Eu hei de lhe falar lugubremente
Do meu amor enorme e massacrado,
Falar-lhe com a luz e a fé dum crente.
Hei de expor-lhe o meu peito descarnado,
Chamar-lhe minha cruz e meu Calvário,
E ser menos que um Judas empalhado.
Hei de abrir-lhe o meu intimo sacrário
E desvendar a vida, o mundo, o gozo,1
Como um velho filósofo lendário.
Hei de mostrar, tão triste e tenebroso,
Os pegos abismais da minha vida,
E hei de olhá-la dum modo tão nervoso
Que ela há de, enfim, sentir-se constrangida,
Cheia de dor, tremente, alucinada,
E há de chorar, chorar enternecida!
E eu hei de, então, soltar uma risada...
Cesário Verde, Lisboa, Diário
da Tarde, 12-03-1874
In: Obra Completa de
Cesário Verde - 4.ª edição organizada, prefaciada e anotada por Joel Serrão.
Lisboa, Livros Horizonte, 1983 (Coleção Horizonte Poesia, n.º 20)
[1] Nota do editor: Na primitiva publicação: «E,
desvendar a vida, o mundo, o gozo,».
Nunca me atrevo a falar de ti
vasto céu do meu bairro
nem de vós telhados que detendes as cascatas de ar
belos telhados felpudos cabelos das nossas casas
nem de vós chaminés laboratórios de tristeza
abandonadas pela Lua pescoços esticados
nem de vós janelas abertas-fechadas
que rebentais quando morremos além-mar
Nem sequer consigo descrever a casa
que conhece todas as minhas fugas e regressos
apesar de pequena não sai debaixo das pálpebras fechadas
nada conseguirá devolver-me o cheiro do reposteiro verde
nem o ranger das escadas por onde levo a lamparina acesa
nem a folhagem sobre o portão
Em verdade gostaria de escrever sobre o puxador do portão da casa
sobre o seu toque áspero e rangido amigável
e mesmo sabendo muito sobre ele
repito tão-só uma ladainha de palavras comum cruel
Cabem tantos sentimentos entre dois batimentos cardíacos
tantos objetos podem ser acolhidos entre duas mãos
Não vos admireis que não saibamos descrever o mundo
e que só tratemos as coisas pelos nomes com ternura
Zbigniew Herber, Poesia Quase Toda. Cavalo
de Ferro, 2024.
Tradução: Teresa Fernandes Swiatkiewicz
SOBRE O AUTOR
Zbigniew Herbert (Lviv, 1924 –
Varsóvia, 1998) foi um poeta e ensaísta polaco, considerado pela crítica uma
das figuras mais marcantes da literatura europeia da segunda metade do século
XX.
Durante a guerra, participou na
resistência armada antinazi. Já na vigência do regime estalinista no seu país,
foi diversas vezes impedido de publicar por se recusar obedecer à estética
oficial. O seu primeiro livro de poesia, Strun switl (Corda de Luz) data de
1956. Seguiram-se vários outros, incluindo o célebre Pan Cogito (Sr. Cogito),
de 1974 (ambos a editar em Portugal).
Considerado um poeta do
histórico, do filosófico, do político e, ao mesmo tempo, do individual, Herbert
foi igualmente um exímio ensaísta, tendo o volume Um Bárbaro no Jardim, de
1962, ou os ensaios recolhidos em Martwa Natura z wedidlm (Natureza Morta com
Brida), de 1993 (ambos editados na Cavalo de Ferro), ajudando a consolidar a
sua enorme reputação internacional.
Efetivamente, um crítico do New
York Times chegou a afirmar à data: «num mundo justo, Zbigniew Herbert teria há
já muito sido galardoado com o Prémio Nobel».
Poesia Quase Toda, com seleção a cargo do Prémio
Nobel de Literatura J. M. Coetzee e da poeta e tradutora Alissa Valles, contém
uma amostra significativa dos nove livros publicados em vida por Zbigniew
Herbert, entre 1956 e 1998, e poemas inéditos do seu arquivo pessoal, nunca
antes divulgados, constituindo um volume essencial para se conhecer a sua obra
poética, uma das mais marcantes do século XX e praticamente inédita em
Portugal.
A tradutora Teresa Fernandes
Swiatkiewicz é uma das mais importantes tradutoras de literatura polaca para
língua portuguesa e já traduziu vários livros de Wysława Szymborska, Olga
Tokarczuk, Stanisław Lem, entre outros. Venceu o Grande Prémio de Tradução Literária
pela adaptação para português de Casa de dia, casa de noite, de Olga Tokarczuk.
Em 2020, recebeu uma menção honrosa pela tradução do livro Viagens, também de
Olga Tokarczuk. Em 2012 a tradutora foi galardoada pelo Presidente da Polónia
com a Cruz de Ouro da Ordem de Mérito.
Não deixa de surpreender a
diversidade de modos como a poética de quatro jovens polacos, contemporâneos
entre si - Czeslaw Milosz (Nobel de Literatura em 1980), Tadeusz Róžewicz,
Wislawa Szymborska (Nobel de Literatura em 1996) e Zbigniew Herbert -,
respondeu aos terríveis acontecimentos que assolaram a Europa, e em particular
a Polónia, na primeira metade do século XX. Mas a poesia de Herbert foi outra
coisa: desde os primeiros livros, em particular desde o terceiro que, num tom
que frequentemente tocou a sátira (e o sarcasmo), envoltos porém num lirismo
belo e surpreendentemente quotidiano, recorreu à mitologia greco-romana como
exemplo para plasmar a sua visão de mundo, à qual não faltou a voz do icónico
Senhor Cogito, o seu alter-ego. É, na minha opinião, uma das maiores, se não a
maior voz poética europeia do século XX, à qual não fez falta o prémio maior
para se tornar uma das maiores inspirações das gerações seguintes, polaca e não
só, que nela se inspiraram e reviam.
Aqui
foi a casa:
Alva a toalha e o pão,
O berço além.
Breve a canção:
Bater de asa
O sorriso de mãe.
Veloz a hora:
Agora,
Só o coaxar noturno e certo
Das rãs,
Enche o campo deserto.
Tomaz Kim (Lobito, 1915 –
Lisboa, 1967)
(Pseudónimo de Joaquim
Fernandes Tomaz Monteiro-Grillo)
Linhas de leitura
do poema:
Repara que a estrutura fragmentada do poema (versos
curtos e ausência de pontuação) contribui para a transmissão do tema da passagem do tempo/efemeridade da vida.
Que significados podem ser atribuídos às imagens da
"toalha alva", do "pão", do "berço" e do
"sorriso de mãe"? Como essas imagens contrastam com o "coaxar
noturno e certo / Das rãs" e o "campo deserto" na terceira
estrofe?
O título do poema é "Paz". Como interpretas
essa escolha, considerando que o poema evoca tanto a memória de um passado
afetuoso quanto a desolação do presente?
Fui criança, indo por um carreiro,
a caminho do mar, mão na outra mão,
entre árvores, pedras, insectos e aves.
Toda a Natureza me coube nas pupilas,
mestra de sentimentos, e eu discípula.
E, se fechava os olhos, ela punia-me
com o silêncio cruel das ondas,
a mudez imerecida dos insectos,
e a distância das aves, que doía.
Se os abria, tudo me rodeava,
apaziguado e meu,
mas a mão que me trazia a mão
puxava-me para a luz de cada dia.
MANHÃ
CINZENTA À
Partida de São Miguel
Ai madrugada pálida e sombria
em que deixei a terra de meus pais…
e aquele adeus que a voz do mar trazia
dum lenço branco, a acenar no cais...
O meu veleiro – era de espuma fria –
levava-o o fervor dos vendavais.
À passagem gritavam-me: onde vais?
Mas só o meu veleiro respondia.
Cruzei o mar em direções diferentes.
Por quantas terras fui, por quantas gentes,
nesta longa viagem que não finda.
Só uma estrada resta – mais nenhuma:
na Ilha que o passado envolve em bruma,
um lenço que me acena ainda...
in Portugal,
Madeira e Açores, Abril de 1946
Natália Correia, “Inéditos,
1941/47” in O Sol das Noites e o Luar nos Dias I. Lisboa, Círculo de
Leitores, março de 1993, p. 11
A Ilha: ponto de partida
O
laço de pertença que une Natália à Ilha é naturalmente emocional e psicológico,
porque a partida se efetiva na realidade, despertando um sentimento de perda
material. Mas a poesia permite recuperar a Ilha como se fosse “um objeto
imaculado pela distância, a nata de uma criança infinitamente chamada pelas
ondas a esvaziar-se pela boca cantante com que assombramos as vírgulas adultas
dos lugares que habitamos.” (Correia
1993a: 422) Assim se pontua o momento da partida numa
“Manhã Cinzenta”, porque se impõe a mudança exigida pela fase adulta da vida
[…].
A
despedida reveste-se da tristeza que é normal sentir-se quando se deixa a “Ilha
que o passado envolve em bruma.” É da terra dos seus pais – “ninfa e pai chuva
de lava” – que o sujeito poético parte para cruzar “o mar em direções
diferentes”, como se doravante a ínsula se afastasse da vida da poetisa. Este
afastamento, porém, é materializado no momento da partida, uma vez que a poesia
permite a Natália apenas uma “longa viagem que não finda, / só uma estrada
resta – mais nenhuma”: a lembrança do adeus acenado por um lenço branco.
Por
isso é que, no III dos “7 Poemas da Morte e da Sobrevivência”, Natália
esclarece que o retorno à Ilha não deve fazer-se de um qualquer modo, há que
revestir o colorido da flor para imprimir outra tonalidade à palidez da
despedida naquela “Manhã Cinzenta”. Se um lenço branco acenou à sua partida,
que a florescência em cor a saúde aquando do regresso:
Não
regressarei à terra
como uma folha que cai.
Condição de ser a hera
que no meu tronco se enlaça
sou a nascente da água
que me leva quando passa.
Não sou poeira que o vento
arrasta até encontrar
a florescência da flor.
Origem morte existência
sou a própria florescência
incontinente na flor.
(Correia 1993a: 117)
Mas
o regresso não se faz tão cedo. O lugar de onde parte permanece-/-lhe na
memória e é evocado com saudade quando, numa circunstância específica da sua
vida, Natália pensa que pode vislumbrar, ao longe, a Ilha que lhe serviu de
berço e da qual se despediu tristemente numa manhã sem sol. Na obra Descobri
que Era Europeia. Impressões duma viagem à América3, a poetisa descreve a jornada que faz aos Estados Unidos da América. Quando, em
1950, sobrevoa o Atlântico rumo à terra da fartura, a escala técnica na ilha vizinha
de Santa Maria leva Natália Correia a registar em prosa aquilo que em poesia é
canto de saudade:
Estamos
a vinte e sete milhas náuticas de Santa Maria. A partir daqui, a viagem começa
a revestir um significado sentimental. Pela primeira vez, após quinze anos, vou
aproximar-me da terra onde nasci. Ficarei durante uma hora a sessenta milhas de
distância da minha ilha: São Miguel.
Vou
parar em Santa Maria, onde nunca estive, mas que conheço como uma ténue linha
de horizonte dos dias claros. Quantas vezes, debruçada na balaustrada do
Aterro, vendo a ilha distante, aberta como uma flora na bruma do mar, eu
pensava se aquela não seria a ilha misteriosa sepultada no oceano que a velha
Maria da Estrela dizia aparecer de quando em quando aos olhos fadados para a
ver: […] (Correia 1993a: 422).
A
paragem na pequena ilha de Santa Maria assume uma dupla função: por um lado,
não será mais do que um lugar de passagem na rota para outro mundo, mesmo ao
lado do ponto de partida de há década e meia de anos e, por outro, torna-se
numa espécie de janela a partir da qual Natália tenta perscrutar a sua Ilha,
espaço agora preservado na memória, ao qual a poetisa acede através da
recordação e do sonho.
_________
[3] Esta
narrativa de Natália Correia é um documento importante para a compreensão do fenómeno
da “açorianidade”. Aí se desenvolve, com bastante acuidade, a conclusão a que
chegam, por exemplo, Rosa & Trigo 1987:199: “Entre a insularidade e o sonho
realizado, ou não, da distância das “Califórnias da abundância”, constrói-se
cada vez com mais fervor a açorianidade – essa maneira que o açoriano tem de
afirmar a sua especificidade de ser português, sendo ao mesmo tempo um cidadão
de errância em trânsito permanente, espiritual ou físico, para sua mátria:
Açores.”
Tu eras aquela que eu mais queria
Para me dar algum conforto e companhia
Era só contigo que eu sonhava andar
Para todo o lado e até quem sabe talvez casar
Ai o que eu passei só por te amar
A saliva que eu gastei para te mudar
Mas esse teu mundo era mais forte do que eu
E nem com a força da música ele se moveu
Mesmo sabendo que não gostavas
Empenhei o meu anel de rubi
Pra te levar ao concerto
Que havia no Rivoli
Era só a ti que eu mais queria
Ao meu lado no concerto nesse dia
Juntos no escuro de mão dada a ouvir
Aquela música maluca sempre a subir
Mas tu não ficaste nem meia hora
Não fizeste um esforço pra gostar e foste embora
Contigo aprendi uma grande lição
Não se ama alguém que não ouve a mesma canção...
Mesmo sabendo que não gostavas
Empenhei o meu anel de rubi
Pra te levar ao concerto
Que havia no Rivoli
Foi nesse dia que percebi
Nada mais por nós havia a fazer
A minha paixão por ti era um lume
Que não tinha mais lenha por onde arder
Mesmo sabendo que não gostavas
Empenhei o meu anel de rubi
Pra te levar ao concerto
Que havia no Rivoli
“Paixão”,
letra de Carlos Tê cantada por Rui Veloso
Piano,
teclados e acordeão: Manuel Paulo
Guitarra
acústica: Miguel Mascarenhas
Baixo:
Zé Nabo
Percussão:
André Rocha
Bateria:
Alexandre Frazão
Vozes:
Paulo Ramos, Berg, Sandra e Dora Fidalgo
Possíveis tópicos para discussão:
A influência
da música na construção da identidade.
A relação
entre a indústria musical e a promoção de estereótipos.
A importância
de uma educação sexual que inclua a discussão sobre relacionamentos saudáveis.
Eu cá acho que aquela atriz do Bay Watch, a
Pamela Anderson deveria ser condenada pelo mau exemplo que deu às mulheres da
minha geração. Ainda por cima ela era daquelas mulheres que podia ter tudo e
depois divorcia-se lá do outro brutamontes que lhe batia para se casar com ele
outra vez? Mas que mau exemplo era aquele? Já viste a quantidade de exemplos
que nós recebíamos só pela televisão no domingo à tarde? É que ela não era bem
como a Elizabeth Taylor que se casou duas vezes com o Richard Burton mas pelo
meio, antes e depois, lá se foi casando com mais 7 e não era só ele que lhe
batia, aquilo era uma tourada para todos os lados, mas a Pamela Anderson? De
fato banho laranja e cabelo ao vento, podia ter qualquer nadador salvador aos
seus pés e teima de ir para aquele idiota? Já viste o que é que ela estava a
dizer às mulheres adolescentes da altura como eu? Dizia primeiro que era
possível fugir daquele inferno mas que depois se pode escolher voltar para ele?
É um dos meus ódios de estimação. Sim, tu falas do Woody Allen e que te recusas
a ver mais filmes dele, e eu … aliás… nem precisamos ir mais longe, já ouviste
bem as letras do Carlos Tê do Rui Veloso? Há lá pior campanha de manipulação do
que ouvir a canção do rubi todas as férias, em cassete, dentro do carro, a
caminho do Algarve no verão?
Achas normal fazer uma canção daquelas?
Mesmo sabendo que não gostavas comprei-te um bilhete para ires àquele concerto?
Mas como é que isto pode ser uma canção de amor que uma família inteira canta
dentro do carro enquanto come sandes de atum com maionese e bebe
Bongo-sumo-rei-da-selva enquanto está parado na fila de trânsito de sábado ao
final da manhã para atravessar a ponte?
Tu já reparaste bem na letra daquela
canção? Eu lembro-me dos meus pais a cantarem e lembro-me de pensar: Mas
por que raio é que ele comprou um bilhete para um concerto de uma banda que ela
não gostava? E por que raio ficou à espera que ela gostasse de propósito só
para lhe agradar? Mas tem de ser assim, no amor? Oh, lá vens tu com as tuas
teorias de romance de algibeira… a curiosidade, a curiosidade… ouve lá bem a
letra… espera aí que eu agora não me lembro… como é que é, como é que começa?
Ah! Começa assim: Tu eras aquela que eu mais queria… estás a ouvir bem? Já não
tem nada a ver com os dois, começa logo com uma queixa, tipo: estás a ver,
estás a ver? Eu gostava tanto de ti e tu népia, ainda te atreves a deitar-me
fora que sou tão incrível e gosto tanto de ti… e vai por aí fora… e porque é
que ele gostava dela? Para lhe dar conforto e companhia… sim não gostava do que
dizia ou do que fazia ou do que era… gostava dela para lhe dar conforto e
companhia… já viste bem? E depois ele diz: era só contigo que eu sonhava andar,
para todo o lado e até, quem sabe?, talvez casar… quem sabe? Sim, quem sabe… já
viste a imagem de romance que isto passa a uma miúda de 8 anos… olha como ele
está triste, ele até te tinha escolhido e tu? Népia…e depois continua… Ai o que
eu passei só por te amar, A saliva que eu gastei para te mudar. Para te mudar?
Mas que raio de história é esta? Então ele gostava dela ou não? E depois fica pior,
espera, espera, ouve bem a letra que eu acho que nunca reparaste bem… O que eu
passei só por te amar … sofreu sozinho, não aceitava não ser correspondido,
certo? E porquê? Ele explica: Mas esse teu mundo era mais forte do que eu, ou
seja, ela tinha vontade própria, tu já viste bem a lata da miúda? Pensava lá à
maneira dela, e ele coitado que queria tanto até, talvez, quem sabe, um dia
casar com ela, e ela nem percebia a sorte que tinha? Olha que coisa! E ele vai
mais longe e diz – não só ela tinha lá um mundo dela mais forte do que ele como
nem com a força da música ele se moveu. Ah! E claro, era o mundo dela que se
tinha de mover, não era o dele… isto fazia-me uma confusão quando eu ouvia isto
no carro dos meus pais, eu no banco detrás de mini saia, eles de camisolas sem
alças a cantar e a abanar a cabeça lá à frente. Mas o pior ainda está para vir…
ele já tinha percebido que o mundo dela era mais forte do que ele, certo? e que
ela não ia lá nem mesmo com a força da música, certo? E o que é que ele se lembra
de fazer?
Vou cantar para ti que vale a pena, ora ouve-me
bem, vou dar o meu melhor: Mesmo sabendo que não gostavas, Empenhei o meu Anel
de Rubi, Pra’ te levar ao concerto que havia no Rivoli.
E eu não cantei com tanto ímpeto, mas
aquilo é tudo muito sentido, imaginas como não deve ser em concerto, tudo de
isqueiro, os namorados de mão dada, elas a suspirar, a ver se ele empenha o
anel da avó deles isso é que é sinal de amor e tal… E ela tem mais é que se
sentir culpada porque era só a ti, que eu mais queira / Ao meu lado no concerto
nesse dia, Juntos no escuro de mão dada a ouvir / Aquela musica maluca sempre a
subir…
Ora, ele tinha tudo planeado, a música a
dar, eles a sentirem muito, tudo a cantar mas ela não ficou nem meia hora, já
viste, a desgraçada? Então eu empenhei o meu anel de rubi que roubei à minha
avó e ela nem fez um esforço para gostar e foi-se embora?
Então mas ele não sabia que ela não
gostava? E se sabia para que é que ele a levou até um concerto que já sabia que
não era do agrado dele? E se ela lhe fizesse o mesmo? Não lhe ocorreu que esta
podia ter sido uma má escolha, nem lhe ocorreu que a poderia estar a torturar,
já viste o que é ires a um concerto de uma banda que odeias? É que para ler uma
pessoa ainda pode fechar os olhos, mas num concerto não dá para fechar os
ouvidos… E o que é que ele conclui desta bonita ideia? Que se calhar era melhor
terem ido jantar fora? Ou ir a uma peça de teatro? Ou passear num jardim? Ou
perguntar-lhe de que música gostava? Não, claro que não. Ele aprendeu uma
grande lição: NÃO SE AMA ALGUÉM QUE NÃO OUVE A MESMA CANÇÃO!
Olha que porra!
E como se não chegasse, e para provar que
não tinha percebido nada do que lhe tinha acontecido, ele volta a repetir que
mesmo sabendo que não gostavas, empenhei o meu anel de rubi, para te levar ao
concerto que havia no Rivoli. E lá entra a harmonicazinha ainda a dar um tom de
alpendre americano ao pôr do sol… que carago! Nunca mais me esqueci desta
canção! Puxa!J
Dedicado a Keli Freitas, Crista Alfaiate e
Isabel Campante e a uma belíssima noite passada a atrapalhar o trânsito na
praça de D. Duarte em Viseu.