Eugénio de Andrade, Os
amantes sem dinheiro, 1950 (1.ª ed.)
Edição utilizada: Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2017
Linhas de
leitura do poema “Retrato”, de Eugénio de Andrade
Note que o poema diz o «rosto»,
mas se chama «Retrato», marcando assim a mediação entre o tempo em que se vive
e o tempo em que se escreve.
É a fixação do rosto na moldura,
o retrato, portanto, que torna o passado irremediavelmente perdido.
O «rosto» é metaforicamente representado
nos elementos, numa harmonia cósmica de «luz», «melodia», «mar», «praia»,
«sabor», ou seja, um somatório complexo ligado aos elementos água e terra, a
uma paisagem arcaica, infantil, ao «elemental», como diz Oscar Lopes.
O «rosto» é ainda o começo da «madrugada»,
predecessor do dia, plenitude a atingir. O «teu rosto» é, pois, o «rosto da
minha alma», é, afinal, o retrato do próprio Eu – o que implica um não
distinguir do Eu e do Tu
Eugénio de Andrade é um poeta
apolíneo, da luz, da claridade e da transparência, em que o límpido apelo dos
sentidos deixa perceber essa celebração dos momentos de plenitude, por efémeros
que possam ser.
Em
todo poema, observa-se o campo semântico da transparência, quer nas imagens da
"madrugada", de "luz", de "transparente" ou no
"mar imenso", quer na "melodia" e em toda a sua franqueza.
Note-se a aproximação do rosto do ser
amado» que se abre de "rosa em rosa" ao estímulo que vem da terra
"cálida e madura", e se torna "mar imenso" a indicar essa
transparência e a inspirar a possível fecundidade, mas sobretudo a vida
natural.
Recorde-se que a água é um referente
eufórico na poesia de Eugénio de Andrade. Associa-se à imagem materna, pura e
acolhedora, sugerindo o líquido amniótico que alimenta e mantém o feto seguro.
«Luz», «melodia», «mar» e «praia»
são metáforas do corpo que cresce e se desenvolve; a «melodia» é dita explicitamente
«irrompendo da terra», ou seja, como tendo origem na terra-mãe, «quente,
redonda», como o ventre da mãe prestes a dar à luz («madura»).
Observe-se ainda, o rosto como "sabor
agreste" insinuando o fruto, vindo da Natureza. Percorre todo o poema uma
verdadeira metáfora da relação amorosa onde a sensualidade se revela diáfana,
provocando um privilegiado momento eufórico.
(Adaptado de: Poemas de E. de A., Paula Morão,
Seara Nova / Ed. Comunicação, 1981, p. 75; Português A
e B: acesso ao ensino superior 2000, Vasco Moreira, Hilário
Pimenta. Porto, Porto Editora, 2000. Coleção: Acesso ao ensino superior:
preparação para a prova de exame nacional - 12º ano)
“Retrato:
No teu rosto começa a madrugada. (Eugénio de Andrade)”, José Carreiro. Folha
de Poesia, 2022-11-14. https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/11/retrato-no-teu-rosto-comeca-madrugada.html
Eugénio
de Andrade, Até amanhã, 1956
(1.ª edição)
Edição utilizada: Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2017
Linhas de
leitura do poema “Metamorfoses da palavra”, de Eugénio de Andrade
O poeta, em quatro dísticos alternadamente
hexassílabos e pentassílabos, canta o nascimento cintilante da palavra como um
acontecimento primordial, genesíaco (1º dístico).
O seu carácter delicado e sensível está bem
patente no 2.º dístico, que aparenta com a sinestesia metafórica do tato
(«Carícia», «mal poisa os dedos») ou do olfato («aroma»).
E enquanto o 3.º dístico assinala a sua
marca dinâmica, transformacional, a partir das metáforas do pássaro que «De
ramo em ramo voa» e do líquido que «na luz de derrama», o último contorna o
grande obstáculo da morte, cuja
existência eufemisticamente nega, em face da sedução poética do canto e da chama.
Poeta da esperança e da metamorfose
construtiva, Eugénio de Andrade reanima a nossa coragem de viver, na essencialidade e na
pureza do Belo.
António Moniz, Para
uma leitura de sete poetas contemporâneos, Lisboa, Ed. Presença, 1997, pp.
131
***
Texto de apoio
No
quadro da poética eugeniana, a “chama” é essencialmente criadora, embora não
deixe também de recuperar a vasta memória das contradições cósmicas do “fogo”. Como
temos visto desde o primeiro livro de Poemas, a “luz”, máxima transubstanciação
do fogo, aproxima-se do poder genesíaco da palavra. Figura o excesso de
realidade e é metáfora da transformação de toda expressão poética. Em Até amanhã,
há uma verdadeira cosmogonia da luz: desde seu elemento mais primitivo até a energia
transubstanciada nas diversas manifestações de claridade. Em todas as suas etapas,
a luz participa no trabalho de abertura da linguagem. Em diversos momentos, como
no sexto e no décimo terceiro poemas do livro, que transcrevemos abaixo, compõe-se
uma verdadeira “poética do fogo”.
Breve,
fugidia, a palavra eugeniana nasce do corpo, dos “lábios”, dos “dedos”, para
esvaecer-se em “fogo”, “chama” ou “luz que se derrama”, traçando novo movimento
de ascese, a recuperar, de certa maneira, a vivência do absoluto – ainda que revertida
para uma perspetiva imanentista. Assim, desde sua primeira manifestação, a palavra
é luminosa e se expande gradualmente, envolvendo os sentidos, como o tato (“carícia”),
o paladar (“lábios”), o olfato (“aroma”) e a visão (“cintilar”), em comunhão com
os elementos. No cume, o “canto” final da palavra ao infinito é descrito em
termos de “chama”: fusão metafísica do instante ampliado, linguagem absoluta,
ascensão do ser: “Parece que um tempo cósmico vem aqui ampliar o tempo
subalterno, esse tempo que encadeia e não produz. O poema eleva-se a um nível
de acontecimento do universo para conhecer o instante de um clarão” (BACHELARD,
1990, p. 57).
“Metamorfoses
da palavra, Eugénio de Andrade”, José Carreiro. Folha de Poesia,
2022-11-13. https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/11/metamorfoses-da-palavra-eugenio-de.html
Eugénio de Andrade, Coração
do dia, 1958 (1.ª ed.)
Edição utilizada: Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2017
"As palavras", de Eugénio de Andrade. Produções Fictícias, 2005
I - Linhas de leitura do poema “As palavras”, de Eugénio de Andrade:
O sujeito poético propõe, a
partir de um jogo metafórico e metalinguístico, uma reflexão sobre o valor
polissémico das palavras. Este poema reflete, portanto, sobre o seu próprio
processo de construção, sobre as possibilidades criadoras da palavra.
1.ª estrofe
«São como um cristal, / as
palavras.» – nesta frase existe um hipérbato e a razão dessa inversão está na
ênfase posta no primeiro membro da comparação, que tem o valor de um verso;
nela assenta a expectativa criada pelo primeiro verso.
Quatro imagens visuais
organizadas numa combinação antitética sugerem a primeira tentativa definitória
das palavras:
-
múltiplas faces (os vários sentidos das palavras, que podem ser abordadas de
vários ângulos)
um punhal
-
agressividade
-
crueldade
-
morte
-
sofrimento
um incêndio
-
destruição
-
violência impetuosa
-
purificação
orvalho
-
suavidade, delicadeza sensorial
-
esperança
-
acalmia
O sentido da oposição
positividade vs. negatividade tem a ver com as próprias contradições que as
palavras contêm. Quer dizer, as palavras são ambíguas, assumem valores
diversificados, consoante a intencionalidade dos falantes.
2.ª estrofe
«Secretas vêm, cheias de
memória.» – as palavras são condensadoras de um saber antigo: atravessam os
tempos, recebem novos significados, evoluem, carregam os segredos da história
dos homens e acompanham os seres falantes como instrumento indispensável de
comunicação.
«Inseguras navegam: /
barcos ou beijos, / as águas estremecem» – Que relação se pode estabelecer
entre palavras e barcos e palavras e beijos?
entre palavras e barcos
pode-se estabelecer estabelece-se a relação de viagem (insegurança, quer das
palavras, quer dos barcos; as palavras agitam as pessoas; os barcos as águas);
entre palavras e beijos
pode-se estabelecer a relação de amor (ninguém fica indiferente às palavras nem
as pessoas aos beijos).
A 2ª estrofe assenta em
duas imagens («barcos» e «beijos»), numa associação metonímica (elementos
interatuantes) com «águas». A intimidade do passado («secretas», «cheias de
memória»), ao ser revelada («vêm», «navegam»), introduz insegurança
(«Inseguras»), medo («as águas estremecem»). A oposição, tecida na 1ª estrofe
entre inocência e crueldade, é agora ampliada através de efeitos antagónicos: o
percurso positivo do passado («secretas», «cheias de memória») versus a
insegurança do presente e do futuro («Inseguras navegam», «as águas
estremecem»).
3.ª estrofe
Os versos 11, 12 e 13 são
formados apenas por adjetivos dando destaque às qualidades. Na sequência de
«Inseguras navegam», o poeta caracteriza-as como:
- desamparadas = ao
alcance de todos,
- inocentes = de per si
não contêm qualquer mal, este advém do uso e do abuso,
- leves = sem a carga
conotativa que alcançam no texto.
Assim, caracterizadas, em
gradação decrescente, com uma tripla adjetivação («Desamparadas, inocentes, /
leves»), as palavras surgem, na 3ª estrofe, novamente marcadas pela ambiguidade,
através do paradoxo simbólico diurno/noturno: «Tecidas são de luz / e são a
noite». Note-se que as palavras – e consequentemente o poema – são dadas como
«tecidas», formadas pelo imbricar da teia e trama, cruzamento produtivo de
elementos de origem diversa, originando a multiplicidade, a riqueza material.
As palavras alcançam sentido quando colocadas num texto (Texto, do lat. textu-,
«tecido», part. pass. de texâre, «tecer; entrelaçar»), que é um tecido, uma
teia, onde se cruzam os vários sentidos.
Luz no texto, noite na
ausência do texto.
Os versos 15 e 16 reforçam
a antítese temporal presente / passado («lembram ainda»), já anunciada na 2ª
estrofe. A palidez, associada à imagem visual da «noite», opõe-se à evocação
simbólica da felicidade antiga: «E mesmo pálidas / verdes paraísos lembram
ainda». Podendo ter perdido algum dos seus sentidos, trazem todavia memória e
por isso evocam um passado criador.
4.ª estrofe
A dupla interrogação
retórica da última estrofe constitui uma forte interpelação ao destinatário do
poema: «Quem as escuta? Quem / as recolhe?» São os leitores que vão abrir as
conchas, que são as palavras (cofres cheios de sentidos). A interrogação apela
para a releitura das palavras.
Mas não satisfeito com a
recorrente caracterização das palavras, ao longo das estrofes anteriores, o
sujeito sublinha, numa constância de sentido, a sua ambiguidade ética e
pragmática: «assim, /cruéis, desfeitas, / nas suas conchas puras?»
Tal como a vida humana, as
palavras são boas e más, alegres e tristes, belas e feias: estimulam e
desmotivam, são portadoras de amor e ódio, de paz e guerra, de felicidade e
infelicidade.
(Bibliografia:
Aula Viva Port. B 12º, 1999, p. 448; Para uma leitura de sete poetas
contemporâneos, António Moniz, Ed. Presença, 1997, pp. 125-126, Poemas
de E. de A., Paula Morão, Seara Nova / Ed. Comunicação, 1981, p. 89)
II – Questionário sobre o poema “As palavras”, de Eugénio de Andrade:
Num texto de opinião bem
estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta palavras,
defenda uma perspetiva pessoal sobre o poder das palavras nas relações humanas.
No seu texto:
– explicite, de forma
clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos,
cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;
– utilize um discurso
valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
(Fonte: Exame
Final Nacional de Português n.º 639, 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º
139/2012, de 5 de julho). Portugal, IAVE, 2018, 1.ª Fase)
INTERTEXTUALIDADE
AS PALAVRAS, por José Saramago
«A palavra não responde nem pergunta:
amassa. A palavra é a erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A
palavra é poeira nos olhos e olhos furados. A palavra não mostra. A palavra disfarça.»
José Saramago publicou esta crónica dos seus tempos de jornalista no vespertino
“A Capital”, em livro lançado, em 1971, sob a chancela da Editorial Arcádia.
As palavras são boas. As palavras são más. As
palavras ofendem. As palavras pedem desculpa. As palavras queimam. As palavras
acariciam. As palavras são dadas, trocadas, oferecidas, vendidas e inventadas.
As palavras estão ausentes. Algumas palavras sugam-nos, não nos largam: são
como carraças: vêm nos livros, nos jornais, nos slogans publicitários, nas
legendas dos filmes, nas cartas e nos cartazes. As palavras aconselham,
sugerem, insinuam, ordenam, impõem, segregam, eliminam. São melífluas ou
azedas. O mundo gira sobre palavras lubrificadas com óleo de paciência. Os
cérebros estão cheios de palavras que vivem em boa paz com as suas contrárias e
inimigas. Por isso as pessoas fazem o contrário do que pensam, julgando pensar
o que fazem. Há muitas palavras.
E há os discursos, que são palavras encostadas
umas às outras, em equilíbrio instável graças a uma precária sintaxe, até ao
prego final do Disse ou Tenho dito. Com discursos se comemora, se inaugura, se
abrem e fecham sessões, se lançam cortinas de fumo ou dispõem bambinelas de
veludo. São brindes, orações, palestras e conferências. Pelos discursos se
transmitem louvores, agradecimentos, programas e fantasias. E depois as
palavras dos discursos aparecem deitadas em papéis, são pintadas de tinta de
impressão - e por essa via entram na imortalidade do Verbo. Ao lado de
Sócrates, o presidente da junta afixa o discurso que abriu a torneira do marco
fontanário. E as palavras escorrem tão fluidas como o «precioso líquido».
Escorrem interminavelmente, alagam o chão, sobem aos joelhos, chegam à cintura,
aos ombros, ao pescoço. É o dilúvio universal, um coro desafinado que jorra de
milhões de bocas. A terra segue o seu caminho envolta num clamor de loucos, aos
gritos, aos uivos, envolta também num murmúrio manso, represo e conciliador. Há
de tudo no orfeão: tenores e tenorinos, baixos cantantes, sopranos de dó de
peito fácil, barítonos enchumaçados, contraltos de voz-surpresa. Nos
intervalos, ouve-se o ponto. E tudo isto atordoa as estrelas e perturba as
comunicações, como as tempestades solares.
Porque as palavras deixaram de comunicar. Cada
palavra é dita para que não se oiça outra palavra. A palavra, mesmo quando não
afirma, afirma-se. A palavra não responde nem pergunta: amassa. A palavra é
erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A palavra é poeira nos
olhos e olhos furados. A palavra não mostra. A palavra disfarça.
Daí que seja urgente mondar as palavras para que a
sementeira se mude em seara. Daí que as palavras sejam instrumento de morte –
ou de salvação. Daí que a palavra só valha o que valer o silêncio do ato.
Há também o silêncio. O silêncio, por definição, é
o que não se ouve. O silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa. O
silêncio é fecundo. O silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser, a
melodia calada sob a luz solar. Caem sobre ele as palavras. Todas as palavras.
As palavras boas e as más. O trigo e o joio. Mas só o trigo dá pão.
Fonte: Crónica publicada no livro Deste Mundo e do Outro. Lisboa,
Editorial Caminho, 4.ª edição, 1997. Disponível em Ciberdúvidas da Língua
Portuguesa, <https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/outros/antologia/as-palavras/746>
[consultado em 08-06-2021]
***
A RAPARIGA QUE ROUBAVA LIVROS, Markus Zusak
ERA UMA VEZ um estranho
homem baixo. Ele decidiu três importantes pormenores a respeito da sua vida:
1. Faria a risca do cabelo
do lado contrário ao de toda a gente.
2. Deixaria crescer um
pequeno bigode estranho.
3. Um dia governaria o
mundo.
O jovem vagueou durante
algum tempo, a pensar, a planear, e a calcular exatamente como poderia tornar o
mundo seu. Depois, um dia, sem mais nem menos, ocorreu-lhe: o plano perfeito.
Vira uma mãe a passear com o filho. A dada altura, ela repreendera o garoto até
que, finalmente, ele começou a chorar. Daí a alguns minutos, ela falou-lhe
docemente, e então ele acalmou e até sorriu.
O jovem correu para a
mulher e abraçou-a. – Palavras! – exclamou ele com uma careta sorridente.
– O quê? Mas não obteve
resposta. Ele já desaparecera.
Sim, o Führer decidiu que
governaria o mundo com palavras.
Plantou-as dia e noite, e
tratou-as cuidadosamente.
Viu-os crescer, até que
por fim se tinham erguido por toda a Alemanha grandes florestas de palavras…
Era uma nação de pensamentos cultivados.
As pessoas que trepavam às
árvores chamavam-se sacudidores de palavras.
OS MELHORES sacudidores de
palavras eram os que compreendiam o verdadeiro poder das palavras.
Eram esses que conseguiam
trepar mais alto. Um desses sacudidores de palavras era uma rapariga pequena e
franzina. Era conhecida como o melhor sacudidor de palavras da sua região
porque sabia como uma pessoa pode ficar impotente SEM palavras. Um dia,
contudo, conheceu um homem que era desprezado pela pátria dela, embora tivesse
nascido lá. Tornaram-se bons amigos, e quando o homem adoeceu, a sacudidora de
palavras permitiu que uma única lágrima caísse na cara dele. A lágrima era
feita de amizade – uma simples palavra – e secou e transformou-se numa semente,
e da próxima vez que a rapariga esteve na floresta plantou essa semente no meio
das outras árvores. Regava-a todos os dias.
A árvore crescia todos os
dias, mais depressa do que tudo o resto, até se tornar na árvore mais alta da
floresta. Toda a gente foi vê-la. Todos sussurravam a respeito dela, e
esperavam… pelo Führer.
Furioso, ele ordenou
imediatamente o abate da árvore. Foi então que a sacudidora de palavras abriu
caminho por entre a multidão. Tombou de joelhos.
– Por favor – exclamou ela
–, não podem cortá-la.
"O caderno de desenho escondido" in A rapariga que roubava livros, Markus Zusak. Lisboa: Presença, 2018 (texto com supressões)
Proposta de comentário :
Comenta os últimos dois
parágrafos do excerto, seguindo os seguintes tópicos de aplicação, organizados
segundo o nível de profundidade de leitura:
Nível 1 - Síntese objetiva do
conteúdo dos últimos
dois parágrafos do texto.
Nível 2 - Interpretação do
conteúdo.
Nível 3 - Relação do conteúdo com
o contexto histórico.
Nível 4 - Opinião acerca do
conteúdo.
Sugestão de resposta:
No final do texto, a sacudidora
de palavras tenta impedir que o Führer faça cair a árvore mais alta da
floresta, que nasceu da amizade entre ela e um rapaz.
Esta atitude de resistência por
parte da rapariga contra a opressão do Führer reforça a importância das
palavras, pois a árvore das palavras simboliza a liberdade.
Historicamente, a atitude da menina
representa, durante a Segunda Guerra Mundial, a oposição ao regime nazi.
Concluo, assim, que esta história
pretende transmitir uma lição de vida para que atualmente tenhamos a coragem de
lutar pela liberdade, resistindo aos regimes totalitários e antidemocráticos.
“As
palavras, Eugénio de Andrade”, José Carreiro. Folha de Poesia, 2022-11-12.
https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/11/as-palavras-eugenio-de-andrade.html
Lê atentamente o poema “XXIX" ["Tu és a esperança, a madrugada"], de
Eugénio de Andrade, e responde de modo estruturado às perguntas abaixo
apresentadas.
1. O poema vinca a relação Eu – tu. A primeira
estrofe apresenta a caracterização do destinatário das palavras do sujeito
poético.
1.1. Explicita o valor
metafórico dos dois primeiros versos, integrando-os na caracterização do
destinatário.
2. A segunda estrofe refere a relação sujeito poético
/ destinatário (tu).
2.1. Explicita o poder criador
do amor aí expresso poeticamente.
2.2. Interpreta o sentido dos
dois últimos versos desta estrofe.
2.3. A terceira estrofe
centra-se novamente no “tu”, agora, em relação com a própria criação poética.
2.4. Explica, em que medida,
esta estrofe apresenta implicitamente uma conceção da conceção da poesia já
desenhada na estrofe anterior.
3. O poema apresenta uma circularidade.
3.1. Demonstre como este aspeto
se evidencia no texto e explicite a sua intencionalidade.
Fonte:
Projeto #ESTUDOEMCASA, aula 35 de Português – 12.º ano, sobre os poemas "Que
fizeste das palavras?" e "Palavras interditas”, de Eugénio de Andrade,
2021-04-07. Anexo disponível em https://estudoemcasa.dge.mec.pt/2020-2021/12o/portugues/35
Texto de apoio
(…) se no poema XXIX
encontramos um cenário diferente, pois o ser amado apresenta-se novamente como
símbolo de vida e esperança, também esta composição deixa perceber que a falta
de energia começa a ferir o sujeito lírico. Apesar de o outro continuar a suscitar
o deleite do “eu”, este encaminha-se para a
esterilidade própria do fim do ciclo.
O “tu”, fonte e motivo da
sua criação poética, é não só associado à“madrugada”, ou se quisermos à“esperança”, mas também às “tardes de setembro”, com a imanente doçura da
luz outonal a caracterizá-lo. Em contraste, o “eu”, outrora criador adâmico, é apenas o autor de “palavras sem sentido”, de “brumas” e “lagos densos” e que se limita a esperar
a “luz” do ser amado. A
superioridade do “tu” não nos surpreende, pois o
poeta a ela nos habituara. A transfiguração das personagens ao longo do livro
revela-nos um ser amado que se metamorfoseia em elementos invariavelmente
conotados com vida e fertilidade, como referimos atrás, ao passo que o sujeito
poético ora se apresenta contemplativo e sabedor da sua inferioridade perante o
outro, como, em rasgos de criatividade, é capaz de inventar paraísos terrestres
para deleite e enaltecimento do ser amado. A vida, luz e frescura inventadas no
poema VIII destoam do tom sombrio que a sua criação emana neste poema. Assim,
os ribeiros serão substituídos por “lagos densos”, a lua por “brumas” e o corpo, estendido
sugestivamente no chão, será agora representado apenas pelos seus “braços suspensos”. A incapacidade inventiva
do sujeito lírico serve para realçar a fonte de toda a esperança que é o outro,
mas também nos anuncia o declínio da relação amorosa que se irá sentir
particularmente nas composições que se seguem, criando um ambiente que evoca o
derradeiro ciclo da vida.
A primeira estrofe, a mais
longa, refere-se exclusivamente ao ser amado e o campo semântico aí presente
está em sintonia com a imagem de esperança e de amor a ele associada, ao passo
que a segunda se centra no “eu” e tem como finalidade realçar, por contraste e
oposição, as características e superioridade do outro. A última estrofe
apresenta-se como a conclusão do que foi dito, estabelecendo, uma vez mais, a
desigualdade entre os dois amantes e atribuindo ao outro a origem da vida e da
criação poética.
O sentido da visão será o
protagonista neste poema e, agora, são os olhos, não as mãos, que possibilitam
a ligação dos amantes, união que culmina na imagem final dos dois últimos
versos com a associação dos olhos ao ato de beber, confundindo deliberadamente
as faculdades dos sentidos, o que empresta ênfase à ideia de comunhão que se
pretende transmitir.
Da mesma forma, o sujeito
lírico partilha com as aves e as fontes o ato de beber, verbo da predileção do
poeta, que culmina a fusão plena do homem na natureza. Este verbo adquire na
poesia de Eugénio de Andrade um significado muito especial e intimamente ligado
à união dos amantes, como vimos. Esta ideia de que os seres ou coisas bebem
algo é bastante usual ao logo do livro. Já no poema III, as fontes bebem a face
do ser amado e, nos poemas V e XVI, são as aves que bebem dos seus dedos, como
se fossem fontes, ou o “teu grito” que pede “a não sei que deus o seu
destino”. Também no poema XIX, as raízes, que seriam tecidas
pelas suas mãos, hão de, um dia, beber o corpo do amado, para, no poema XXVIII,
ser o sujeito poético quem bebe os horizontes. Beber torna-se, assim, uma forma
plena de comunhão, uma fusão intensa entre os seres, uma vontade deliberada de
integrar o outro ou apenas aquilo que o evoca. Este ato pressupõe uma
identificação total entre os dois termos, entre aquele que bebe e o que sofre a
ação, tornando-os um só elemento numa tentativa de união ascética através da
união física.
“Tu
és a esperança, a madrugada. Eugénio de Andrade”, José Carreiro. Folha de
Poesia, 2022-11-11. https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/11/tu-es-esperanca-madrugada-eugenio-de.html