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domingo, 19 de setembro de 2021

Poesia e mel, crónica de Frederico Lourenço

"Fontana delle Api", por Giovanni Lorenzo Bernini, na Piazza Barberini


Se disséssemos hoje a um jovem poeta que achamos os seus versos «doces», o jovem poeta ficaria ofendido de morte. Mas se alguém tivesse feito esse elogio a um poeta grego ou romano, ele teria ficado desvanecido e encantado. Aliás, não precisamos de viajar tão longe no tempo: Camões teria ficado imensamente lisonjeado. Pois era essa a finalidade da poesia: ser doce. 

Por isso havia tantas lendas sobre poetas antigos cujo talento era explicado pelo facto de abelhas terem deixado mel nas suas bocas quando ainda eram bebés. Por isso se estabeleceu naturalmente a correlação mel/poesia; por isso se começou a pensar no poeta como uma abelha. O poeta grego Baquílides disse de si mesmo que era uma abelha. E no «Íon» de Platão, Sócrates afirma esta coisa extraordinária: «Os poetas dizem-nos que é em fontes de mel, em certos jardins e pequenos vales das Musas, que eles colhem os versos, para, tal como as abelhas, no-los trazerem, esvoaçando como elas. E falam verdade! Com efeito, o poeta é uma coisa leve, alada, sagrada» («Íon» 534a-b; tradução de Victor Jabouille). 

«Manda-me amor que cante docemente», escreve Camões no início da Canção 7. Na Canção 3, fala-nos em «doce melodia» e «doce pensamento»; na Canção 5 numa «doce voz»; um verde ramo na natureza faz um «doce ruído» (Canção 9). E «O sulmonense Ovídio, desterrado», lembrando-se com saudade dos «doces» filhos, só tem como companhia a «sua doce Musa» (Elegia 3). Não será doce a mais? 

O século XX (e talvez já o século XIX) virou as costas à doçura na poesia, certamente porque a banalização do açúcar na culinária estragou as conotações positivas da glicose que o mel tinha emprestado à literatura. Quando, no romance «Brideshead Revisited», o narrador se refere à quinzena romântica com Sebastian em Veneza com as palavras «I was drowning in honey», sabemos que algo mudou desde que Camões escreveu «Manda-me amor que cante docemente». 

Mas uma coisa não mudou: a glicose como combustível da criação. No fundo, terá sido por esse motivo (não consciencializado) que os poetas antigos associaram a poesia ao mel. Não era tanto que a poesia fosse mel; era mais o facto de a ingestão de mel (para povos que não tinham ainda açúcar) produzir mais facilmente poesia. Porque a imaginação também precisa de combustível: os escritores que recorreram ao vinho (Baco, esse grande inspirador!) estavam, no fundo, a recorrer ao açúcar que existe no vinho («Baco das uvas tira o doce mosto»: Lusíadas 4.27), do mesmo modo como os nerds que deram ao mundo os nossos computadores e telemóveis (com todos os seus aplicativos e software) se alimentaram de Coca-Cola, de donuts e daqueles hambúrgueres das cadeias americanas que contêm mais açúcar do que qualquer sobremesa num restaurante em Portugal. Eu diria, até, que se não fosse a dieta americana de açúcar a estimular as mentes dos cientistas, nunca o homem teria chegado à lua nem me seria possível consultar manuscritos da Bíblia ou de Vergílio online no meu computador. Sem combustível (açúcar), nada surge «por puro engenho e por ciência» (citando Lusíadas 5.17). 

Mas voltando à Grécia arcaica: diz o poeta Álcman que vozes belas a cantar poesia são «vozes de mel»; e Píndaro (de quem se dizia que abelhas tinham deixado mel na sua boca quando era bebé) afirma que um poema, para ser de qualidade superlativa, tem de voar de um tema para outro «como uma abelha». Na sua Bucólica 1, Vergílio fala em abelhas depois de ter referido «fontes sagradas». E Platão, como vimos, falou em «fontes de mel» Coube a Gian Lorenzo Bernini fazer, em Roma, a síntese perfeita de tudo isto, com a sua «Fontana delle Api».  

“Poesia e Mel”, Frederico Lourenço, 2021-09-19

https://www.facebook.com/frederico.maria.lourenco/posts/413506840138759



sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Lucius Sergius Catilina num poema de Sophia Andresen

Lucius Sergius Catilina
(Roma, 108 a.C. — Pistoia, 62 a.C.)


CATILINA

Eu sou o solitário e nunca minto
Rasguei toda a vaidade tira a tira
E a caminho sem medo e sem mentira
À luz crepuscular do meu instinto

De tudo desligado livre sinto
Cada coisa vibrar como uma lira
Eu - coisa sem nome em que respira
Toda a inquietação dum deus extinto

Sou a seta lançada em pleno espaço
E tenho de cumprir o meu impulso
Sou aquele que venho e logo passo

E o coração batendo no meu pulso
Despedaçou a forma do meu braço
Pra além do nó de angústia mais convulso

Sophia de Mello Breyner Andresen, Grades
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1970

Cícero denuncia Catilina, Afresco de Cesare Maccari, que representa o senado romano reunido na Cúria Hostília.
Palazzo Madama, Roma

No soneto “Catilina” temos a alusão explícita a Lucius Sergius Catilina, um militar e senador da Roma Antiga que ficou conhecido por sua tentativa de derrubar a República romana e o poder oligárquico do Senado no ano de 63 a. C. O poema traz a voz poética em primeira pessoa que se define pela solidão e pela verdade.
Vaidade e mentiras fazem parte de cenários políticos de distintas épocas, em que a busca pela manutenção do poder confunde-se com o fazer político. É nesse limiar que a voz poética insere o governador romano. Nascido em 108 a. C., Catilina pertencia a uma família patrícia que estava empobrecida, o que o levava a afirmar-se como um político que falava em nome do povo, colocando-se contra a elite romana. Sua importância histórica advém da relação política que estabeleceu com Marcus Tulius Cícero, importante político romano muito conhecido por seus discursos. Entre eles, estão as Catilinárias, conjunto de ideias que colocam Catilina como um possível conspirador contra o governo romano.
Sua carreira militar era consolidada: em 68 a. C., era pretor e, posteriormente, em 67 a. C., tornou-se governador da África (atual região da Tunísia), quando tentou a candidatura para cônsul. Pairavam, contudo, dúvidas sobre seu bom caráter, uma vez que seu nome aparecia envolvido no assassinato de membros de sua família, incluindo a esposa e o próprio filho, mesmo que nada fosse comprovado. Ele teria ainda cometido um sacrilégio aos deuses romanos por manter um caso extraconjugal com uma Virgem Vestal220, que seria meia-irmã da esposa de Cícero. Essa acusação, porém, não foi levada adiante, pois diversos cônsules, entre eles Catulo, testemunharam a seu favor.
Entretanto, seu nome volta a ser alvo de acusações em 65 a. C., quando surgem alegações de financiamento ilegal de ganhos, por meio de extorsão, em sua província. Mesmo absolvido dessa e de outras questões, seu passado fica marcado e as chances de se tornar cônsul eram poucas. Catilina, então, decide buscar o cargo por meio de uma conspiração ajudado por quatro jovens nobres endividados. O plano baseava-se no assassinato de dois cônsules recém-eleitos, Cotta e Torquato.
Sua participação nessa conspiração não é algo unânime entre os historiadores da época. A conspiração, se realmente existiu, não foi levada adiante. O evento, porém, tornou Catilina célebre em razão das Catilinárias, conjunto de discursos elaborados por Cícero então cônsul contrário ao militar, cuja imagem era descrita de forma amedrontadora, diabólica e manipuladora. Não é possível, porém, saber se essa noção é real, assim como sua astúcia para estratégias políticas.221
Apesar disso, convém notar que Catilina tinha carisma o suficiente, ou motivos, para manter aliados devotos. Ademais, sua pobreza e frustrações políticas o teriam inspirado a apresentar um posicionamento contrário às injustiças do sistema no qual estava inserido, o que era relevante em uma república como a romana, onde a riqueza tornava-se progressivamente desigual em razão dos desvios de poder e da má gestão.
São discutíveis tanto o caráter de Catilina como sua participação política, pois não existem depoimentos remanescentes de seu ponto de vista. O que nos resta é o depoimento de Cícero apresentado nas Catilinárias, baseadas na vituperação feitas por seu autor. Além disso, Catilina é tematizado também nos textos de Salústio222 (86-34 a.C.), um dos principais historiadores e escritores da literatura latina.
Foi questor223 no Senado romano e tinha o apoio de Júlio César. Nos textos de Salústio, Catilina também é descrito como alguém sagaz, mas de natureza cruel.224 De facto, o que se sabe sobre Lucius Sergius Catilina é apresentado pelos olhos e pelos interesses de pessoas que não aceitavam os desejos do exercício político dele. Henrik Ibsen, dramaturgo norueguês do final do século XIX, observou que Catilina é a melhor representação de personalidades históricas cuja memória é posse mais de seus conquistadores do que de si mesmo.225
Nesse sentido, Lucius Sergius Catilina configura-se como uma imagem histórica contraditória. Por um lado, podemos relacioná-la à busca incessante a qualquer custo pelo poder. Por outro, é possível associá-lo à luta contra a injustiça e os abusos de poder que definiam a esfera política e social da Roma Antiga. Entre os extremos, ele dá nome ao segundo poema de Grades, um soneto decassílabo cuja voz poética fala de alguém que caminha “sem medo e sem mentira”, descoberto de vaidade.
Em seu poema, Sophia Andresen assume um dos lados contraditórios da história de Catilina: a pessoa que corajosamente se opôs ao poder da elite romana, falando em nome do povo, buscando romper o regime de injustiça do poder. Entretanto, a sua outra face o traidor que conspira contra seu governo é evocada por Camões em Os Lusíadas, no Quarto Canto:
Ó tu, Sertório, ó nobre Coriolano,
Catilina, e vós outros doa antigos
Que contra vossas pátrias, com profano
Coração, vos fizestes inimigos:
Se lá no reino escuro de Sumano
Receberdes gravíssimos castigos,
Dizei-lhe que também dos portugueses
Alguns traidores houve algumas vezes
Sertório, Coriolano e Catilina são três personalidades romanas conhecidas pela oposição ao governo de Roma que foram condenadas por traição. Essa estrofe faz parte do conjunto de estrofes no qual Vasco da Gama conta a história da Batalha de Aljubarrota227, que ocorrera em Portugal em agosto de 1385. Portugueses e o reino de Castela brigavam pelo domínio das terras lusitanas. O Exército português era comandado pelo condestável Nuno Álvares Pereira, e seus irmãos, Diogo e Pedro Álvares Pereira228, lutaram contra Portugal pelas tropas castelhanas. Em vista disso, os versos que se referem aos traidores da pátria usam a imagem de Catilina como ilustração.
Distanciando-se dessa visão, em Grades temos Catilina não como traidor, mas, sim, como alguém íntegro. A voz poética define-se, logo na primeira estrofe, como alguém determinado e verdadeiro, que traça o seu itinerário “à luz crepuscular” do seu instinto. Quando ele se apresenta como “solitário”, podemos pensar como o único político romano daquele contexto que assumia uma posição contrária à aristocracia romana que comandava o império. Da vaidade ele se despe, rasgando-como a túnica que os romanos vestiam. Essa imagem remete à ideia da nudez, da transparência, a qual se aproxima da verdade.
O soneto, que apresenta o esquema rímico fixo ABBA nos quartetos, CDC e DCD nos tercetos, traz a imagem de Catilina rasgando sua vaidade, o que se relaciona com as descrições históricas do momento em que é acusado por Cícero de traição, em 8 de novembro de 63 a. C., segundo as quais ele teria se defendido sozinho, deixando Roma posteriormente, uma vez que não contava com o apoio dos demais senadores. Nesse momento, ele se junta às suas tropas na região de Etrúria. Temos, assim, a visão do indivíduo que está isolado, defendendo-se de acusações sobre mentir. A vaidade rasgada pode ser lida pela ideia das palavras que o acusam desfazendo seu caráter e seu ego.
É possível compreender essa imagem pela ideia da defesa que Catilina faz de si mesmo. A exposição de seus propósitos, de suas intenções e de suas pretensões, no momento em que é acusado, deixa-o “nu”, ou seja, suscetível e desprotegido, por isso sua túnica aparece rasgada tira a tira. Ademais, a expressão “tira a tira” também nos remete à noção de algo que ocorre paulatinamente, pois Catilina tem um percurso de insucessos na sua trajetória política, que culmina com sua morte, logo após ser condenado por Cícero. De tentativas fracassadas de eleger-se como cônsul, restou a ele a fama de desertor de sua nação, acusações por ele negadas, “sem medo e sem mentira”.
O poema continua com uma imagem muito significativa: “De tudo desligado livre sinto / Cada coisa vibrar como uma lira”. Retomando a sua túnica rasgada tira a tira, podemos compreender que Catilina está livre, pois se desliga de todas as ambições e pretensões de poder que poderia ter como político na Roma antiga. Desliga-se também do cenário de corrupção e de busca do poder que formam o Império Romano, uma vez que rasga aos poucos sua vaidade. É possível ainda pensar que a liberdade vem pela sua morte, que o afasta de um sistema movido pelo poder e pelo orgulho.
A lira é um instrumento de larga difusão na Antiguidade e pode simbolizar a harmonia. Nesse sentido, após estar livre das corrupções morais do poder ou após sua morte, Catilina pode unir-se de maneira harmoniosa às coisas do mundo, sentindo-as vibrar. Essa imagem alude à ideia de religação a qual abordamos anteriormente. É interessante notar também que a lira é um dos atributos de Apolo, o deus grego que possui flechas letais, o qual pode se relacionar com o “deus extinto” trazido no último verso da estrofe. Esse deus é “Realizador do equilíbrio e da harmonia dos desejos, não visava a suprimir as pulsões humanas, mas orientá-las no sentido de uma espiritualização progressiva, mercê do desenvolvimento da consciência”229, ideia que se aproxima da imagem de um homem que lutou contra a corrupção do poder.
A ideia de libertação torna Catilina “coisa sem nome”, o que pode ser lido pelo viés do orgulho e do poder. O nome presentifica e identifica o ser, individualizando-o. O “não nome” é a não existência. Nesse contexto, podemos pensar novamente na ideia da morte de Catilina, talvez não a física, mas, sim, a morte de seus ideais e desejos de poder e de mudança. Não ser nomeado é não estar presente, é estar ausente desse cenário de corrupção do poder. Mas ainda que tenha abandonado a “batalha” contra o poder, vibra nessa “coisa sem nome” a “inquietação de um deus extinto”, que podemos ler como Apolo, um deus grego assimilado pela cultura romana.
É interessante notar que a figura desse deus grego é também ambígua como a de Catilina. Em um primeiro momento, nos cantos homéricos, ele é descrito como um deus vingador, lunar, de arco e flechas mortíferas. Em um segundo momento, talvez em razão do sincretismo natural do desenvolvimento da cultura grega, ele passa a ser visto como um deus solar, simbolizando a inspiração, o equilíbrio, a colheita sadia, entre outros amplos atributos, conforme analisa Junito Brandão.230
A voz poética define-se ainda como “a seta lançada em pleno espaço” no início da terceira estrofe do poema. A seta pode ser lida a partir de duas ideias: primeiramente, temos a ideia da direção certeira da flecha, isto é, da determinação. Catilina pode ser visto como imagem daquele que estava determinado a obter o poder e falar pelo povo. Seu rumo é cumprir o seu impulso, estabelecer aquilo em que acredita. Mas, para tanto, é preciso também alterar as estruturas fixas já existentes. Por isso, a flecha também pode ser vista por seu movimento que rompe e que penetra. Catilina representa no poema aquele que modifica ou que buscou modificar uma organização política pouco justa com seu povo. A estrutura da aristocracia romana que controlava o império pode ser lida como uma alusão às estruturas militares que comandavam Portugal. Estruturas fixadas em seu poder, assentadas no desejo de exercer o poder, identificando-se a ele, e não ao seu povo.
A flecha é também instrumento da luta e da caça, podendo simbolizar a morte. Nesse sentido, é possível ler a metáfora da seta como alguém que busca seus objetivos de mudança, lutando por eles e caçando aqueles que são obstáculos. Além disso, é um dos símbolos de Apolo, podendo se relacionar com a imagem lunar do deus de flechas que matam, o que representa a vingança e também o poder. Entretanto, como o poema mantém-se em um viés mais positivo sobre Catilina, podemos pensar no movimento da flecha e no seu efeito como símbolos de luta pelos ideais de mudança do contexto corrompido romano por aquele que busca cumprir seu impulso acredita, o que é reforçado pela imagem de Apolo e seu propósito de equilíbrio.
A imagem de Catilina é retomada por Sophia Andresen em um contexto no qual um homem mantinha-se como ditador da pátria. Qualquer pessoa em uma situação como essa que se colocasse contra os ideais do governo era acusada de desertora, assim como fora Catilina. A tentativa de enfrentar o poder político, de questioná-lo e de resistir a ele pode ser lida na figura do romano, mas pode ser vista também na tentativa de escritores e pensadores portugueses que buscavam, da maneira que fosse possível, expor seu descontentamento e seu desejo de ver em Portugal um governo livre da opressão e da manipulação. Catilina é um símbolo daquele que busca romper uma estrutura de governo que se identifica com o poder, que governa para si e para seus interesses.
Portanto, mesmo que historicamente Lucius Sergius Catilina seja descrito de forma contraditória, associado muitas vezes à injustiça, imoralidade e corrupção, não é essa a imagem recuperada por Sophia Andresen em seu poema publicado originalmente em Dia do Mar. “Catilina” suscita a busca pela justiça, pelo rompimento com estruturas de poder que não permitem a verdade e a integridade. Há a determinação em buscar incessantemente aquilo em que se acredita: a mudança. Essa busca é vital, mas é dilacerante também: “E o coração batendo no meu pulso / Despedaçou a forma do meu braço”. Em um contexto político de corrupção e injustiça, a busca pela mudança tem seu preço. Para Catilina, o preço foi a sua honra e sua vida.
O tema da injustiça é também apresentado por Sophia Andresen em Grades por meio de outra evocação simbólica do poder político na história no poema “A veste dos Fariseus”.

Grades: uma leitura do projeto po-ético de Sophia de Mello Breyner Andresen, Nathália Nahas. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2015
________________________
220 As Virgens Vestais eram sacerdotisas que cultuavam a deusa romana Vesta. Durante o sacerdócio exclusivamente feminino, cerca de 30 anos, as mulheres deveriam manter-se virgens e castas.
221 Essa ideia é afirmada por Michael Grant justamente pelo fato de termos acesso a informações sobre Catilina em obras que se opunham a ele. In: CICERO, Marcus Tulius. Selected Political Speeches. Trad. e comentários Michael Grant. Reino Unido: Penguin Books, 1969.
222 Convém notar que, no texto de Salústio, no qual ele descreve o discurso de César sobre Catilina e sua conspiração, temos a ideia de que aquele buscou poupar a vida deste, uma vez que sua morte significaria para o povo de Roma vingança, e não justiça, como gostaria Cícero. Em razão disso, Catão, outro senador que defendia a morte de Catilina, especulou que Júlio César também pudesse ser parte da conspiração.
223 Questor é um cargo político da antiga Roma ligado ao trabalho com as questões financeiras, lidando diretamente com as arrecadações públicas.
224 TINGAY, Graham. Júlio César. Madrid: Ediciones Akal, 1994. Coleção Historia del Mundo para Jovenes, p. 18. Título original:  Julius Caesar (em inglês). Cambrigde: Cambridge University Press, 1991.
225 Henrik Ibsen (1828-1906) elabora sua primeira peça, Catilina, inspirado pelas Catilinárias e discursos de Salústio. O dramaturgo norueguês é reconhecido por suas peças inspiradas na filosofia e nas denúncias contra uma sociedade assentada no conformismo, na injustiça e na mediocridade. Catilina é escrita em 1848-49, mas encenada pela primeira vez muitos anos depois, em 1881. (GOOSE, E., 1926)
227 Informações extraídas do documento “A Batalha de Aljubarrota”, da Fundação Batalha de Aljubarrota. Disponível em: http://www.fundacao-aljubarrota.pt/. Acesso em: 01 dez 2014.
228 Ibidem.
229 BRANDÃO, Mitologia Grega. Petropolis: Vozes, 1987, p. 85.
230 BRANDÃO, 1987, pp. 85-87.



 
LUSOFONIA Plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/

 

Poderá também gostar de:




CARREIRO, José. “Lucius Sergius Catilina num poema de Sophia Andresen”. Portugal, Folha de Poesia, 10-01-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/01/lucius-sergius-catilina.html


sexta-feira, 18 de agosto de 2017

A Poem Reading with Meryl Streep and Cello with Yo-Yo Ma



A Reading by Meryl Streep
"Luzhai," Wang Wei
"A Letter to Agnes DeMille," Martha Graham

Accompanied by Yo-Yo Ma performing George Crumb's "Sonata for Solo Cello."

This performance is excerpted from A Musical Dialogue, presented by the US-China Forum on the Arts and Culture. Directed by Damian Woetzel.

The US-China Forum on the Arts and Culture brought sixteen American cultural figures to China in November 2011 to participate in four days of unprecedented cultural exchange. Organized by Asia Society’s Center on US-China Relations and The Aspen Institute.
asiasociety.org/uschinaforum




BEIJING, Nov 18, 2011

sábado, 23 de julho de 2016

Poemas de amor do antigo Egipto


CONVERSAS NA CORTE

DIZ ELE:

Amada, és única, de ti não se fez duplicado,
Com mais encanto do que todas as mulheres,
luminosa, perfeita,
Uma estrela que desce sobre o horizonte pelo novo ano,
um bom ano,
Esplêndida nas cores que traz
e de sedução a cada olhar.
Os seus lábios são encantamento,
o seu pescoço tem o tamanho certo e os seios uma maravilha;
O seu cabelo lápis-lazúli a brilhar,
os seus braços de mais esplendor que o oiro.
Os seus dedos fazem-me ver pétalas,
as do lótus são assim.
As suas ancas foram modeladas como deve ser,
as suas pernas acima de outra beleza qualquer.
Nobre a forma como anda
(vera incessu)
Meu coração seu escravo ficaria se a mim se abrisse.
As cabeças voltam-se — por culpa sua
para a seguirem com o olhar.
Afortunado o que a puder abraçar plenamente;
será o número um entre todos os jovens amantes.
Deo mi par esse
Todo o olhar a vai seguindo mesmo quando desapareceu fora do alcance.
Singular deusa, sem igual.

[…]

DIZ ELA:

O meu coração rebenta quando penso em como o amo,
Não sou capaz de me comportar como outra pessoa qualquer.
Ele, o coração, está em desordem
Não me deixa escolher um vestido
ou esconder-me atrás de um leque.
Não consigo pôr pintura nos olhos nem optar por um perfume.
«Não páres, entra dentro da casa
Foi o que disse o coração uma vez,
E ainda diz sempre que penso no amado.
Não me faças fazer figuras, coração meu. Por que és tão idiota?
Aquieta-te! Mantém-te calmo
e ele há-de vir ter contigo.
A minha cautela não permitirá que as pessoas digam:
A rapariga está perturbada de amor.
Quando te lembrares dele
firme e forte, não me abandones.

Conversas na corte in Poemas de amor do antigo Egipto
Lisboa, Assírio Alvim, 1998, Tradução de Hélder Moura Pereira


Flor de Lotus (National Papyrus Center, Giza, Egipto)


CANÇÕES DE ALEGRIA DA AMADA QUE SE VAI ENCONTRAR CONTIGO NOS CAMPOS

I

Tu, minha és, meu amor,
O meu coração esforça-se para alcançar o cimo do teu amor.

, encanto, a armadilha que montei com as minhas
próprias mãos.

os pássaros de Punt,
Perfume de asas
Como chuva de mirra
Caindo sobre o Egipto.

Vamos ver o trabalho que as minhas mãos fizeram,
Vamos os dois, juntos por esses campos.

II

O guincho do ganso selvagem
Incapaz de resistir
À tentação do meu isco.

Enquanto eu, na confusão do amor,
Incapaz de o apanhar, Fico a ver a ave levar as redes com ela.

E quando a minha mãe voltar, carregada de aves,
E me vir de mãos vazias,
Que lhe vou dizer?

Que não apanhei ave alguma?
Que fui eu a ficar apanhada nas tuas redes?

III

Mesmo quando as aves levantam voo
Em ondas e ondas de grande debandada
Eu nada vejo, fico cega
Apanhada como estou e ausente
Dois corações obedientes no seu bater
A minha vida ligada à tua
A tua beleza o elo.

IV

Sem o teu amor, o meu coração não bateria mais;
Sem o teu amor, um bolo doce parece salgado;
Sem o teu amor, o doce «shedeh» sabe a fel.
Ó, amado, a vida do meu coração precisa do teu amor.
Pois quando respiras, meu é o coração que bate.

V

Com sinceridade confesso o meu amor;
Amo-te, sim, e desejo amar-te ainda mais de perto;
Como dona da tua casa,
O teu braço posto sobre os meus.

Ai de mim por teus olhos vagos.
Digo ao meu coração: «O meu amo
Partiu. Durante
A noite partiu
E deixou-me. Sinto-me um túmulo».
E a mim própria pergunto: Não fica nenhuma sensação,
quando vens até mim?
Mesmo nenhuma?

Ai de mim por esses olhos que te afastaram do caminho,
Sempre tão vagos.
E apesar disso confesso com sinceridade
Que andem eles por onde andarem
Se vierem ter comigo
Eu reentro na vida.

VI

A andorinha canta: «Aurora,
Para onde se foi a aurora

Assim se vai também a minha noite feliz
O meu amor na cama ao meu lado.

Imagine-se a minha alegria ouvindo o seu murmúrio:
«Jamais te deixarei», disse-me.
«Com a tua mão na minha passearemos
Por todos os mais belos caminhos».

Demais a mais ele quer que o mundo saiba
Que de entre todas as mulheres sou a primeira
E que o meu coração nunca mais há-de ficar triste.

VII

A cabeça assomando à porta
Será ele que vem?

Ouvidos à escuta dos seus passos,
E um coração que nunca pára de falar dele.

Um mensageiro:
«Não me sinto bem...»
Porque não vem ter comigo
E me diz
Que encontrou outra rapariga?
Outro coração que há-de sofrer.

VIII

Assim sofro pelo amor perdido
O desgosto fez-me perder metade do cabelo.

Vou pô-lo aos caracóis e arranjá-lo,
Pronta para o que der e vier...

Canções de alegria da amada que se vai encontrar contigo nos campos
 in Poemas de amor do antigo Egipto
Lisboa, Assírio Alvim, 1998, Tradução de Hélder Moura Pereira


CANÇÕES ALEGRES

Ó flores de Mekhmekh, dai-nos a paz!
Por ti seguirei o que o coração ditar.

Quando me abraças
A luz que de ti vem brilha tanto
Que até preciso de bálsamo nos olhos.

Tendo a certeza que me amas
Aconchego-me junto a ti.

O meu coração está seguro de que entre todos
Os homens tu és o mais importante.

O mundo todo brilha
O meu desejo é podermos dormir juntos,
Como agora, até ao fim da eternidade.

II

São tão pequenas as flores de Seanu
Que quem as olha se sente um gigante.

Sou a primeira entre os teus amores,
Como jardimpouco regado de ervas e perfumadas flores.

Ameno é o canal que tu cavaste
Pela frescura do vento norte.

Tranquilos os nossos caminhos
Quando a tua mão descansa na minha em alegria.

A tua vozvida, como o néctar.

Ver-te é mais do que alimento e bebida.

III

flores de Zait no jardim.
Corto e junto flores para ti,
Faço-te uma grinalda,
E quando ficares ébrio
E te deitares com esse sono,
Sou eu quem te lava os pés para lhes tirar o .

Canções alegres”,  in Poemas de amor do antigo Egipto
Lisboa, Assírio Alvim, 1998, Tradução de Hélder Moura Pereira



CANÇÕES DO JARDIM

I

Fala a romãzeira:
As minhas folhas são como os teus dentes
Os meus frutos como os teus seios.
Eu, o mais belo dos frutos,
Estou presente em cada tempo que fizer, em todas as estações.

Tal como o amante junto da amada para sempre,
Ébrio de «shedeh» e vinho.

Todas as árvores perdem as folhas, todas
Excepto a romãzeira.
Eu sozinha em todo o jardim não perco a beleza,
Permaneço firme.
Quando as minhas folhas caem,
outras folhas nascem dos botões.

Sendo a primeira entre os frutos
Exijo que essa posição seja reconhecida,
Não aceitarei um segundo lugar.

E se houver de novo algum insulto
Não haveis de ouvir dele o seu final.

……………….........
Com os lótus em flor
E os lótus em botão,
E óleos e doce mirra de toda a espécie,
Estarás entre os mais contentes
Poisquem se lembre do pavilhão das rosas
E cuide bem dele.

..................
está ele!
Subamos para o abraçar
E fazer com que aqui fique o dia todo.

II

Ouve a voz da figueira:
Saudações à minha amada.
Quem mais digno do que eu?
Porque não eu teu servo, se não tens nenhum?
Trouxeram-me da Síria
Para prémio dos amantes.

Bebo todo o dia, não água do odre, mas beleza.

III

O pequeno sicômoro que com as tuas próprias mãos plantaste
Move a boca para falar.

Como são graciosos os seus ramos, graciosos
Quando abanam e, ao abanar, murmuram
Um murmúrio tão doce como o mel.

Os ramos dobram-se pesados de frutos
Mais vermelhos do que o jaspe de vermelho-sangue,
De folhas como a malaquite.

Trazem-tos de muito longe
Para ti que não estás ainda em tua fresca sombra.
Recebes a sedutora carta de amor
Das mãos daquela jovem rapariga,
Filha do chefe dos jardineiros,
Vai a correr ter com o amado, diz-lhe
«Vamos para um sítio mais sossegado».

O jardim está em pleno esplendor,
Com os seus pavilhões de tendas;
E tudo para ti.

Os meus jardineiros ficam contentes por te ver.

Manda aos teus escravos que tragam os instrumentos musicais,
Prepara-te para a festa.

Ir a correr ao teu encontro é água fresca
Para um homem que está com sede.

Os teus servos estão a chegar com cerveja de todas as qualidades,
Bolos, pastéis, flores frescas a extravasar
dos cestos, e fruta fresca acabada de colher.

Fica um dia, um dia de felicidade,
E amanhã, e depois de amanhã,
Três dias inteiros à minha sombra.

O que foi escolhido senta-se à sua direita,
Enche-a de licores
Até estar pronta para o que ele lhe disser.

Com toda a gente ébria, aos tombos,
Ninguém suspeitando do que se está a passar,
Ele prossegue com zelo o caminho que traçou.

E é tudo o que posso dizer:
A minha discrição é tal
Que do que se passou a seguir
Nem uma sugestão deixarei.

Canções do jardim”,  in Poemas de amor do antigo Egipto
Lisboa, Assírio Alvim, 1998, Tradução de Hélder Moura Pereira