estrofe);
-
a oposição passado/presente põe em evidência a perda de um estado emocional
eufórico e a presença de um outro disfórico, a passagem de uma temporalidade
feliz e intensa para uma temporalidade longa, porque dolorosa («0 domingo era
uma coisa pequena.» - v.1, «0 domingo [...] é grande» - vv. 15-16);
-
…
Valor
simbólico dos elementos da natureza
A
natureza representada no texto assume diversos sentidos simbólicos. Assim,
pode:
-
configurar, por via das metáforas utilizadas («montes», «rios», «nuvens» e
«rosas»), um lugar edénico que o «eu» perde na ausência do «tu»;
-
tornar-se obstáculo que impede o sujeito de recuperar o lugar e o tempo
paradisíacos, pois os «montes», «distantes», «ocultam/ os rios e as nuvens/ e
as rosas» (vv. 17-19);
-
fornecer elementos para o retrato alegórico do «tu» - as «mãos», em que estão
contidos os traços da paisagem, e a «boca», onde reside a beleza das «rosas»
(vv. 4-8);
-
…
Recursos
estilísticos e aspetos formais significativos
De
entre os diversos recursos estilísticos, salientam-se:
-
as metáforas em série («montes», «rios», «nuvens» e «rosas»), utilizadas ao
longo do poema, contribuindo para a construção da imagem de uma terra
primordial, edénica, marcada por harmonia e plenitude;
-
a enumeração, repetida e reordenada, intensificando as noções quer de
constituição (cf. w. 5-6) quer de perda (cf. vv. 9-11, 13-14, 17-19) do
lugar-tempo paradisíaco; associado à enumeração, o polissíndeto recria uma
semelhança com a linguagem infantil, realçando, nos vv. 5-6, uma emotividade
feliz e, nos vv. 13-14, 18-19, a lembrança dolorosa do paraíso perdido;
-
os artigos definidos («O», «OS» e «as»), individualizando as coisas nomeadas e
criando, assim, com elas uma relação de proximidade;
-
o discurso parentético e as reticências (vv. 12-14), evidenciando, pela pausa
reflexiva, o sentimento de perda que domina o sujeito poético;
-
…
Quanto
aos aspetos formais significativos, há que destacar, entre outros:
-
o versilibrismo desta composição poética, de duas estrofes de versos
heterométricos, recriando um ritmo próximo da fala;
-
a irregularidade estrófica, com recurso a uma oitava e a uma estrofe de onze
versos (ocultando uma organização lógico-discursiva que remete para os modelos
canónicos de estrofes – dísticos e tercetos, com exceção do monástico de
abertura do poema);
-
…
Nota
- Para a atribuição da totalidade da cotação referente ao conteúdo deste tópico
do comentário, é considerada suficiente a apresentação de quatro aspetos
(estilísticos e/ou formais).
Traços
caracterizadores do estado de espírito do sujeito poético
O
estado de espírito do sujeito poético é caracterizado pelos seguintes traços:
-
nostalgia, recordando com mágoa o tempo edénico partilhado com o «tu»;
-
solidão, sofrendo com a ausência do «tu» e desejando a sua presença;
-
lucidez, tendo consciência da perda da plenitude e beleza que do ser amado
emanavam;
-
desespero contido, confrontando-se com a certeza da alteração irreversível da
medida do tempo («domingo») - breve e feliz no passado, longo e infeliz no
presente;
-
…
(Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário.
12.º Ano de Escolaridade (Dec.-Lei nº 286/89, de 29 de agosto). Curso Geral –
Agrupamento 4. Prova Escrita de Português A nº 138 e respetivos critérios de classificação. Portugal, GAVE [IAVE], 2000, 1.ª
fase, 1.ª chamada)
Leitura orientada do poema "De tarde", de Cesário Verde.
Síntese
do conteúdo de cada estrofe:
1.ª)
indício de algo singularmente belo ocorrido num piquenique.
2.ª)
relato da situação de uma mulher colhendo um ramo de papoilas.
3.ª)
descrição do piquenique/merenda.
4.ª)
o encanto provocado pelas papoilas colocadas no decote.
Divisão
do poema em partes lógicas:
1.ª
parte (I): introdução, apresentando o texto como uma aguarela que representa um
piquenique passado, onde ocorreu um acontecimento singular.
2.ª
parte (II e III): descreve o piquenique com pormenorização de acções e cores.
3.ª
parte (IV): (reflexo que a «coisa
simplesmente bela» teve no interior do sujeito) a recordação que ficou desse
piquenique: o ramalhete de papoilas vermelhas a contrastar com a brancura dos
seios dessa mulher.
Presença
do sujeito poético:
A
imagem concebida de «uma coisa bela» permite que o sujeito poético passe de simples
observador (do cenário dos movimentos) para elemento do grupo observado («nós
acampámos»), mas participante privilegiado do momento de encanto.
Relação
entre o piquenique do poema e o estado de espírito do sujeito lírico:
O
piquenique em que o sujeito lírico participou (Nós acampámos,
v. 10) teve a característica de permanecer na sua lembrança, daí o assunto do
poema, devido a um acontecimento simples («sem ter história nem grandezas», v.
3) mas que o eu lírico destaca como algo singularmente belo («Houve uma coisa
simplesmente bela», v.2). Num misto de satisfação e saudade, o sujeito recorda
e relata com pormenor e vivacidade a situação de uma mulher a colher um ramo de
papoilas («Foi quando tu […] / Foste
colher […] / Um
ramalhete rubro de papoulas», vv. 5-8), bem como o contraste provocado pela cor
vermelha das papoilas junto da pele branca dessa mulher («[…] todo púrpuro,
a sair da renda / Dos teus dois seios como duas rolas, / […] / O ramalhete
rubro das papoulas», vv. 13-16). Tal lembrança pode funcionar como uma
tentativa de alimentar o ego do sujeito, já que recorda uma situação passada
(note-se o predomínio dos pretéritos perfeito e imperfeito), aparentemente
insignificante, mas que, pelos laivos de sensualidade e erotismo que deixa
transparecer, leva-nos a pensar se o que resta de uma relação ou o que ainda
acalenta o prazer do eu lírico.
Tema: a lembrança de um piquenique.
Assunto: recordação de um momento passado em que,
num piquenique, o apanhar de um ramo de papoilas e a sua colocação num decote
rendilhado o torna singular e inesquecível.
Poema
narrativo / descritivo:
-relato de um
episódio – acção sequencial;
-enumeração
das cores e outros aspectos que compõem o cenário;
-predomínio do
pretérito perfeito do indicativo que atribui à acção narrada um carácter
concluído e passado, uma acção localizada num determinado tempo mas sem
continuidade no presente;
-pretérito
imperfeito do indicativo empresta à acção passada um certo cariz durativo
(«inda o sol se via», v. 10) ou conferindo-lhe uma tonalidade narrativa («Em
todo o caso dava uma aguarela», v.4; «Era o supremo encanto da merenda», v.
15);
-expressões
temporais («Foi quando tu», v. 5; «Pouco depois», v. 9; «inda o sol se via», v.
10), conferindo assim dinamismo ao relato presente nas três estrofes
iniciais.
Vasco Graça Moura, em Várias Vozes,
analisa «De Tarde», poema de Cesário Verde, como uma aguarela, o que pode ser
comparado «a um processo cinematográfico avant la lettre, um pouco como
um filme colorido cuja montagem possa ser feita pelo encaixar ou encadear
sucessivo de quatro secções de estrutura semelhante, em que se parte sempre do
mais para o menos, do todo que enche o campo visual para o pormenor nele
contido e posto em destaque, até a transição final do grande plano para a mancha
(de cor) pura e simples, havendo ainda a notar os contrastes de cor que se vão
sucedendo e ainda que até não falta o "genérico" inicial» (Moura
1987: 23).
Destacam-se
três quadros descritivos:
1.º)
Plano geral da mulher a descer do burro e a colher papoilas num granzoal (II).
2.º)
Plano geral de ambos em cima duns penhascos envoltos dos alimentos (III).
3.º)
Grande plano: dos seios e das papoilas. (IV).
Visão
plástica do poeta-pintor
conseguida pelo registo do pormenor de «uma coisa simplesmente bela» (v. 2),
digna de ser pintada:
-o cenário do
campo: do granzoal (v.7) e dos penhascos (v.9), onde acampam para o piquenique
de burguesas (v.1);
-o fim de
tarde («inda o Sol se via», v. 10);
-os alimentos:
os frutos como o melão e os damascos; o pão-de-ló e o vinho malvasia;
-as cores
fortes azul («[…] um granzoal azul
de grão-de-bico», v. 7) e vermelha («Um ramalhete rubro de papoulas»,
v.8), os tons de amarelo ou dourado («Sol», v. 10; «[…] talhadas de
melão, damascos, / E pão-de-ló molhado em malvasia», vv. 11-12), bem como a cor
branca da renda e dos seios («[…] como duas rolas», v. 14) emprestam a este
texto a coloração necessária para se estabelecer a analogia com uma aguarela,
como o próprio sujeito lírico anuncia no verso 4. São as cores que emprestam a
qualquer reprodução pictórica beleza, vivacidade, realismo, intemporalidade, as
protagonistas desta tela. Entre elas, sobressaem o azul e o vermelho que, pela
sua força característica, conferem lugar de destaque aos objectos que
caracterizam – o granzoal e o ramalhete. Contrastando com a sua intensidade,
está o branco da roupa interior e da pele da mulher. As restantes cores
presentes, mais homogéneas entre si, quer se refiram ao sol, ao melão, quer aos
damascos ou ao pão-de-ló, traduzem a visão atenta do sujeito, a intenção de não
deixar qualquer pormenor esquecido, qualquer ponto da tela sem cor.
Sensualidade
do quadro, com o
«ramalhete rubro das papoulas» a emergir dos dois seios da jovem. A imagem das
«duas rolas», a que compara os seios, associa-se fortemente a uma simbologia de
ternura e de relação sensual. Assim, a expressão «dos teus seios» é uma
sinédoque, ao permitir visualizar o corpo sensual da mulher.
Leitura
comparativa dos versos 8 e 16:
O
verso que refere a realidade central do poema (ramo de papoilas) encontra-se em
posição central e final, para assim conseguir maior efeito e destaque, quer
pela reiteração, quer pelas posições que ocupa. Apenas há a distinguir nestas
duas ocorrências o determinante, que no verso 8 é o artigo indefinido e no verso
16 é o artigo indefinido. O primeiro tem como objectivo não concretizar, não
especificar, não atribuir especial importância
àquele ramalhete, já que se afirma sem grande emoção, objectivamente, o
facto de uma mulher ter ido apanhar um. O segundo pretende tirar do
abstracto, aquele ramo de papoilas, que, por ter provocado todas aquelas
sensações e recordações, merece ser individualizado como o ramalhete e
acrescentar-lhe uma exclamação como reforço de tais sentimentos.
(Fonte: adaptado de Sugestões
de análise com propostas de resolução de textos líricos, Dulce Teixeira e
Lurdes Trilho, Porto Ed., 1999 e Acesso ao ensino superior. Português 12.º
ano – A e B, Vasco Moreira e Hilário Pimenta, Porto Editora, 2000.)
Questionários sobre a leitura do poema
"De tarde", de Cesário Verde.
Apresente, de forma bem
estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.
1.Explicite a
função da primeira quadra na estrutura do poema.
2.Indique três
traços caracterizadores do «tu», fundamentando a resposta em elementos do
texto.
3.Refira as
sensações representadas no poema, justificando a resposta com citações.
4.Identifique
dois recursos estilísticos presentes no texto, analisando o efeito expressivo
de cada um deles.
Explicitação de cenários de resposta
1. A primeira quadra tem a função
de apresentar, em traços genéricos, um determinado quadro social e de nele
inscrever uma ocorrência significativa («cousa simplesmente bela» – v. 2),
criando a expectativa de que tal ocorrência será o assunto do poema. Para
fundamentar esta resposta, podem ser referidos, entre outros, os seguintes
elementos dessa estrofe:
– é identificada uma situação – um «pic-nic» (v. 1);
– os intervenientes são apresentados como um grupo de «burguesas» (v.
1);
– é anunciada uma «cousa» caracterizada como «bela» (v. 2) e simples;
– essa «cousa» (v. 2) é apresentada como um motivo de «aguarela» (v.
4), induzindo a sua associação a valores pictóricos;
– ...
2. O «tu»
apresenta, entre outros, os seguintes traços caracterizadores:
– surge integrado no grupo de «burguesas» (v. 1)
referido na abertura do poema;
–
individualiza-se do grupo, ao descer do «burrico» (v. 5) para ir colher um
«ramalhete [...] de papoulas» (v. 8);
– distingue-se
pela ausência de pose, impondo-se pela simplicidade que marca uma atitude «sem imposturas
tolas» (v. 6);
– traz «renda»
(v. 13) a rematar o decote, o que sugere um modo de vestir próprio da elegância
citadina;
– age com
naturalidade, colocando o «ramalhete» de «papoulas» (vv. 8 e 16) entre «os
seios» (v. 14), a «sair da renda» (v. 13);
– ...
3.
Predominam as sensações (ou imagens) visuais, na descrição de três quadros
sucessivos – o tu» (v. 5) que desce do «burrico» (v. 5) e colhe o «ramalhete»
de «papoulas» (v. 8); o «pic-nic» (v. 1) em cima duns «penhascos» (v. 9), num
fim de tarde soalheiro; o ramo de «papoulas» entre os «seios», «a sair da
renda» (vv. 13-14) – e, igualmente, no destaque dado às cores – «azul»;
«rubro»; «púrpuro» – vv. 7, 8, 13 e 16.
Há também uma forte sugestão de sensações
gustativas no enumerar de elementos da «merenda» (v. 15): frutas doces e
frescas, «pão-de-ló» (v. 12), vinho licoroso.
Estes dois tipos de sensações comunicam ao
poema uma ambiência de viva representação sensorial e realista.
4.
Estão presentes no poema, entre outros, os seguintes recursos estilísticos:
– a adjetivação simples, em posposição
(«bela», «tolas», «azul», «rubro», «rubro» – v. 2, v. 6, v. 8 e v. 16) e em
anteposição («supremo»), salientando a expressividade sensorial do quadro representado;
– as aliterações em /r/ («ramalhete rubro»
– vv. 8 e 16) e em /z/ («granzoal azul» – v. 7), sublinhando as imagens
visuais;
– a anáfora («E houve […] / E pão-de-ló
[…]» – vv. 11-12), conjugada com a enumeração («talhadas de melão, damascos» –
v. 11), tanto reiterando e amplificando os elementos da «merenda» (v. 15) ao dispor
dos convivas, como criando uma forte sugestão de sensações gustativas;
– a comparação («Dos teus dois seios como
duas rolas» – v. 14), evidenciando, pela associação estabelecida entre «seios»
e «rolas» (v. 14), a atenção do olhar do «eu» dirigido à figura feminina;
– a repetição de versos (8 e 16), com uma
pequena variante: a substituição do artigo indefinido «Um» (v. 8) pelo artigo
definido «O» (v. 16), exprimindo a alteração do estatuto do «ramalhete rubro»,
que deixa de ser um qualquer e passa a ser algo singular, único, conotando a
sensualidade associada à figura feminina;
– o hipérbato, pondo em destaque, nos dois
últimos versos do poema, pela inversão da ordem natural do sujeito e do
predicado, o motivo central do poema («O ramalhete rubro das papoulas» – v.
16);
1.
Divida o texto nas suas partes lógicas. justificando a resposta.
2.
Indique as imagens do poema que podem ser associadas a uma aguarela.
3.
Refira os traços principais que definem a figura feminina.
4.
Mostre de que modos o espaço e o tempo são representados.
5.
Identifique, no poema, dois traços característicos da poesia de Cesário Verde.
Explicitação
de cenários de resposta
1.
O poema pode dividir-se em duas partes lógicas: a primeira é constituída pelas
três primeiras quadras e a segunda, pela última.
Na primeira parte conta-se uma cena passada
no campo; na segunda mostra-se uma imagem única, que é dada como «supremo
encanto». A primeira parte é “narrativa", ao passo que a segunda é
"descritiva".
Nota -
Aceita-se, ainda, a seguinte divisão:
As duas primeiras quadras, por um lado, e a
terceira e a quarta, por outro.
A primeira parte está centrada numa parte do
passeio de burrico, aquela em que o «tu» vai colher as papoulas; a segunda tem
a ver com o «pic-nic», «em cima duns penhascos».
2.
São três as imagens que podem ser associadas a uma aguarela.
Uma é
a do «pic-nic» propriamente dito, em que aos tons magenta do crepúsculo («inda
o sol se via»), ou, pelo menos, aos tons mais doces do fim da tarde, se juntam
as cores claras das frutase do pão-de-ló.
As
outras duas estão relacionadas entra si: a primeira, a da uma dama que colha um
«ramalhete rubro» de papoulas num «granzoal azul»; a segunda, a desse «ramalhete
rubro» de papoulas visto, por assim dizer, em grande plano, no colo da figura
feminina.
3.
A figura feminina representada é uma dama da cidade, uma "burguesa". Destaca-se
das outras pelas suas maneiras simples, «sem imposturas tolas». Mostra-se
coquete no seu gesto de garridice, ao pôr entre os seios o «ramalhete rubro».
Revela uma afinidade certa com a natureza, pois é vista no campo a colher flores
e, depois, a confundi-las consigo, ou a juntar as flores à sua própria pele. Essa
afinidade com a natureza surge acentuada pela comparação dos seios com «duas
rolas».
É a figura feminina que centraliza toda a
representação que o poema propõe e que, primeiro vislumbrada ao longe, acaba
por ser vista em primeiro plano, e já com exclusão de todos os outros elementos
figurativos, na última quadra.
4. O
espaço é o campo que é atravessado num passeio de burrices, uma "burricada”
através do campo, do qual é dado a ver um «granzoal azul» com papoulas; depois,
é uma elevação de terreno (uns «penhascos») propícia à merenda.
O tempo é o de uma tarde que se escoa até
ao fim, o momento do crepúsculo ou muito próximo dele.
5.
Exemplos de traços característicos da poesia da Cesário:
-
descritivismo e visualismo;
-
simplicidade de processos estilísticos, ligada ao desejo de realismo;
-
presença da natureza, na sua direta relação com as figuras femininas (as «burguesas»,
citadinas que gostam do campo);
-
referência à oposição cidade/campo, evidente no relato de um passeio ao campo
de alguém que habita na cidade;
-
…
(Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário. Cursos Complementares Noturnos
- Liceal e Técnicos. Prova escrita de Português n.º 537 (Índole Científica). Portugal,
1999, 2.ª fase)
***
1. "Naquele pic-nic de burguesas / [...]/ Em todo o caso dava uma aguarela." (vv. 1 a 4)
1.1. Explique o sentido da palavra "aguarela", identificando o elemento referido pelo poema, que a poderia "dar".
1.2. Explicite o que significa neste contexto a expressão "em todo o caso".
2. "Foi quando tu, descendo do burrico / [...]/ Um ramalhete rubro de papoulas." (vv. 5 a 8)
2.1. Identifique o recurso estilístico patente nos versos 7 e 8, comentando o seu efeito expressivo.
2.2. Saliente a importância do verso 8 no poema; compare-o com o verso 16 e interprete as diferenças existentes entre eles.
3. "Pouco depois, em cima duns penhascos, /[...]/ E pão-de-ló molhado em malvasia" (w. 9 a 12).
3.1. Demonstre a presença da sugestão de cor, interpretando o seu valor estético.
3.2. Refira duas das características gerais da poesia de Cesário Verde, patentes neste poema.
4. "Mas, todo púrpuro a sair da renda [ ... ] O ramalhete rubro das papoulas" (vv. 13 a 16).
4.1. Esclareça a função da conjunção "Mas".
4.2. Identifique o recurso estilístico presente no verso 14 e demonstre a sua expressividade.
4.3. Comente os sentimentos do sujeito lírico expressos na última estrofe do poema.
(Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 337 - Formação Geral 11.º ano - Prova escrita de Português, 1997, 1.ª fase, 1.ª chamada)
Vladimir Volegov
CARREIRO, José. “De
tarde, naquele «pic-nic» de burguesas, Cesário Verde”. Portugal, Folha
de Poesia, 08-09-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/09/de-tarde-cesario-verde.html