quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Do meu país, Eduardo White


 

DO MEU PAÍS

Do meu país. Do país que eu amo, do país que eu temo,
do país que sangro para comer no pão, do país que quero,
do país que doo, do país que amasso como se fosse chão,
do país que tenho, do país que guardo, do país que sonho
como se o lesse na mão, do país que espero, cigarro etéreo,
do país que a minha vida inteira respirou, do país que
lavro, do país que rasgo, do país que a poesia me chorou,
do país com carne, do país com veias, do país que é onde
o sol se deitou, do país que fosse o país que é o país onde
o futuro abalroou, do país do amor, do país dos outros,
do país que é também tudo o que sou, do país chegado,
do país sem barcos, do país que à minha janela me levou.

 

Eduardo White, Até amanhã, coração. Maputo, Imprensa Universitária, 2005


sábado, 14 de dezembro de 2024

Salgueiro Maia

 


SALGUEIRO MAIA

Aquele que na hora da vitória
Respeitou o vencido

Aquele que deu tudo e não pediu a paga

Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite

Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com sua ignorância ou vício

Aquele que foi «Fiel à palavra dada à ideia tida»
Como antes dele mas também por ele
Pessoa disse

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, Musa, 1.ª ed., 1994, Lisboa, Editorial Caminho • 2.ª ed., 1995, Lisboa, Editorial Caminho • 3.ª ed., 1997, Lisboa, Editorial Caminho • 4 ed., 2001, Lisboa, Editorial Caminho • 5.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho.

 



SALGUEIRO MAIA

Ficaste na pureza inicial
do gesto que liberta e se desprende.
Havia em ti o símbolo e o sinal
havia em ti o herói que não se rende.

Outros jogaram o jogo viciado
para ti nem poder nem sua regra.
Conquistador do sonho inconquistado
havia em ti o herói que não se integra.

Por isso ficarás como quem vem
dar outro rosto ao rosto da cidade.
Diz-se o teu nome e sais de Santarém
trazendo a espada e a flor da liberdade.

“Salgueiro Maia”, Manuel Alegre, 04-04-2012. Disponível em: https://manuelalegre.com/301000/1/002731,000014/index.htm



Os poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen e Manuel Alegre, dedicados a Salgueiro Maia, oferecem duas perspetivas distintas, mas complementares, sobre a figura do Capitão de Abril. Ambos os autores destacam a integridade, a abnegação e o papel crucial de Salgueiro Maia na Revolução dos Cravos, mas com nuances que enriquecem a nossa compreensão do herói.

"Salgueiro Maia" de Sophia de Mello Breyner Andresen:

Este poema foca-se na dimensão ética e moral de Salgueiro Maia. Através de uma estrutura anafórica ("Aquele que..."), Sophia constrói um retrato idealizado do homem justo e virtuoso. Destacam-se os seguintes aspetos:

  • Respeito pelo vencido: Sublinha a nobreza de caráter de Salgueiro Maia, que mesmo na vitória não humilhou ou explorou o adversário. Este traço humanista é fundamental para compreendermos o espírito do 25 de Abril, que se pretendia pacífico e reconciliador.
  • Abnegação e desinteresse: O verso "Aquele que deu tudo e não pediu a paga" enfatiza o altruísmo de Salgueiro Maia, que agiu movido por ideais e não por ambição pessoal. Esta característica contrasta com a postura de outros atores políticos que, após a Revolução, procuraram proveitos e vantagens.
  • Resistência à ganância e à corrupção: Sophia destaca a integridade de Salgueiro Maia, que se manteve imune às tentações do poder e da riqueza. Esta postura é particularmente relevante no contexto pós-revolucionário, marcado por tensões e disputas políticas.
  • Fidelidade aos princípios: A citação de Fernando Pessoa ("Fiel à palavra dada à ideia tida") reforça a ideia de coerência e retidão moral que pautou a vida de Salgueiro Maia. Esta referência intertextual estabelece uma ligação entre o herói de Abril e a tradição da poesia portuguesa, elevando a sua figura a um patamar simbólico.

O poema de Sophia é, assim, um elogio à virtude e à integridade, personificadas em Salgueiro Maia. A linguagem é concisa e direta, com um ritmo marcado pela repetição anafórica, que confere solenidade e força expressiva ao poema.

"Salgueiro Maia" de Manuel Alegre:

Este poema assume um tom mais épico e celebratório, enfatizando o papel de Salgueiro Maia como líder e símbolo da liberdade. Destacam-se os seguintes aspetos:

  • Pureza do gesto libertador: Alegre evoca a imagem de um gesto inaugural e puro, que marca o início de uma nova era para Portugal. A palavra "desprende" sugere um ato de libertação não apenas do regime ditatorial, mas também das amarras do passado.
  • Figura heroica e idealizada: Salgueiro Maia é apresentado como um herói que "não se rende" e que "não se integra" nos jogos políticos do poder. Esta imagem idealizada reforça o seu estatuto de símbolo da resistência e da integridade.
  • Conquista do sonho da liberdade: O verso "Conquistador do sonho inconquistado" sublinha a dimensão utópica da Revolução dos Cravos, que procurava construir uma sociedade mais justa e livre. Salgueiro Maia surge como o líder que concretiza esse sonho.
  • Ligação à cidade e à memória coletiva: A referência a Santarém, de onde partiu a coluna militar liderada por Salgueiro Maia, e a imagem da "espada e a flor da liberdade" criam uma forte ligação entre o herói, o território e os valores da Revolução. O poema termina com uma nota de esperança e renovação, sugerindo que o nome de Salgueiro Maia continuará a inspirar as gerações futuras.

O poema de Alegre é, assim, uma ode à liberdade e ao heroísmo, com uma linguagem mais rica em imagens e metáforas. O ritmo é mais fluido e narrativo, evocando a marcha vitoriosa de Salgueiro Maia rumo a Lisboa.

Em suma, ambos os poemas celebram a figura ímpar de Salgueiro Maia, destacando a sua integridade, coragem e papel fundamental na história de Portugal. Enquanto Sophia enfatiza a dimensão ética e moral do homem, Alegre foca-se no seu papel como líder e símbolo da liberdade. A leitura conjunta dos dois poemas oferece-nos um retrato multifacetado e enriquecedor de um dos maiores heróis da democracia portuguesa.

 

Gemini 2.0 Flash Experimental (Modelo de Linguagem). (2024). Resposta à pergunta sobre recensão literária dos poemas sobre Salgueiro Maia. Data da consulta: 14-12-2024. Disponível em: https://gemini.google.com/app/33d40e789b812a69?utm_source=app_launcher&utm_medium=owned&utm_campaign=base_all