NIRVANA
(A Guerra Junqueiro)
Para além do Universo luminoso,
Cheio de formas, de rumor, de lida,
De forças, de desejos e de vida,
Abre-se como um vácuo tenebroso.
A onda desse mar tumultuoso
Vem ali expirar, esmaecida…
Numa imobilidade indefinida
Termina ali o ser, inerte, ocioso...
E quando o pensamento, assim absorto,
Emerge a custo desse mundo morto
E torna a olhar as coisas naturais,
À bela luz da vida, ampla, infinita,
Só vê com tédio, em tudo quanto fita,
A ilusão e o vazio universais.
Cheio de formas, de rumor, de lida,
De forças, de desejos e de vida,
Abre-se como um vácuo tenebroso.
A onda desse mar tumultuoso
Vem ali expirar, esmaecida…
Numa imobilidade indefinida
Termina ali o ser, inerte, ocioso...
E quando o pensamento, assim absorto,
Emerge a custo desse mundo morto
E torna a olhar as coisas naturais,
À bela luz da vida, ampla, infinita,
Só vê com tédio, em tudo quanto fita,
A ilusão e o vazio universais.
(entre 1860 e 1884)
Antero de Quental, Sonetos Completos
LINHAS DE LEITURA
• De um lado, o Universo cheio de formas; do outro, o vácuo, o nada.
• O Nirvana é esse nada, o Não-Ser onde termina todo o ser.
• À luz do Nirvana, tudo é ilusão. Buda disse-o no seu famoso sermão do qual transcrevemos as quatro grandes verdades, após este poema.
• É evidente que se tudo acaba no nada, nada vale a pena. Mas o Nirvana não pode ser apenas visto pelo seu lado negativo, pois aponta para a paz. O Nirvana é o céu do budismo; atrai os budistas como o céu atrai os cristãos.
• Notar o vocabulário conotador de movimento e o vocabulário conotador de imobilidade.
João Guerra e José Vieira, Aula Viva – Português A. 12º Ano, 1º vol, Porto Editora, 1999
TEXTO DE APOIOS
Sermão de Benares: as Quatro Santas Verdades de salvação
a) "Estes dois extremos têm de evitar os monges...: a procura do desejo e do prazer...; e a procura do sofrimento e do que é desagradável. O caminho médio do Tathagta (Buda) evita esses dois extremos, é um caminho esclarecido... e conduz à iluminação, ao NIRVANA... "
b) "Esta é, ó monges, a nobre verdade do origem da dor: a sede que conduz a nascer de novo, acompanhada pelo prazer e a paixão, que busca satisfação cá e lá; a sede de prazer de existir, a sede de não ser."
c) "Esta é, ó monges, a nobre verdade da supressão da dor; a extinção dessa sede, pela supressão completa do desejo, renunciando a ela, libertando-se dela, privando-se de todo o apego a ela."
d) "Esta é, ó monges, a via que conduz à extinção da dor: este é o nobre óctuplo caminho: reta visão, reta intenção, reto discurso, reta conduta, retos meios de subsistência, reto esforço, reta memória e reta concentração."
Sermão pronunciado por Buda
*
O Nirvana é o céu do budismo, a religião mais filosófica e menos fantasmagórica inventada pelos homens. É por este motivo que o budismo atrai hoje todos os espíritos a um tempo racionalistas e místicos, desta época em tudo semelhante à alexandrina, menos no volume do saber positivo, que já se não compadece com muitas das teorias sobre que os neoplatónicos especulavam. A teoria da Substância levou-os a eles a uma conceção do ser que produziu o mito do Verbo cristão, encarnado popularmente em Jesus Cristo. Ora hoje tudo isso vale apenas como documento histórico, e, por paradoxal que isto pareça, o Não-Ser é, segundo a metafísica contemporânea, a essência de tudo o que existe. O Absoluto é o Nada. […]
"Um helenismo coroado por um budismo" eis a fórmula com que mais de uma vez Antero de Quental me tem exprimido o seu pensamento ‑ a sua quimera! Quimera, digo, porque a coroa não nos pode assentar na cabeça, sob pena de a crivar de espinhos e de a deixar escorrendo sangue. Fundar o princípio da ação na inércia sistemática, a realidade no Não-Ser, a vida no aniquilamento, só é praticamente aceitável para o comum dos homens quando acreditam na metempsicose […].
Pobre humanidade, se se visse condenada à coroação budista!
Oliveira Martins, Prefácio a Sonetos
*
A meditação anteriana da morte compreende uma metafisica da finitude assente numa perspetiva ética da mortalidade física, indagadora do seu valor idealista como forma de relação da realidade e do absoluto. A morte parece adunar-se ao Espírito como sua expressão ativa: ela surge a Antero como um apelo do absoluto a que o homem se transcende a si próprio e se reerga a cada instante pelo ânimo de valores espirituais. Manifestação do etemo à consciência humana, a morte fica a estruturar a dimensão quotidiana da vida, descobrindo-se, de um ponto de vista teorético, como categoria da razão prática.
Encontramos assim definida uma dupla dimensão do problema da morte em Antero: a morte como ideia ou categoria estruturadora da ação e a morte como morte física, culminando numa tese da imortalidade monádica cuja principal linha de força está na descoberta de que a realização espiritual do indivíduo é a progressiva linha de conquista da sua parte imortal, superadora portanto da mortalidade física.
Manuel Cândido Pimentel, "O sentir idealista da morte no pensamento filosófico de Antero de Quental",
in Actas do Congresso Anteriano Internacional.
SUGESTÕES DE LEITURA
► Para Jill Bolte Taylor, o nirvana está a apenas um pensamento de distância e qualquer um pode atingi-lo sem ter que passar por tamanho trauma físico. "De uma perspetiva biológica, felicidade é o estado natural para o lado direito do meu cérebro", escreve. Para saber mais: palestra de Jill Taylor no TED. http://abr.io/1Xl1
TED2008 · Filmed February 2008 · 18:19
Como não conseguia identificar a posição do meu corpo no espaço, sentia-me enorme e expansiva, como um génio liberto da garrafa. O meu espírito subiu livre, como uma grande baleia a deslizar pelo mar da euforia silenciosa. Nirvana. Eu encontrei o Nirvana. E lembro-me de pensar que nunca conseguiria espremer a enormidade em mim mesma dentro deste pequeno corpo. Mas apercebi-me: "Mas eu ainda estou viva! Ainda estou viva e encontrei o Nirvana. Se eu encontrei o Nirvana e ainda estou viva, então todos os que estão vivos podem encontrar o Nirvana."
SUGESTÃO DE LEITURA:
à Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões
para análise literária de textos de Antero de Quental, por José Carreiro. In:
Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, 2021
(3.ª edição) <https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/Lit-Acoriana/antero-de-quental>
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/10/14/nirvana.aspx]
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