Ao rio perguntei por meu amigo
aquele que há tanto é partido,
e por quem morro, ai!
Ao rio perguntei por meu amado
e u será que ele se há banhado,
e por quem morro, ai!
Aquele que há tanto é partido
u lavou triste seu corpo velido,
e por quem morro, ai!
Aquele que há tanto é 'longado
e u será que se foi lavado,
e por quem morro, ai!
Ao rio perguntei por meu amigo
e u se lavou de dormir comigo,
e por quem morro, ai!
Ao rio perguntei por meu amado
e u se lavou de nosso pecado,
e por quem morro, ai!
E u se lavou de dormir comigo
e seu retrato foi nas águas vivo,
e por quem morro, ai!
E u se lavou de nosso pecado,
aquele que há tanto é 'longado,
e por quem morro, ai!
As três donzelas vinham cantando pela margem do rio uma cantiga que uma delas, de repente, começara de improvisar; e as vozes das três juntavam-se para repetir variada cada estrofe que a primeira primeiro cantava. Os passos delas mal se sentiam, não fora os vestidos que roçagavam leves a verdura, e elas seguravam na ponta dos dedos.
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Num leve espadanar de nuvens pálidas que da verdura se elevavam com seus passos, as três deusas, pois se via que eram elas, vinham vindo nuas, de cabelos soltos, e os seios delas devagar dançavam rijos, enquanto as coxas alternavam de róseo brilho a cada lado dos negros triângulos, e os braços se erguiam, ondulantes, mostrando o doce côncavo sombrio.
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Nisto, a primeira, que vinha um pouco adiantada, tremeu da voz, e calou-se num ciciado sopro e, silenciando as outras com um gesto, com outro gesto apontou. As três ficaram a olhar aquele jovem resplandecente, cuja pele era de mármore sombreado de pêlos que, na cabeça, eram uma suave cabeleira loira. E, vendo-o suspirar, entreolharam-se e desviaram de pudor os olhos ante maravilha tal, em que tudo era mais e maior que uma donzela se atrevia a imaginar.
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De súbito, as deusas pararam e fitaram-no risonhas, e, com os olhos brilhando como fogo, mediam-no deitado, da cabeça aos pés. Um cálido tremor o percorreu, e um anseio opresso lhe ocupou o peito: suspirou.
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Mas logo o pudor delas se lhes transformou num afogueado fascínio. E os olhos que se haviam desviado perscrutaram em volta, a ver se ele estava só. E aproximaram-se um pouco mais. O cavalo, que ficara fitando-as, sacudiu a cabeça e relinchou de leve.
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As deusas, sorrindo do suspiro dele, avançaram mais. E era como que uma ardência o olhar delas, que pelo seu corpo se pregava, e a que o corpo, palpitando, correspondia pouco a pouco. Cupidinhos esvoaçaram tocando flautas.
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Elas estremeceram, e pararam, como congeladas, no medo que ele despertasse. Mas ele apenas respirou mais fundo, entrecortadamente, como se outro respirar do sangue, convergindo, interferisse no exalar opresso.
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E as deusas tremularam na neblina que as envolvia agora, com os olhos incitando-o a que se não movesse. E ele apenas se espreguiçou, para que o corpo se expusesse mais, no torpor violento que o invadia.
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Foi quando à volta dele surgiu repentinamente um precipitado redemoinho que o envolvia, com regougos ciciados. As donzelas, de olhos esbugalhados, não ousavam entender o que se passava, nem a inocência delas o entenderia. As deusas sucediam-se num turbilhão por sobre ele, um turbilhão em que os seios saltavam, e era uma noite ardente que humidamente o cobria e em que ele se enterrava. Uma dolorida e prazeirosa cócega o percorreu num arranco. As donzelas recuaram aterradas para as árvores próximas, como se tivesse de repente chovido uma água em que as deusas se embebiam. E ele, estendendo os braços num abraço enclavinhado, abriu os olhos e imaginou que, satisfeita enfim a sede de tantos anos, o Demónio o deixaria para sempre.
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2011/09/09/FisicoProdigioso.aspx]
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