Ode Triunfal - desenho de Pedro Sousa Pereira |
Tem sido seleta, desde sempre, a escolha dos versos da Ode Triunfal a constar nos manuais escolares portugueses.
Apresenta-se aqui, em vídeo e por escrito, a versão não truncada e "politicamente incorreta" da Ode Triunfal.
A
célebre Ode de Álvaro de Campos encerrou a edição "Ler é Fernando
Pessoa", do Bairro dos Livros, a 8 de Junho de 213, que celebrou os 125
anos do nascimento do autor de "Mensagem", com uma maratona de 125
poemas lidos e interpretados pelo actor e divulgador de poesia Nuno Meireles.
Este poema, o 125º do dia, foi lido às portas da Livraria Moreira da Costa, ao
final da noite, depois de mais de 6 horas de leituras públicas nas livrarias da
cidade.
ODE TRIUNFAL
1
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À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da
fábrica
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2
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Tenho febre e escrevo.
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3
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Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza
disto,
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4
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Para a beleza disto totalmente desconhecida dos
antigos.
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5
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Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
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6
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Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
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7
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Em fúria fora e dentro de mim,
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8
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Por todos os meus nervos dissecados fora,
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9
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Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
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10
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Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
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11
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De vos ouvir demasiadamente de perto,
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12
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E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um
excesso
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13
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De expressão de todas as minhas sensações,
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14
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Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!
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15
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Em febre e olhando os motores como a uma Natureza
tropical —
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16
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Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força —
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17
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Canto, e canto o presente, e também o passado e o
futuro,
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18
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Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
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19
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E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das
luzes eléctricas
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20
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Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e
Platão,
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21
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E pedaços do Alexandre Magno do século talvez
cinquenta,
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22
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Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do
Ésquilo do século cem,
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23
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Andam por estas correias de transmissão e por estes
êmbolos e por estes volantes,
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24
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Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
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25
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Fazendo-me um acesso de carícias ao corpo numa só
carícia à alma.
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26
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Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
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27
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Ser completo como uma máquina!
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28
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Poder ir na vida triunfante como um automóvel
último-modelo!
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29
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Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
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30
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Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me
passento
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31
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A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
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32
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Desta flora estupenda, negra, artificial e
insaciável!
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33
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Fraternidade com todas as dinâmicas!
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34
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Promíscua fúria de ser parte-agente
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35
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Do rodar férreo e cosmopolita
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36
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Dos comboios estrénuos,
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37
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Da faina transportadora-de-cargas dos navios,
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38
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Do giro lúbrico e lento dos guindastes,
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39
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Do tumulto disciplinado das fábricas,
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40
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E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias
de transmissão!
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41
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Horas europeias, produtoras, entaladas
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42
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Entre maquinismos e afazeres úteis!
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43
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Grandes cidades paradas nos cafés,
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44
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Nos cafés — oásis de inutilidades ruidosas
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45
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Onde se cristalizam e se precipitam
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46
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Os rumores e os gestos do Útil
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47
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E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do
Progressivo!
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48
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Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!
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49
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Novos entusiasmos de estatura do Momento!
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50
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Quilhas de chapas de ferro sorrindo encostadas às
docas,
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51
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Ou a seco, erguidas, nos planos-inclinados dos
portos!
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52
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Actividade internacional, transatlântica, Canadian-Pacific!
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53
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Luzes e febris perdas de tempo nos bares, nos
hotéis,
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54
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Nos Longchamps e nos Derbies e nos Ascots,
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55
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E Piccadillies e Avenues de L’Opéra que entram
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56
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Pela minh’alma dentro!
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57
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Hé-lá as ruas, hé-lá as praças, hé-lá-hô la
foule!
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58
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Tudo o que passa, tudo o que pára às montras!
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59
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Comerciantes; vários; escrocs exageradamente
bem-vestidos;
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60
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Membros evidentes de clubes aristocráticos;
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61
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Esquálidas figuras dúbias; chefes de família
vagamente felizes
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62
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E paternais até na corrente de oiro que atravessa o
colete
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63
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De algibeira a algibeira!
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64
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Tudo o que passa, tudo o que passa e nunca passa!
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65
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Presença demasiadamente acentuada das cocotes
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66
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Banalidade interessante (e quem sabe o quê por
dentro?)
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67
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Das burguesinhas, mãe e filha geralmente,
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68
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Que andam na rua com um fim qualquer;
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69
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A graça feminil e falsa dos pederastas que passam,
lentos;
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70
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E toda a gente simplesmente elegante que passeia e
se mostra
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71
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E afinal tem alma lá dentro!
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72
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(Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto
tudo!)
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73
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A maravilhosa beleza das corrupções políticas,
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74
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Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos,
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75
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Agressões políticas nas ruas,
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76
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E de vez em quando o cometa dum regicídio
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77
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Que ilumina de Prodígio e Fanfarra os céus
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78
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Usuais e lúcidos da Civilização quotidiana!
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79
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Notícias desmentidas dos jornais,
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80
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Artigos políticos insinceramente sinceros,
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81
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Notícias passez à-la-caisse, grandes
crimes —
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82
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Duas colunas deles passando para a segunda página!
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83
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O cheiro fresco a tinta de tipografia!
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84
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Os cartazes postos há pouco, molhados!
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85
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Vients-de-paraître amarelos como uma cinta branca!
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86
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Como eu vos amo a todos, a todos, a todos,
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87
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Como eu vos amo de todas as maneiras,
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88
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Com os olhos e com os ouvidos e com o olfacto
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89
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E com o tacto (o que palpar-vos representa para
mim!)
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90
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E com a inteligência como uma antena que fazeis
vibrar!
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91
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Ah, como todos os meus sentidos têm cio de vós!
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92
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Adubos, debulhadoras a vapor, progressos da
agricultura!
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93
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Química agrícola, e o comércio quase uma ciência!
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94
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Ó mostruários dos caixeiros-viajantes,
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95
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Dos caixeiros-viajantes, cavaleiros-andantes da
Indústria,
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96
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Prolongamentos humanos das fábricas e dos calmos
escritórios!
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97
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Ó fazendas nas montras! Ó manequins! Ó últimos
figurinos!
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98
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Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar!
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99
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Olá grandes armazéns com várias secções!
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100
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Olá anúncios eléctricos que vêm e estão e
desaparecem!
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101
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Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é
diferente de ontem!
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102
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Eh, cimento armado, beton de cimento, novos
processos!
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103
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Progressos dos armamentos gloriosamente mortíferos!
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104
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Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos,
aeroplanos!
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105
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Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.
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106
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Amo-vos carnivoramente.
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107
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Pervertidamente e enroscando a minha vista
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108
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Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,
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109
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Ó coisas todas modernas,
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110
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Ó minhas contemporâneas, forma actual e próxima
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111
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Do sistema imediato do Universo!
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112
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Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!
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113
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Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó
Luna-Parks,
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114
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Ó couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes —
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115
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Na minha mente turbulenta e encandescida
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116
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Possuo-vos como a uma mulher bela,
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117
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Completamente vos possuo como a uma mulher bela que
não se ama,
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118
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Que se encontra casualmente e se acha
interessantíssima.
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119
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Eh-lá-hô fachadas das grandes lojas!
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120
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Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios!
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121
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Eh-lá-hô recomposições ministeriais!
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122
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Parlamentos, políticas, relatores de orçamentos,
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123
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Orçamentos falsificados!
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124
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(Um orçamento é tão natural como uma árvore
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125
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E um parlamento tão belo como uma borboleta).
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126
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Eh-lá o interesse por tudo na vida,
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127
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Porque tudo é a vida, desde os brilhantes nas
montras
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128
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Até à noite ponte misteriosa entre os astros
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129
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E o mar antigo e solene, lavando as costas
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130
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E sendo misericordiosamente o mesmo
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131
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Que era quando Platão era realmente Platão
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132
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Na sua presença real e na sua carne com a alma
dentro,
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133
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E falava com Aristóteles, que havia de não ser
discípulo dele.
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134
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Eu podia morrer triturado por um motor
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135
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Com o sentimento de deliciosa entrega duma mulher
possuída.
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136
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Atirem-me para dentro das fornalhas!
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137
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Metam-me debaixo dos comboios!
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138
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Espanquem-me a bordo de navios!
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139
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Masoquismo através de maquinismos!
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140
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Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho!
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141
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Up-lá hô jockey que ganhaste o Derby,
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142
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Morder entre dentes o teu cap de
duas cores!
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143
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(Ser tão alto que não pudesse entrar por nenhuma
porta!
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144
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Ah, olhar é em mim uma perversão sexual!)
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145
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Eh-lá, eh-lá, eh-lá, catedrais!
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146
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Deixai-me partir a cabeça de encontro às vossas
esquinas.
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147
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E ser levado da rua cheio de sangue
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148
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Sem ninguém saber quem eu sou!
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149
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Ó tramways, funiculares, metropolitanos,
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150
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Roçai-vos por mim até ao espasmo!
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151
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Hilla! hilla! hilla-hô!
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152
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Dai-me gargalhadas em plena cara,
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153
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Ó automóveis apinhados de pândegos e de putas,
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154
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Ó multidões quotidianas nem alegres nem tristes das
ruas,
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155
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Rio multicolor anónimo e onde eu me posso banhar
como quereria!
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156
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Ah, que vidas complexas, que coisas lá pelas casas
de tudo isto!
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157
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Ah, saber-lhes as vidas a todos, as dificuldades de
dinheiro,
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158
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As dissensões domésticas, os deboches que não se
suspeitam,
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159
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Os pensamentos que cada um tem a sós consigo no seu
quarto
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160
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E os gestos que faz quando ninguém pode ver!
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161
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Não saber tudo isto é ignorar tudo, ó raiva,
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162
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Ó raiva que como uma febre e um cio e uma fome
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163
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Me põe a magro o rosto e me agita às vezes as mãos
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164
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Em crispações absurdas em pleno meio das turbas
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165
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Nas ruas cheias de encontrões!
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166
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Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a
mesma,
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167
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Que emprega palavrões como palavras usuais,
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168
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Cujos filhos roubam às portas das mercearias
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169
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E cujas filhas aos oito anos — e eu acho isto belo e
amo-o! —
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170
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Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de
escada.
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171
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A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para
casa
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172
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Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
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173
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Maravilhosamente gente humana que vive como os cães
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174
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Que está abaixo de todos os sistemas morais,
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175
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Para quem nenhuma religião foi feita,
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176
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Nenhuma arte criada,
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177
|
Nenhuma política destinada para eles!
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178
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Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
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179
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Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem
maus,
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180
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Inatingíveis por todos os progressos,
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181
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Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!
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182
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(Na nora do quintal da minha casa
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183
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O burro anda à roda, anda à roda,
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184
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E o mistério do mundo é do tamanho disto.
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185
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Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente.
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186
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A luz do sol abafa o silêncio das esferas
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187
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E havemos todos de morrer,
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188
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Ó pinheirais sombrios ao crepúsculo,
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189
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Pinheirais onde a minha infância era outra coisa
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190
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Do que eu sou hoje...)
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191
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Mas, ah outra vez a raiva mecânica constante!
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192
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Outra vez a obsessão movimentada dos ónibus.
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193
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E outra vez a fúria de estar indo ao mesmo tempo
dentro de todos os comboios
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194
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De todas as partes do mundo,
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195
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De estar dizendo adeus de bordo de todos os navios,
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196
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Que a estas horas estão levantando ferro ou
afastando-se das docas.
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197
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Ó ferro, ó aço, ó alumínio, ó chapas de ferro
ondulado!
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198
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Ó cais, ó portos, ó comboios, ó guindastes, ó
rebocadores!
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199
|
Eh-lá grandes desastres de comboios!
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200
|
Eh-lá desabamentos de galerias de minas!
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201
|
Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes
transatlânticos!
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202
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Eh-lá-hô revoluções aqui, ali, acolá,
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203
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Alterações de constituições, guerras, tratados,
invasões,
|
204
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Ruído, injustiças, violências, e talvez para breve o
fim,
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205
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A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa,
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206
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E outro Sol no novo Horizonte!
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207
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Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto
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208
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Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo,
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209
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Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje?
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210
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Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento,
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211
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O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro,
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212
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O Momento estridentemente ruidoso e mecânico,
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213
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O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes
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214
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Do ferro e do bronze e da bebedeira dos metais.
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215
|
Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do
jantar,
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216
|
Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos,
mínimos, Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar,
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217
|
Engenhos brocas, máquinas rotativas!
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218
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Eia! eia! eia!
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219
|
Eia electricidade, nervos doentes da Matéria!
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220
|
Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do
Inconsciente!
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221
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Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
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222
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Eia todo o passado dentro do presente!
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223
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Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!
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224
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Eia! eia! eia!
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225
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Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica
cosmopolita!
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226
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Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô!
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227
|
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio,
engenho-me.
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228
|
Engatam-me em todos os comboios.
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229
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Içam-me em todos os cais.
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230
|
Giro dentro das hélices de todos os navios.
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231
|
Eia! eia-hô! eia!
|
232
|
Eia! sou o calor mecânico e a electricidade!
|
233
|
Eia! e os rails e as casas de
máquinas e a Europa!
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234
|
Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a
trabalhar, eia!
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235
|
Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!
|
236
|
Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!
|
237
|
Hé-la! He-hô! H-o-o-o-o!
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238
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Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!
|
239
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Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!
|
Álvaro de Campos, Londres,
1914 — Junho.
6-1914
Poesias de Álvaro de Campos.
Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).
- 144.
1ª publ. in Orpheu, nº1. Lisboa
Jan.-Mar. 1915. Lacunas completadas segundo: Álvaro de Campos - Livro
de Versos. Fernando Pessoa. (Edição Crítica. Introdução, transcrição,
organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993
Por fim uma homenagem: “Ode Triunfal” censurada em manual de Português
Alunos do 12.º ano chibaram-se depois de se darem conta de que o manual da Porto Editora lhes tinha sonegado alguns versos do poema de Álvaro de Campos
Faz mais de um século, o número inaugural de Orpheu deu para o incómodo, algum estardalhaço e suspeitas, mas falar num escandâlo seria ter para referência medidas um tanto provincianas, quando o que houve mais foi chacota nos jornais de Lisboa. A Fernando Pessoa ou a Álvaro de Campos, e aos outros, chamaram-lhes degenerados, paranóicos, maluquinhos, destinando-os a Rilhafoles. Isto em março de 1915, quando a “Ode Triunfal” esteve entre os gritos nesse espantoso coro que da Orpheu fez um decisivo passo das vanguardas. Hoje, quando os mesmos versos são entoados como um enfebrecido “Pai Nosso” nas missas escolares, com tantos palmos de terra em cima, e depois da canonização literária, se lidos em sociedade, alguns continuam a apresentar as unhas um pouco grandes, e é natural a tentação de ir lá com um corta-unhas. Chega-se ali ao verso 153 e damos com “automóveis apinhados de pândegos e de putas”, mas, se isso ainda escapa, o que dizer, um pouco mais abaixo, dos versos 169 e 170, quando o poeta tem o descaramento de ver as filhas de gente ordinária e suja, que, aos oito anos (credo!), “masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada”. E se tal indecência ainda fosse só uma constatação... mas pelo meio o javardola ainda o exalta, dizendo-nos que o acha belo e que o ama. Raios o partam!
Assim se justifica que, ao reproduzir o célebre poema num dos manuais escolares de Português do 12.º ano, da Porto Editora, prudentemente, os autores – Noémia Jorge, Cecília Aguiar, Miguel Magalhães – tenham optado por rasurar os três versos da versão dirigida aos alunos, mantendo-os na versão do professor, para que este decida se deve abordar na sala de aula estas passagens que “têm linguagem explícita e se relacionam com a prática da pedofilia”. Isto lê-se no comunicado em que a Porto Editora vem explicar os critérios usados na edição do manual “Encontros”, depois da notícia do “Expresso”, que no domingo avançava a perplexidade de uma turma de 12.º ano – e sublinhe-se que é miudagem que entrou já na maioridade ou está à beira disso – ao identificar a omissão dos versos no manual quando escutou uma versão áudio da “Ode Triunfal”. Expoliados, parece que os putos não se contiveram, deram com a boca no trombone. Na versão higienizada do poema não havia direito a ver passar os automóveis apinhados de pândegos e de putas, e no que toca a mexer com pedofilia é o que se sabe.
Agora, abra-se o livro no capítulo da ingenuidade dos educadores. Seja que livro for, desde que instruído nas coisas do mundo, e vamos saber o que é que miúdos de 18 anos têm a aprender dos professores, ou a ensinar-lhes, no que toca ao género de coisas sórdidas que não deixam de colorir e perturbar a ordem. Impôs-se a “preocupação didático-pedagógica” ao respeito pela integridade do poema. Porquê? No seu comunicado, a Porto Editora diz que “a diferença entre livro do professor e livro do aluno assenta no pressuposto de que cada docente tem um papel central na preparação e na organização das suas aulas, em função das características específicas de cada turma”. E ainda adianta: “Os professores conhecem as suas turmas e conhecem o poema integralmente, pelo que saberão também se têm ou não condições para abordarem os referidos versos com o tempo e o cuidado necessários, uma vez que podem, obviamente, constituir fator de desestabilização ou de desvio da atenção dos alunos.”
Aí está, preto no branco, o perigo: a possibilidade de o poema ser fator de desestabilização ou raptar a atenção dos alunos. E mais, com as palavras do poeta, poderíamos exclamar: Se a obscenidade não o fosse! E se o poeta não houvesse mandado às malvas tão grandes cuidados, mas se tivesse ficado pela cauta sentença que acena de longe às coisas do mundo, ao invés de ir investigar com os sentidos úteis e mais à flor do idioma, talvez houvesse sido só mais outro funcionário, entregando-se diligentemente ao pecado, o verdadeiro, diz Valéry, que é escrever para um público, então não haveria nem Pessoa nem Campos para ninguém, nem o do colapso nervoso, e da existência absurda que de um fio puxa e faz desabar toda esta tão recta e sensaborona existência, e nem o depravado, que podia encher a boca, e ficar-se por essa “noite abolida onde, ferido, o assassino conversa com o seu crime”.
Ao i, Vasco Silva, editor dos quatro costados, “nome indissociável da edição de Fernando Pessoa”, disse que considerava tudo isto um “disparate”. Que se queriam aquele poema, não lhe viessem cortar as unhas, e se era demais o desconforto que podia causar na sala de aula, então que fossem buscar outro. Lembrou que na edição das “Poesias de Álvaro de Campos”, da Ática, que saiu em 1944, e possivelmente com o fundado receio de que fosse apreendida, também as “putas” passaram em pontas, percebendo-se o que lá estava, mas limando a garra. Já o verso 170 foi todo ele à vida, à semelhança do que agora se fez. E aproveitando a aberta, o editor chamou-nos a atenção para uma passagem das “Páginas de Estética e de Teoria Literárias”, que incluiu na recente edição que preparou para a E-Primatur – “Não Cites Pessoa em Vão” –, em que o poeta lembra que “a arte suprema tem por fim libertar — erguer a alma acima de tudo quanto é estreito, acima dos instintos, das preocupações morais ou imorais”. E, para que não subsistam dúvidas, remata: “A arte nada tem com a moral, quanto ao fim; tem, quanto ao conteúdo.”
Mas se, por uma vez, e ainda que involuntariamente, Pessoa foi alvo de uma homenagem sentida e honesta, já que, sem reais constrangimentos que a isso obrigassem, se viu censurado, decidiram fazer-lhe as unhas para não causar perturbação da ordem nas salas de aula do país, talvez valha a pena pensar numa alternativa à “Ode Triunfal”. A “Saudação a Walt Whitman” seria uma hipótese, pela forma como exalta o predecessor: “De aqui, de Portugal, todas as épocas no meu cérebro,/ Saúdo-te, Walt, saúdo-te, meu irmão em Universo,/ Ó sempre moderno e eterno, cantor dos concretos absolutos,/ Concubina fogosa do universo disperso,/ Grande pederasta roçando-te contra a diversidade das coisas/ Sexualizado pelas pedras, pelas árvores, pelas pessoas, pelas profissões,/ Cio das passagens, dos encontros casuais, das meras observações,/ Meu entusiasta pelo conteúdo de tudo,/ Meu grande herói entrando pela Morte dentro aos pinotes,/ E aos urros, e aos guinchos, e aos berros saudando Deus! (...)”
Diogo Vaz Pinto, Jornal i, 14/01/2019
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obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro. In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição) e Folha
de Poesia, 17-05-2018.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html